
O Quinteto Deofel – O Templo de Satan: Uma Alegoria Sinfônica
Por Anton Long. Tradução de Ícaro Aron Soares.
UMA NOTA SOBRE O QUARTETO DEOFEL
Os livros do Quarteto Deofel foram concebidos como Textos Instrucionais esotéricos para neófitos que iniciam a jornada pelo Caminho da Mão Esquerda, de acordo com as tradições da ONA.
Como tal, eles não são – e não foram concebidos para serem – grandes obras literárias ou romances de valor literário, e seu estilo não é o de um romance convencional. Assim, descrições detalhadas – de pessoas, eventos, circunstâncias – são em sua maioria omitidas, esperando-se que o leitor/ouvinte use sua própria imaginação para criar tais detalhes.
Sua intenção era informar os neófitos sobre certos assuntos esotéricos de uma forma divertida e interessante e, como tal, são particularmente adequados para serem lidos em voz alta. De fato, uma de suas funções originais era ser lido para os membros do Templo pelo Sacerdote ou Sacerdotisa do Templo.
Na verdade, eles são tentativas de uma nova forma de “arte mágica” – como imagens de Tarô ou música esotérica.
Além disso, cada livro individual representa formas, aspectos e energias arquetípicas específicas associadas a esferas específicas da Árvore Setenária de Wyrd. Assim, por exemplo, O Templo de Satan se relaciona com a terceira esfera, o processo alquímico Coagulação e o processo mágico representado pela palavra mágica Êxtase. [Para mais detalhes, consulte o manuscrito da ONA Introdução ao Quarteto Deofel.]
O TEMPLO DE SATAN: UMA ALEGORIA SINFÔNICA
Primeira edição: 102 af
(Esta reedição: [v 1.05] 119 Anos de Fayen, Anton Long, ONA)
“Baphomet é uma deusa de aspecto violento que se lava no sangue de seus inimigos. Ela é a noiva de Lúcifer – um Portal para os Deuses das Trevas além desta Terra.
Tradicionalmente, Baphomet é associada ao grau mágico de Senhora da Terra – o quinto dos sete estágios que marcam o caminho satânico. Suas filhas são Poder, Vingança e Luxúria, mas a única criança viva terrestre a nascer dessas crianças é o Demônio chamado Amor…
Aqui estão verdades para contrastar as mentiras e distorções de Eliphas Levi e outros.”
– O Livro da Revocação.
PRÓLOGO
Melanie era uma mulher bonita e se acostumara a usar sua beleza a seu favor. Suas vestes carmesim, seu colar de âmbar e seus cabelos escuros a realçavam, e ela sorriu sem gentileza para o homem obeso prostrado à sua frente.
As velas negras eram a única luz, mas ela ainda conseguia ver a palidez de pergaminho de sua pele nua enquanto os dançarinos cantavam enquanto dançavam no sentido horário no templo, ao som dos tambores.
Ao lado dela, um homem vestido de preto declamava em voz alta as palavras de Iniciação.
“Você se vincula, com palavras, ações e juramentos, a nós, a semente de Satan?”
“Sim”, respondeu o homem nervoso e prostrado.
“Então entenda que quebrar sua palavra é o início de nossa ira!” Ele bateu palmas, e os dançarinos se reuniram ao redor. “Ouçam-no! Vejam-no! Conheçam-no!”
Sete batidas de um tambor e os dançarinos romperam o círculo que os cercava, suspirando enquanto Melanie erguia o chicote. Os homens suados sabiam que era uma formalidade, um gesto ritual sem dor. Mas Melanie sorriu e o espancou até sangrar.
Então ela riu. “Dancem!”, ordenou, e eles obedeceram, completando o ritual até o fim. E quando terminou e o homem inchado com a pele recém-ensanguentada sentiu algum prazer ao se curvar junto ao altar no clímax do abraço sexual de uma prostituta, Melanie saiu para nadar nua no calor sensual de sua piscina.
Logo, restava apenas o celebrante principal, esperando por ela no pequeno escritório junto ao salão. Era um homem alto, de rosto magro, cujos olhos evocavam a imagem de alguém louco. Durante anos, um mosteiro alimentou seu corpo e tentou domar seu espírito, mas ele cedeu à tentação e buscou o caminho do pecado.
O vestido de Melanie escondia pouco de sua carne, e ela se sentou na beirada da mesa ao lado dele, sorrindo enquanto ele desviava o olhar. Ele queria o corpo dela, e ela sabia disso, e também o motivo pelo qual ele não faria nada.
“Você está ficando entediado conosco”, disse ele.
“E você está com medo.”
“De onde você pode estar nos levando?”
“A Cerimônia da Revocação.”
“Mas ninguém, por muito tempo, ousou –”
Ela se inclinou sobre ele, acariciando seus lábios com o dedo. “Se eu encontrar seu sacrifício, você tem fé suficiente para fazer o ritual e cortar a garganta dele?”
CAPÍTULO I
O passado de Thurstan parecia-lhe consistir em uma série de memórias desconexas e, sentado à beira do riacho, enquanto o sol quente lhe arrancava o suor do corpo e uma brisa leve o levava do topo da colina, lágrimas encheram seus olhos.
Suas memórias eram de mulheres. Havia beleza e êxtase em suas lembranças, assim como em seus gestos de amor, e, ao se lembrar, ele vivenciava novamente a intensidade da vida que aqueles gestos lhe haviam trazido.
