Kamakhya: A Deusa da Menstruação

Por Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.

Kamakhya, uma deusa mãe, é uma divindade Shakta Tântrica; ela é a personificação de Kama (o desejo), ela é considerada a deusa do desejo. Sua morada – o Templo Kamakhya, está localizada na região de Kamarupa, em Assam, na Índia. Originalmente uma deusa kirata, Kamakhya permaneceu fora da influência bramânica até pelo menos o século VII. Residindo nas colinas de Nilachal, às margens do rio Brahmaputra, a oeste de Guwahati, no templo do século 10/11, reconstruído em 1565, ela é adorada em uma forma de pedra não icônica e não antropomórfica em forma de yoni, alimentada por um riacho perene. O templo é o principal entre os 51 Shakti Pithas e é um dos templos Shakta mais importantes.

ICONOGRAFIA

A iconografia de Kamakhya é mencionada na escritura hindu Kalika Purana. Ela tem doze braços e seis cabeças de cores variadas: branca, vermelha, amarela, verde, preta e colorida. Cada cabeça tem um terceiro olho. Ela está usando joias opulentas e flores vermelhas, como hibiscos. Ela segura em cada uma das dez mãos um lótus, tridente, espada, sino, disco, arco, flechas, clava ou cetro, aguilhão e escudo. Suas duas mãos restantes seguram uma tigela feita de ouro ou de uma caveira. Ela está sentada sobre um lótus, diretamente em cima de Shiva, que por sua vez está deitado em cima de um leão.

De cada lado dela estão Brahma e Vishnu, cada um sentado sobre um lótus também.

ORIGENS HISTÓRICAS

A origem histórica do Templo Kamakhya, ao qual a deusa Kamakhya está associada, não é certa. O estrato mais antigo parece ser do século VII, e a evidência de um complexo de templos é datada do século X/XI. O Kalika Purana, datado de forma semelhante, fornece uma extensa descrição da deusa Assam e do templo.

A yoni de Kamakhya.

ORIGENS MÍTICAS

A origem do Shakti Pitha no local está associada à lenda da deusa Sati, também conhecida como Dakshayani, que era esposa de Shiva e filha do rei purânico Daksha. Daksha ficou insatisfeito com a escolha do marido de sua filha e, quando realizou um grande yajna (sacrifício) para todas as divindades, não convidou Shiva nem Sati. Sati, entretanto, foi para o sacrifício. Daksha humilhou Shiva, Sati não suportou os insultos ao marido e então pulou no fogo e deixou seu corpo. Por ser a deusa mãe todo-poderosa, Sati deixou seu corpo naquele momento para renascer como a deusa Parvati. Enquanto isso, Shiva ficou cheio de tristeza e raiva pela perda de sua esposa. Ele jogou duas mechas de seu cabelo no chão e delas surgiram Virabhadra e Mahakali. Virabhadra e Mahakali destruíram o sacrifício, enquanto o primeiro matou Daksha cortando sua cabeça e queimando-a. Depois que a família de Daksha e os outros deuses imploraram a Shiva para restaurar sua vida, Shiva ordenou que a cabeça do bode do sacrifício fosse trazida para ele. A cabeça do bode foi posteriormente fixada no corpo de Daksha. Mais tarde, Daksha se arrependeu de seus erros. Shiva o perdoou e viu o corpo carbonizado de Sati. Ele colocou o corpo de Sati sobre o ombro e começou sua tandava (a dança da destruição cósmica) pelos céus, e jurou não parar até que o corpo estivesse completamente apodrecido. Os outros deuses, com medo da aniquilação dos 3 mundos, imploraram a Vishnu que pacificasse Shiva. Assim, onde quer que Shiva vagasse enquanto dançava, Vishnu o seguia. Ele enviou sua arma, a Sudarshana Chakra, para destruir o cadáver de Sati. Os pedaços de seu corpo caíram até que Shiva ficou sem corpo para carregar. Vendo isso, Shiva sentou-se para fazer Mahatapasya (a grande penitência). Apesar da semelhança no nome, os estudiosos geralmente não acreditam que esta lenda tenha dado origem à prática do sati.

De acordo com vários mitos e tradições, existem 51 pedaços do corpo de Sati espalhados pelo subcontinente indiano. Esses lugares são chamados de Shakti Pithas e são dedicados a várias deusas poderosas. Kamarupa (“a forma do desejo”) é a região em que se diz que a yoni (“vulva”, “útero”, “ventre” ou “fonte”) caiu na terra, e o templo Kamakhya teria sido construído neste local.

Os devotos acreditam que, na colina Nilachal, a yoni (ventre) de Sati caiu, e que a yoni tomou a forma de uma mulher chamada Kamakhya. A yoni é o local onde o bebê é criado durante 9 meses, e a partir daí o bebê entra neste mundo. E acredita-se que seja a razão da criação do mundo. Os devotos vêm aqui para adorar a yoni caída da Deusa mãe do mundo divino, Sati, que está na forma de Kamakhya, e adoram o ventre da Deusa Sati como a causa da criação e origem do mundo. Assim como uma criança emerge da yoni de uma mãe humana, da mesma forma, o mundo surgiu da yoni da Deusa Mãe Sati, que está na forma de Kamakhya.