Ele se lembrava de caminhar em uma tarde de primavera, perfumada, para ver, por apenas alguns minutos, a mulher que amava antes que ela partisse para a companhia de outro homem. Era, ele se lembrava, uma longa caminhada iniciada com o sol da tarde quente e a ponte que unia as margens do rio Cam, onde eles, em Cambridge, se encontrariam, apenas uma imagem – distante e esperançosa – em sua mente. Lembrou-se, anos depois, de ter pedalado 24 quilômetros em meio a uma nevasca de inverno para levar sua carta à casa da mulher que então amava, enquanto ela dormia, alheia aos seus sonhos. Lembrou-se da euforia de correr pelas ruas da cidade para pegar o último trem e da longa caminhada no frio da manhã até uma casa para se desculpar com a mulher que então amava.
No entanto, as lágrimas que lhe vieram à mente não eram de tristeza. Tudo ao seu redor parecia subitamente mais real e mais vivo – as cotovias que cantavam alto acima das colinas cobertas de urze; o sol, o céu, a própria Terra. Eles, e ele próprio, pareciam quase possuir o divino.
Ele sentia a promessa de sua própria vida – como se, de alguma forma, ele e a mulher que amava fossem, ou pudessem ser, o instrumento de um amor divino, um meio de revelar a divindade ao mundo. No entanto, a divindade que ele sentia não era o deus absoluto da religião, nem mesmo do Deus onisciente, e quanto mais ele experimentava e mais pensava, mais percebia que não era deus. Era uma deusa.
Esse pensamento o agradava. Sentiu que havia redescoberto um significado importante, talvez até o significado supremo, sobre sua vida, e desceu lentamente a colina para lavar o rosto na água fria do riacho.
A perda da esposa não lhe trazia mais tristeza, e a triste resignação por mais uma perda começou a se dissipar. Como um garotinho, tirou os sapatos e as meias e remou no riacho.
Não havia Natalie para compartilhar isso com ele, como ele poderia ter desejado, e seu encontro com ela parecia um sonho. Fazia uma semana desde que a encontrara, sentada à margem do rio Severn, no arborizado Quarry Park, enquanto, ao redor, a cidade de Shrewsbury se tornava mais seca devido ao sol quente do verão?
Ele conseguia se lembrar de quase cada palavra da conversa deles — ela sorrira quando ele passara e ele, tímido e corado, falara do tempo, de como o calor prolongado baixara o nível da água. Em seus dedos delicados — um anel com o símbolo do Tao. Então, ele perguntara e sentara-se ao lado dela. Por duas horas, eles conversaram, revelando seus passados como dois amigos.
“Sem os meus sonhos”, ela dissera, “eu não seria nada”, e ele escondeu as lágrimas.
Havia beleza em suas palavras, em seus olhos, tristeza na suavidade de sua voz, e quando ela se levantou para ir embora, ele estava apaixonado, embora não percebesse. “Posso ver de novo?”, perguntou ele. Ela ficou insegura, mas concordou, e ele lhe deu seu endereço, marcou um dia e um horário, e a observou ir embora, desejando, mas sem ousar correr, e a abraçou.
E então ela se foi, perdida em seu mundo. Apenas um dia se passou antes que ele encontrasse o endereço dela e lhe enviasse flores. No dia seguinte, sua longa e triste carta. “Não tenho nada para dar”, ela escrevera. “Você era meu público aleatório.”
Ele enviou mais flores, mas sentou-se sozinho à beira do rio na hora marcada, antes que o sol poente secasse o vapor tolo de seus sonhos.
A água fria do riacho o refrescou e, enquanto lavava o rosto novamente, sua tristeza retornou lentamente, apenas atenuada pelo êxtase. Ninguém passava por ele enquanto caminhava pelas trilhas que serpenteavam por entre as colinas. Não havia ninguém para recebê-lo em casa, e ele se sentou à janela de sua pequena casa, pensando no que fazer. As colinas do sul de Shropshire, o isolamento, o jardim — tudo havia perdido o encanto. Em algum lugar, além do vale, das colinas, das vilas e da cidade, sua esposa seria feliz nos braços de outro homem.
Não era uma longa caminhada de sua casa até a cidade e sua estação, mas o calor do dia o oprimia, obrigando os outros passageiros do trem abafado e barulhento a permanecerem em silêncio e imóveis durante toda a curta viagem.
Pessoas de diferentes etnias se misturavam nas plataformas ensolaradas da estação de Shrewsbury, e Thurstan seguiu duas jovens enquanto caminhavam pelo concreto acima das linhas de aço reluzentes que conduziam um motor a diesel pelo ar úmido e vibravam com sua potência o chão e os prédios ao redor. Então, a barreira de madeira conduzia os recém-chegados por degraus de pedra sujos e portas ultramodernas para as ruas movimentadas de Shrewsbury.
Foi nessas ruas que Thurstan percebeu que estava com medo. Ele acreditava poder sentir os sentimentos por trás dos rostos das pessoas com quem passava – e não apenas senti-los, mas senti-los como se fossem seus. Sentiu o nervosismo e a vulnerabilidade de uma jovem enquanto esperava, meio amedrontada, na fachada de uma loja onde as pessoas se acotovelavam, e a insinuação de sua gentil inocência sendo destruída o perturbava. Sentiu a raiva de uma jovem mãe enquanto repreendia seu filho aos berros enquanto carros passavam ruidosamente pela rua; a dor de um velho enquanto mancava, apoiado em uma bengala, em direção à área de pedestres onde os jovens se reuniam, esperando.
Thurstan fugia das pessoas, de seus sentimentos, do barulho e da tensão latente que sentia no ar, para sentar-se à beira do rio no Parque Quarry. O sol, a água corrente, a grama quente, tudo o acalmava. Ficou sentado por mais de uma hora, virando-se ocasionalmente para observar algumas pessoas que passavam pelas trilhas. Ele sentia uma afinidade, talvez um amor, pelas pessoas ao seu redor — uma empatia que ele não conseguiria, mesmo que quisesse, expressar em palavras. Mas essa percepção foi destruída por uma mulher.
Ela era linda, a mulher que passou por ele enquanto caminhava pela trilha perto de onde ele estava sentado, vagamente pensando sobre o amor. Ela pareceu sorrir para ele, mas ele não tinha certeza, pois ela passou sob a sombra de uma árvore enquanto a luz do sol estreitava seus olhos. Seus sentimentos naquele momento não eram místicos, mas sim uma estranha mistura de desejo sexual suave, expectativa e uma vitalidade crescente, misturada à angústia de sua timidez, e ele estava resignado a simplesmente se lembrar daquele momento como se lembrara de momentos anteriores, quando a mulher se virava e sorria.
Thurstan sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. A mulher se virou, passou por uma árvore para passar sob a ponte que alimentava uma estrada sobre o rio e subiu em direção à cidade por uma passagem estreita e ladeada de pedras, deixando Thurstan entregue à sua turbulência. Então ele se levantou e o seguiu.
Ele queria correr, mas não ousou. Então, seguiu-a, apressando o passo. Ele a alcançaria quando a viela encontrasse a estrada à frente, entre o Ensino Médio e o Hospital. Talvez ela o sentisse espreitando atrás e estivesse com medo, pois pareceu a Thurstan que ela apressava o passo e ele foi deixado a segui-la sem saber o que faria. Ela atravessou a rua. Thurstan não viu nada além dela e decidiu não segui-la mais quando ela se virou, quase parou, e sorriu para ele novamente. Ele sentiu que ela o esperava e essa sensação o fez segui-la pela calçada vazia e por uma estreita rua de paralelepípedos em direção ao mercado vazio de uma cidade vazia e sem trânsito.
Ele estava a poucos metros dela quando ela desapareceu em uma das muitas lojinhas que ladeavam a rua. “J. Apted – Livros Antiquários“, dizia a placa acima da porta.
Nenhuma campainha soou quando Thurstan entrou e, na penumbra mofada, ele espiou as prateleiras. Um cavalheiro corpulento com um rosto cordial o encarou de volta.
“Posso ajudá-lo em alguma coisa, senhor?”, perguntou ele.
Nesta pequena sala além das prateleiras, Thurstan não via ninguém. “Uma mulher… uma mulher acabou de entrar aqui?”, perguntou Thurstan timidamente, corando.
“Uma mulher?”
“Sim… longos cabelos ruivos, olhos verdes, usando um vestido longo.”
O homem sorriu gentilmente. “Ninguém além do senhor entrou aqui nesta última hora.”
O medo de ter confundido a loja em que a viu entrar fez Thurstan correr em direção à porta ao ver seu retrato, a óleo, na parede.
Só alguns minutos depois, após questionar o livreiro, Thurstan percebeu que tinha visto um fantasma. A mulher estava morta há 50 anos.
CAPÍTULO II
Cinquenta anos, disse o livreiro.
“Foi um caso triste, sim, de fato. Ela foi assassinada. Aqui dentro… nesta mesma casa. Eu era uma escola naquela época, entende? Você a viu, disse?” E os olhos do velho pareceram brilhar.
Então Thurstan agradeceu e fugiu pelo calor úmido e pelas ruas movimentadas para encontrar um trem que o levasse de volta para casa. Ele não conseguiu dormir naquela noite e, no dia seguinte, no mesmo horário, estava no parque novamente, mas ela não apareceu e ele se afastou para ficar por quase uma hora perto da livraria, tentando encontrar coragem para entrar.
O livreiro não ficou surpreso ao vê-lo. “Ela é linda, não é?”, disse ele enquanto Thurstan olhava fixamente para a pintura.
“Onde você a viu pela primeira vez?”, perguntou o velho diretamente.
Thurstan se virou para ele e arrastou os pés timidamente. “Eu…”, começou.
O homem sorriu gentilmente. “Sempre achei que este lugar ainda fosse o lar dela, mas, infelizmente, eu mesmo nunca a conheci, como você.”
“Eu não percebi…”
“Que o que você viu foi uma aparição? Parecem tão reais, entende? Eu mesmo tenho um pequeno interesse por esses assuntos. Gostaria de um chá?”
O convite foi tão inesperado e tão gentil, dirigido a Thurstan, sem pensar, disse: “Sim, seria ótimo.”
“Vamos nos recolher — para algum lugar mais confortável?” O homem sorriu e torceu as mãos. “Fecharei cedo hoje!”
A sala além da loja estava, como a própria loja, forrada de livros do chão ao teto, e, como os livros, a mesa, as cadeiras e as escrivaninhas eram antigas. Havia um espécime grande e de formato estranho de cristal de rocha sobre a mesa e Thurstan se abaixou para examiná-lo. Um rosto — o rosto de uma bela mulher — estava dentro dele, mas Thurstan mal o reconheceu quando desapareceu.
“Socorro!” Ele achou ter ouvido uma voz triste e distante, digamos assim.
O livreiro trouxe uma bandeja, ofereceu uma caneca de chá, alguns biscoitos e bolo enquanto
Thurstan esperava, meio observando o cristal e meio esperando ouvir a voz distante. Ele comeu e bebeu, e ouviu as palavras do velho sem realmente entendê-las. Em algum lugar, em um recanto ou cômodo próximo, um grande relógio bateu um quarto de hora.
Sua expectativa nervosa, o calor, a voz lenta, mas persistente do homem, tudo se combinou para inclinar Thurstan a dormir, e ele sentiu-se à beira de abraçar essa tentação quando um embrulho alto e persistente o acordou.
“Desculpe”, disseram os livreiros. “Com licença?”
Thurstan ouviu um breve xingamento, a porta sendo destrancada e algumas palavras da conversa apressada que se seguiu. Ele estava olhando fixamente para o cristal quando o livreiro retornou sozinho. Perto dali, o relógio escondido marcava a passagem de meia hora.