A LENDA DE KAMAKHYA

A lenda desta deusa combina personagens da literatura hindu e das tradições locais. Certa vez, o demônio Narakasura, motivado por seu desejo, quis se casar com Kamakhya. Quando o casamento foi proposto, a deusa, brincando, colocou diante dele a condição de que se ele fosse capaz de construir uma escada do sopé da colina Nilachal até o templo dentro de uma noite antes do galo cantar para indicar o amanhecer, então ela certamente se casaria com ele. Naraka encarou isso como um desafio e tentou ao máximo realizar essa enorme tarefa. Ele estava quase prestes a concluir o trabalho antes do amanhecer. Quando Kamakhya recebeu esta notícia, ela astuciosamente estrangulou um galo e o fez cantar prematuramente para dar a impressão do amanhecer a Naraka. Enganado pelo truque, Naraka saiu no meio do caminho. Hoje o local é conhecido como Kukurakata, situado no distrito de Darrang. A escada incompleta é conhecida como o Caminho Mekhelauja.

Chateado com a traição praticada pelos devas, e como ele sabia que era incomparável em coragem, ele colocou todos os reinos da terra sob seu controle. Em seguida, ele voltou os olhos para Svarga (o céu hindu). Mesmo o poderoso Indra não conseguiu resistir ao ataque deste filho de Vishnu e teve que fugir dos céus. Narakasura tornou-se o senhor dos céus e da terra. Como punição a todos os desrespeitos, ele reteve os brincos de Aditi, a deusa mãe celestial, e assumiu parte de seu território, ao mesmo tempo que capturou 16.000 mulheres para seu próprio prazer.

Todos os devas, liderados por Indra, foram até Vishnu pedir-lhe que os livrasse de Narakasura. Vishnu prometeu-lhes que cuidaria desse assunto quando encarnasse como Krishna.

Conforme prometido a Bhudevi, Narakasura foi autorizado a desfrutar de um longo reinado. Finalmente, Vishnu nasceu como Krishna. Aditi, que era parente da esposa de Krishna, Satyabhama, (que se acredita ser uma avatar de Bhudevi – a mãe de Narakasura), procurou Satyabhama em busca de ajuda. Satyabhama pediu permissão a Krishna para travar uma guerra contra Narakasura. Conforme prometido aos devas e Aditi, Krishna atacou a grande fortaleza de Narakasura, montando Garuda com sua esposa, Satyabhama. Krishna usou o Narayanastra e o Agneyastra contra o exército de Narakasura. A batalha foi travada furiosamente. Narakasura possuía 11 akshauhinis que desencadeou em Krishna. No entanto, a divindade matou todas elas com pouco esforço. Krishna também matou Mura, general de Narakasura. Assim, Krishna é chamado de ‘Murāri’ (o assassino de Mura).

Narakasura usou várias armas divinas contra Krishna, mas Krishna facilmente neutralizou todas elas. Por fim, quando Narakasura tentou matar Krishna com um tridente, ele viu a deusa Kamakhya parada ao lado de Hari e, eventualmente, Krishna o decapitou com sua Sudarshana Chakra. Acredita-se que sua queda tenha sido causada pela maya (ilusão) feita pela deusa Kamakhya.

Antes da morte de Narakasura, ele teria solicitado uma bênção a sua mãe, Satyabhama, para que todos celebrassem sua morte com luz colorida. Assim, este dia é comemorado como ‘Naraka Chaturdashi’ – um dia antes do Dipavali. Krishna aceitou as mulheres que Naraka havia capturado como suas esposas por insistência delas em salvar sua honra, já que a população as via como despojos de Narakasura. A principal delas às vezes é chamada de Rohini. Após o casamento, todas viveram em Dvaraka.

IDENTIDADE DE KAMAKHYA

Kamakhya é mencionada no Kalika Purana como a deusa mais importante do culto tântrico, e é referida no texto como Mahamaya, a “grande deusa da ilusão”, que assume muitas formas dependendo de seu humor. Os devotos também a chamam de Kameshvari (“A amada deusa do desejo”) e a consideram uma forma de Tripura Sundari, também chamada de Shodashi. Ela é identificada com Kali no Kalika Purana, no Yoginitantra e no Kamakhya Tantra, cada um dos quais ecoa este verso:

“É certamente bem sabido que Kamakhya não é outra senão aquela deusa mãe Kali, que é em todas as coisas a forma da sabedoria.”

Kamakhya está associada às Mahavidyas, cada uma com templos dedicados a elas no complexo do templo Kamakhya em Assam. Ela também está intimamente associada à Durga.

Os mantras para adoração geral das Mahavidyas no complexo do templo Kamakhya revelam uma identidade próxima com a própria Kamakhya. Várias dessas deusas são adoradas explicitamente como formas de Kamakhya. As Ashtashaktis ou oito encarnações de Kamakhya são Guptakama, Srikama, Vindhyavasini, Kotishvari, Vanadurga, Padadurga, Dirgheshvari e Bhuvaneshvari.

SOBRE O AUTOR

Ícaro Aron Soares, é colaborador fixo do PanDaemonAeon e administrador da Conhecimentos Proibidos e da Magia Sinistra. Siga ele no Instagram em @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.

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