O velho não sorriu, mas olhou nervosamente para o chão enquanto dizia: “Preciso ir. Um compromisso, entende? Espero que não se ofenda, não é?”
“Não, claro que não”.
“Talvez…”, mas ergueu os olhos e os baixou novamente antes de conduzir Thurstan em direção à porta. Viu Thurstan olhar novamente para o retrato da mulher, mas fingiu não notar.
“Bem, adeus”, disse Thurstan, perplexo com a mudança repentina na aura do homem.
“Foi um prazer conhecê-lo, Sr. Jebb.”
Thurstan estendeu a mão, mas o livreiro se afastou arrastando os pés, deixando Thurstan tropeçando no degrau externo e fechando a porta desajeitadamente. Ele estava quase chegando ao Parque Quarry, onde um sol quente lançava sombras frescas de árvores sobre a grama, quando percebeu que não havia dito seu nome ao homem. Mas essa estranheza não o preocupou por muito tempo enquanto caminhava até o rio para sentar-se em um banco, tentando se lembrar do que o livreiro havia dito.
Era sobre aparições, mas não em geral, nem sobre o fantasma que Thurstan vira, e enquanto observava o rio fluir silenciosamente, sentiu a tristeza retornar. Nunca a encontraria. Nunca seria capaz de compartilhar seus sonhos, visões e amor. Ele se esforçou para desejar voltar no tempo – 50 anos antes. Caminharia até a casa dela e esperaria. Não se importaria quanto tempo esperasse. Mas estaria pronto e, de alguma forma, a salvaria.
Era fantasia infantil e ele sabia que era, mas ainda assim precisava se controlar para conter as lágrimas. “Há tanta coisa que eu não entendo”, disse para si mesmo em voz alta, e uma jovem, elegantemente vestida, afastou-se dele, temerosa, ao passar por seu banco.
Seu cansaço retornou lentamente, trazido pelo sol e pela tristeza, e ele fechou os olhos para dormir brevemente. Nenhum som o acordou do sonho com a esposa — apenas um aroma agradável, próximo. Uma mulher estava sentada ao seu lado no banco e, por quase um minuto, ele temeu olhá-la. Mas então ela pareceu prestes a sair e ele se virou, desesperado.
Seu cabelo escuro estava cortado graciosamente, caindo logo acima dos ombros, e ela usava um colar de âmbar polido.
“Você costuma ficar boquiaberto assim com uma mulher estranha?”, disse ela enquanto ele permanecia sentado, boquiaberto e incrédulo. Apenas a cor do cabelo e a maneira de se vestir eram diferentes.
“Eu…”, então: “Desculpe, mas você é tão linda”, disse ele sem pensar enquanto soltava o ar.
Ela sorriu, mas se levantou para ir embora.
“Por favor…”, Thurstan ficou ao lado dela, sem conseguir se controlar, e segurou seu braço enquanto ela se virava.
Ela estava viva, e em sua alegria com isso, ele esqueceu o medo da reação dela. Mas apenas por um instante. Ele puxou a mão bruscamente.
“Sim?”
Ele se esforçou para encontrar palavras que fizessem sentido, mas seus pensamentos se moviam rapidamente, água transbordando a represa do medo.
Ela o salvou desse turbilhão. “Você pode me convidar para tomar um chá com você no café da esquina.”
“O quê? Sim, claro.”
Ele caminhou ao lado dela, desajeitado e corado, por muitos metros antes que ela falasse novamente.
“Você é um homem interessante.”
“Você mora em Shrewsbury?”, ele conseguiu dizer.
“Perto.”
“Você costuma caminhar por aqui?” A banalidade de suas perguntas o magoava — mas ela o consideraria tolo ou louco se ele transformasse seu caos de sentimentos em palavras. E não queria perdê-la.
“Às vezes.”
Foi uma sensação estranha para Thurstan caminhar ao lado da bela mulher. Seria ela uma visão enviada para assombrá-lo — ou seu sonho seria o fantasma de ontem? Mas ele sabia que ela era real, pois parecia saber que ela estava interessada nele. Nele, Thurstan Jebb. Talvez ela estivesse intrigada. Seria algo em seus olhos, ele se perguntou, que o denunciava? Por muito tempo, ele acreditara ser diferente — um místico talvez, que sentia e via mais do que os outros. Esse conhecimento secreto lhe dava segurança na aridez exterior de sua vida, enquanto ele se esforçava para sobreviver como jardineiro, satisfeito por ter esquecido seu passado.
“Você é um homem interessante”, ele ouviu em sua cabeça como um eco, e sorriu.
“Posso saber seu nome?”, disse ele, sentindo a boca secar.
Ela se virou e sorriu. “Melanie.”
“Melanie”, repetiu ele, como um tolo.
“Sim. Acredito que venha do grego para preto.”
“Daí o seu vestido preto.”
“Na verdade, não. Acho que a cor combina comigo, e você?”
Inesperadamente, ela se virou, rindo.
“Acho que a maioria das cores combinaria com você.” Ela sorriu para ele novamente e Thurstan teve vontade de abraçá-la – mais por desejo sexual do que por qualquer sentimento mais nobre. Esse desejo repentino o surpreendeu com sua intensidade e ele começou a tremer. Parecia-lhe natural que estivesse caminhando com ela, pois ela não era como uma estranha para ele. Ele queria segurar a mão dela enquanto se afastavam do rio, subindo por uma rua estreita até onde um café quase vazio, reformado, aguardava ao lado das janelas e portas fechadas com tábuas de uma outrora famosa pousada. “Barrick Passage”, dizia a placa da rua.
Eles ficaram em silêncio por um longo tempo enquanto o chá Darjeeling esfriava. “Eu não”, disse Thurstan, corando, “faço disso um hábito.”
“O quê? Tomar chá em uma tarde quente”, ela provocou.
“Não – quero dizer, convidar mulheres estranhas…”
“Então eu sou estranha?”
“Desculpe, eu não queria…”
“Não se preocupe”, Melanie riu. “De qualquer forma, eu convidei você!”
O sorriso dela fez o desejo de Thurstan retornar. Ela parecia estar esperando – expectante. Havia calor em seus olhos, em seu sorriso, até mesmo na maneira como ela inclinava o corpo levemente em direção a ele. Seu vestido enfatizava seus seios, assim como seu colar enfatizava seus olhos verdes, e Thurstan avidamente sugou sua beleza através dos olhos enquanto sugava seu perfume pelo nariz. Sua pele era bronzeada e ele achou impossível avaliar sua idade. Ele queria contar a ela sobre o fantasma que vira — sobre seus sonhos, esperanças e visões sobre a vida. Mas tudo o que fez, com os membros trêmulos e o coração apertado, foi estender a mão sobre a mesa e segurar a dela.
Ela não se encolheu nem se afastou como parte dele esperava, mas acariciou lentamente o dorso da mão dele com o polegar. Ele estava exultante com o sucesso e fechou os olhos, encantado.
“Você está tremendo”, disse ela, gentilmente.
Lentamente, ele balançou a cabeça. “Não acredito nisso. Há tantas coisas que eu quero dizer.”
“Não diga. Vamos apenas aproveitar este momento.”
“Você é tão linda.” Ele estendeu a mão e acariciou o rosto dela com os dedos.
“Você me acompanha até o meu carro?”
Atordoado, ele a seguiu para fora do prédio para caminhar ao seu lado. Ela não pareceu se importar quando ele segurou sua mão.
Vários homens se viraram para encará-la enquanto desciam a ladeira ladeira abaixo, repleta de lojas, de Wyle Cop para atravessar a rua movimentada. Thurstan estava alheio a tudo.
O luxo do carro dela o surpreendeu, e ele ficou parado ao lado dele sob um sol escaldante, sem palavras, envergonhado e se sentindo perdido. Só os ricos podiam comprar um carro assim.
“Você parece surpreso”, disse ela, soltando a mão para encontrar as chaves no bolso do vestido.
A caminhada lenta, porém curta, desde o café havia perturbado Thurstan, pois a magia do momento que haviam compartilhado parecia estar se dissipando para outro mundo, e ele começou a se convencer de que estava enganado. Não haveria mais nada – exceto talvez a possibilidade futura de ele tentar, de alguma forma, recapturar dolorosamente aqueles momentos: atraí-la para a realização do desejo. Mas tudo o que ela fez foi segurar a porta do passageiro do carro aberta para ele, dizendo: “Vamos”. E, obediente, ele sentou-se ao lado dela, enquanto o caos voltava à sua cabeça.
Habilmente, ela dirigiu pelas ruas para pegar uma estrada a oeste da cidade, enquanto Thurstan observava e esperava, tão cheio de expectativa que não conseguia falar. Ela se virou para sorrir várias vezes enquanto quilômetros incontáveis se estendiam atrás deles e um forte sol de verão coloria o céu de um azul profundo, ele percebeu seu desejo aumentando. Ele sabia que ela sentia isso e dirigiu mais rápido, como se estivesse intoxicado tanto pela potência do carro quanto por seus sentimentos por ela. A estrada subia continuamente por pequenas vilas, passando por chalés e casas, para fazer curvas e retornos entre os rochedos Stiperstone e as colinas crescentes que se tornaram o País de Gales, subindo de um vale arborizado até os pântanos desolados onde se encontravam minas abandonadas.
Melanie deixou a estrada principal que descia lentamente entre as colinas de Corndon e Black Rhadley para seguir uma estrada baixa cercada por sebes sobre a fronteira com o País de Gales. A estrada subia e descia para se erguer novamente entre campos desgastados por séculos apenas por ovelhas e algumas árvores esparsas. Então, de repente, Melanie parou.
Thurstan sentiu a raiva dela antes de vê-la em seus olhos. Ela o encarava, mas ele apenas sorriu. Por um momento, ela não pareceu exatamente humana e, quando ele estendeu a mão para ela, ela a afastou bruscamente.
Ele ficou perplexo com essa mudança nela, em vez de com medo, e sentou-se, esperando em silêncio e sorrindo. Quando ela desviou o olhar, ele disse: “Posso voltar andando, se quiser.”
Ela não se virou. “Talvez seja melhor.”
“Desculpe-me se te chateei de alguma forma. Eu pensei…”
“Eu sei o que você pensou!”, disse ela, com raiva.
“Não — não só isso.” Ele fechou os olhos para enxergar a fugaz impressão de seus sonhos. Os dias, horas, minutos compartilhados: os momentos de proximidade intuitiva — compartilhando um pôr do sol, um dia nevado na primavera, risos, lágrimas e alegria física. O olhar, o toque, a sensação de amantes.
Thurstan não queria perder seus sonhos. “Você é uma mulher rara, preciosa e linda. Há algo em você — eu não sei o que é.” Ele sentia tanto amor dentro de si que queria compartilhar e, portanto, suas palavras não podiam ser contidas. “Senti algo em você quando nos sentamos à beira do rio. Me chame de louca — ou de tola, ou ambos. Eu não me importo. Você também sentiu, eu sei.”
Ainda irritada, ela disse: “O que você sentiu então?”
“Então talvez você seja o meu Destino.” Gentilmente, ele acariciou o rosto dela.
“Seus sonhos não são reais.”
“Serão se eu os tornar reais.” Ele suspirou e olhou pela janela. Um corvo voava por perto, mas não lhe interessava. “Talvez tenha sido a deusa que vi em você, não sei. Certamente fiz papel de boba desta vez, não é?”
“Você me interessa”, disse ela, já sem raiva.
“E você me deixa perplexo.” Como ele sentia que deveria ser honesto, acrescentou: “E você desperta meu desejo. Mas você sabe disso. Assim como sabe que, basicamente, sou apenas um tolo romântico com um enfeite de cabeça cheio de sonhos.”
“Você não sabe nada sobre mim.”
“Sempre achei o início de um relacionamento difícil. Os passos hesitantes, o desenrolar gradual de vidas. Sempre pareceu um desperdício – há tantas coisas mais importantes. E não estou falando do aspecto físico também. Eu sempre me jogo de cabeça – péssima escolha de expressão – na grande paixão todas as vezes. Parece que nunca aprendo também.
“Então, não é importante que você me conheça. Eu sinto coisas sobre você. Vejo sua beleza, sinto seu perfume e fico inebriado. Você oferece a escolha da existência, significado, felicidade, tristezas, lágrimas. Sempre que quiser. Não importa – estou vivo novamente! Vivendo de verdade. Cheio de energia, expectativa. Você é música, poesia, dança – até religião.”
Ele riu. “Agora você sabe que eu sou louco!”
Lentamente, ela dirigiu até onde uma casa de campo com o telhado afundado e paredes decadentes crescia à beira da estrada, protegida das ovelhas por um pequeno jardim onde um trator enferrujado e desmembrado jazia morto. Incongruentemente ao lado, havia um carro novo, irradiando um sol brilhante. Melanie parou e entrou na casa sem bater na porta com a tinta descascada. Menos de um minuto depois, ela retornou.
“Preciso vê-lo novamente”, disse ela, ligando o carro. “Agora tenho outros assuntos para resolver. Joel”, indicou os homens que saíram da casa, “levará você de volta.”
Thurstan pareceu perplexo, então ela disse: “Não se preocupe”, e tocou seu rosto. “Você não se enganou. Encontre-me amanhã às nove da noite, onde nos encontramos hoje. Você pode fazer isso?”
“Claro!”
“Ótimo. Agora preciso ir.”
Para a surpresa de Thurstan, ela se inclinou e o beijou nos lábios. Então ele estava fora do ventre metálico do carro. Ela não acenou, mas partiu rapidamente, deixando-o parado ao lado do homem feio com um sorriso de louco.
Sobre a casa, um corvo voou para protegê-lo brevemente do sol.
CAPÍTULO III
Eles a esperavam no pequeno bosque perto do círculo de pedras antigas. Algar, Mestre de seu Templo, sorriu ao vê-la caminhar sozinha em direção a eles.
“Então”, disse ele, “ele não seria o nosso escolhido.” À luz do bosque, suas feições escuras e magras eram sinistras.
“Haverá outros momentos.” Melanie não aceitou o manto, oferecendo-lhe-o. “Amanhã, quando escurecer, nos reuniremos aqui novamente.”
“Para o sacrifício?”, perguntou Algar.
“Talvez.” Ela se dirigiu diretamente aos seus seguidores. “Vão agora. E amanhã festejaremos e nos alegraremos!”
Ela não esperou, mas voltou pela trilha em direção ao carro. Quase subserviente, Algar caminhou ao lado dela.
“Mas ele foi receptivo?”, perguntou ele.
“Sim.”
“Você fica particularmente atraente com esse vestido, se me permite dizer.” Então, vendo sua indiferença, ele disse: “Você o atrairá amanhã?”
“Ele pode não ser adequado.”
“Ah? Por que seria então?”
Melanie parou e o encarou, e ele se encolheu visivelmente. “O que você quer dizer?”
“Eu não quis dizer nada”, disse ele, com sinceridade. Mas a raiva dela despertou suspeitas.
“O novo candidato?”
Algar sorriu. “Ele se recuperou bem. Gostaria de vê-la, em particular, é claro.”
“Claro. Hoje à noite?”
“Eu posso providenciar isso, se você quiser.”
“Arranjar!”
O calor úmido da noite a incomodava enquanto esperava, e quando ele finalmente chegou, trazido da escuridão do lado de fora de sua casa por Algar, ela estava impaciente para começar. Algar pegou o dinheiro do homem antes de levá-lo para o Templo iluminado por velas, onde o despiu e o amarrou à estrutura.
Mas as chicotadas frenéticas do homem gordo de olhos esbugalhados e pele pálida não lhe trouxeram a alegria do prazer que ela esperava – apenas um ódio que rapidamente passou enquanto o homem gemia e suspirava, extraindo seu próprio prazer sombrio da dor. Havia pouco sangue nas costas e nádegas do homem, e Algar, olhando de soslaio nas sombras, ficou surpreso quando ela parou. O homem amarrado se virou para olhá-la, seus olhos implorando pelo prazer que a dor e o domínio dela lhe traziam. Ele podia ver seus seios claramente através do fino manto manchado de suor, mas suas mãos estavam presas por tiras de couro à fria estrutura de alumínio e ele não podia tocá-las como desejava.
Havia um desejo estranho dentro de Melanie que a horrorizava. Ela tentou destruí-lo cumprindo seu papel de rainha do chicote satânico e se rendendo novamente à alegria que sentia em dominar e rebaixar os homens que desprezava. Mas não funcionou, e as chicotadas que ela dava tornaram-se mais suaves até cessarem completamente. Desgostosa consigo mesma, ela jogou o chicote de couro sobre o altar para que Algar se despisse e se entregasse ao prazer egoísta do homem que ele desamarrou e empurrou rudemente para o chão.
Seu mergulho na água morna da piscina acalmou um pouco seus sentimentos, permitindo que ela planejasse a melhor forma de Algar matar o sacrifício escolhido. Ela, e somente ela, ousaria chamar os Deuses Sombrios de volta à Terra. O escolhido seria fácil de atrair para seu círculo sagrado de pedras, assim como ele fora fácil de capturar, e quanto mais ela pensava no feito que viria, mais o prazer antecipado encobria e obscurecia suas lembranças dos sonhos gentis dele.
Ela era Melanie, Senhora da Terra no Templo das Trevas: governante de um coven de cinquenta pessoas. Nenhum homem moldaria seus sentimentos. Durante anos, ela conspirou, enganou, manipulou e mentiu, construindo sobre os alicerces de sua beleza e sexualidade a riqueza e o poder que almejava quando menina. Ela tinha quinze anos quando seus pais morreram na queda do avião em que viajavam. Um professor fez amizade com ela e não demorou muito para que ela percebesse o poder que sua inocência e beleza lhe conferiam. Ele foi sua primeira vítima, mas ela logo se cansou dele e de seus pequenos presentes e buscou presas mais ricas. Mas ela desprezava todos eles, aqueles homens que a cobiçavam – eles venderiam suas almas, e a maioria já o fizera, pelo breve prazer que ela às vezes permitia que encontrassem em seu corpo. Thurstan não seria exceção.
Seria bom, ela sentiu, sacrificá-lo no momento em que ele realizasse seu desejo. Esse pensamento a agradou e ela nadou lentamente, permitindo que o esforço físico e o calor de toda a água a excitassem suavemente.
Algar observou as luzes traseiras do carro do homem se apagarem na longa entrada da casa antes de fechar a porta. Melanie estava lá em cima, dormindo, e ele não se esgueirou, mas caminhou corajosamente pelo corredor até seu Templo secreto. Era um pequeno cômodo, sem janelas e escuro, contendo apenas uma cadeira e um pedestal de madeira sobre o qual se erguia um grande tetraedro de quartzo.
Uma luz difusa, de tom avermelhado, foi lançada para cima a partir do piso opaco e, por muitos minutos, Algar permaneceu sentado na cadeira, em meio ao ar quente e perfumado. Ele se sentia poderoso, sentado ali em vez de ajoelhado no chão, enquanto ela sorria e moldava seus pensamentos no cristal para se tornarem as correntes que o prendiam.
“Com um olhar ou um sorriso”, lembrou-se de que ela havia dito, “eu posso matá-lo!”. Ele não duvidava. Três anos antes, ela havia roubado seu poder.
Por dez anos, ele seguiu o caminho de seu Príncipe, conquistando aliados e poder. Mesmo quando menino, ele seguiu alguns desses caminhos, mas seus professores e superiores confundiram seu ódio com sofismas intelectuais, sua sombria vida interior com espiritualidade e sua ambição implacável por dons espirituais. O mundo da escola monástica era tudo o que ele sempre conhecera ou desejara, e era natural que o levasse a um noviciado e à Ordem de seus professores.
Por um ano, e apenas um ano, ele tentou seguir o caminho deles até que Bruno, o noviço mais velho, certa noite os seduziu enquanto jazia em sua fria cela monástica.
Por semanas depois disso, ele orou ao Príncipe: “Pai nosso, que estavas no céu, santificado seja o teu nome assim na Terra como no céu. Conceda-nos hoje o nosso desejo e livra-nos do mal e da tentação, pois somos o teu reino por eras e eras. Príncipe das Trevas, ouça-me.”
Bruno morreu logo depois, durante o sono, com uma expressão de puro terror no rosto. “Ataque cardíaco”, dissera um médico, mas Algar sabia que sua humilhação havia sido vingada.
Ele era um padre, sua vida sombria oculta e uma fonte de satisfação, quando a conheceu. Era uma manhã fria de primavera e ela estava do lado de fora de sua pequena igreja, radiantemente bela à luz do sol. “Vim”, disse ela, “para pedir que você celebre uma missa por nós”. Ela estendeu a mão esquerda e ele viu o estranho símbolo em seu anel. Obediente, ajoelhou-se para beijá-la. “Como você sabia?”, perguntou ele. Ela sorriu, não gentilmente, apesar de sua beleza. “Eu o vi à noite rezando para o nosso Príncipe.”
O cristal a guiara. Naquela mesma noite, ele presidiu como padre uma Missa Negra e, depois, com apenas sua serva Lois permanecendo em sua grande casa, ela uniu a vontade dele à sua. Ele estava de pé ao lado do cristal quando Lois o despiu e ofereceu seu corpo. Então Melanie, a bruxa das trevas, riu, mas a raiva repentina dele não foi páreo para o poder dela, e ela o encarou antes de prendê-lo com uma maldição.
Seus olhos pareceram sugar a vontade dele e ela desenrolou uma conta de âmbar das muitas que usava no pescoço. “Nesta conta eu te prendo pelo poder do nosso Príncipe! Binan ath ga wath am!”, ela entoou. “Nythra!…” Ele observou em silêncio e paralisado enquanto ela contava as cinquenta contas que usava no pescoço. O cristal dava poder e ampliava seus pensamentos, e quando ela o soltou, ele o encarou por vários minutos. Mas era inútil – ele não podia fazer nada com ele e calmamente se deixou levar por Lois até seu quarto. E quando acordou, exausto e se sentindo velho, havia um belo rapaz, esperando nu, ao lado de sua cama. “Eu sou o presente dela”, dissera o homem em crescimento…
Algar suspirou ao se lembrar. Mesmo depois de três anos, ele não sabia o segredo do cristal dela, mas conhecia a organização satânica que ela havia criado para manter seu poder e riqueza, e enquanto caminhava do templo dela para encontrar um telefone, ele sorria.
“Rathbone?”, disse ele ao telefone. “Aqui é Algar. Acredito que você nos deve um favor… Tenho um trabalho para você.”
No andar de cima, sem que ela nem seu Sumo Sacerdote soubessem, Melanie estava acordada e o observava pela tela do monitor de seu sistema de vigilância discretamente instalado.
CAPÍTULO IV
Thurstan chegou cedo. Era uma noite úmida e ele estava sentado à beira do rio, apreciando o crepúsculo. As roupas novas que comprara para a ocasião o deixavam constrangido e, a cada poucos minutos, olhava ao redor. Mas as poucas pessoas que passavam por ali não o notavam – ou fingiam não notar – e ele ficava ensaiando mentalmente o que diria a Melanie quando se encontrassem.
Não foi uma decisão repentina, mas o planejamento da noite anterior, que fez Melanie observá-lo silenciosamente à distância. Ela não observou por muito tempo.
A escuridão se abateu sobre a colina enquanto, em silêncio, os fiéis se preparavam, guiados apenas pela luz difusa das velas em suas lanternas vermelhas. Cuidadosamente, Algar colocou a faca do sacrifício sobre o pano trançado dentro do círculo de pedras. As tiras eram fortes e prenderiam a vítima enquanto o pano absorveria o sangue. Satisfeito, ele sussurrou ordens.
“Ela está aqui!” Lois disse ao ver o sinal de um dos homens que guardavam a trilha que levava às pedras.
Houve um suspiro vindo de treze gargantas e então a dança lenta e o canto começaram.
“Suscipe Satanas munus quod tibi offerimus…” Logo o chiado se tornou como o som de mil demônios tagarelando enquanto se erguiam alegremente das profundezas do Inferno. No centro, Algar esperava com seu ajudante musculoso para amarrar os braços e as pernas da vítima.
Então Melanie estava diante dele. Uma conta de seu colar de âmbar pareceu a Algar brilhar, pulsando no ritmo de seu coração. Ele estava ficando hipnotizado com isso quando lhe ocorreu que Melanie estava sozinha.
Antes que pudesse se mover, foi segurado por trás. Sentiu correias sendo amarradas em seus pulsos e ouviu Melanie sussurrar zombeteiramente em seu ouvido: “Temos nosso sacrifício!”
“Não! Não!”, gritou ele. Mas ela estava rindo quando alguém lhe entregou a faca.
Ao redor deles, o canto sibilante se aproximava do clímax, os dançarinos momentaneamente capturados pelo brilho vermelho das velas.
Com uma súbita explosão de energia, Algar gritou. “Jebb morre se eu fizer isso!”, mas uma mordaça o silenciou.
Melanie segurou a faca afiada em sua garganta antes de soltar a mordaça. “Diga-me o que você quer dizer!”, exigiu ela.
“Ele morre se eu não voltar”, disse Algar, hesitante.
“É mesmo?”
“Rathbone deve…”
Melanie bateu palmas duas vezes e, da escuridão ao redor da pista, um homem surgiu no círculo tênue de luz. Alguém segurava uma lanterna perto de seu rosto.
“Eu não tive escolha”, disse Rathbone, seu rosto, como o de uma doninha, se contraindo.
Então Algar estava de joelhos, chorando. “Me poupe, me poupe!”, implorou ele.
“E se eu fizer isso?”, exigiu Melanie.
“Eu sempre serei seu escravo.”
Três vezes Melanie bateu palmas em sinal para que os dançarinos se reunissem. “Vejam”, disse ela, “todos vocês que habitam meu templo. Aqui está Algar, o Sumo Sacerdote que pensava conhecer meu segredo, admirado e invejado por sua fortuna por todos vocês. Vejam agora como ele implora diante de mim! Devo poupá-lo?”
“Matem-no! Matem-no!” exigiram.
Melanie riu. Algar foi posto de pé. “Por um ano, pouparei sua vida.”
Os dançarinos, como se tivessem recebido um sinal silencioso, dispersaram-se para retornar à dança. “Agora”, sussurrou ela para Algar, “vocês verão meu poder – trazido sem a dádiva de sangue!”
Ela não falou nem se moveu, mas lentamente ergueu as mãos enquanto, a muitos quilômetros de distância, o cristal dentro de seu templo secreto começava a brilhar. “Atazoth! Atazoth!”, sibilaram os dançarinos. O céu acima e ao redor deles estava claro, salpicado de estrelas, mas uma escuridão irregular cobriu parte do céu enquanto um fedor pútrido enchia o ar e um círculo de frio envolvia os fiéis. Ninguém se moveu, então, nem cantou ou falou, mas todos olhavam para o céu. A escuridão cresceu lentamente antes de se retrair em uma esfera que se estendia pelo céu. E então desapareceu.
“Amanhã”, disse Melanie, “vocês verão o caos que causei. Agora festejem, alegrem-se e desfrutem do prazer que quiserem!”
Ao redor dela, a orgia começou quando ela desatou as mãos de Algar e o conduziu da festa em direção ao seu carro.
“Há muita coisa que vocês não sabem”, disse ela enquanto dirigia em direção à sua casa.
Algar não falou durante a viagem e se esgueirou como um homem destruído para seu quarto ao chegarem, enquanto Melanie o observava em um monitor. Mas não demorou muito para que ela começasse a pensar em Thurstan. Ela o procurara enquanto o observava sentado à beira do rio e, mesmo que a traição de Algar não tivesse alterado seus planos, ela sabia que não poderia tê-lo machucado.
Ela até perdera a sede pelo sangue de Algar e o deixara viver. Em algum lugar, ao redor do mundo, o poder sombrio que ela havia libertado estaria causando desastre e morte. Era um pequeno começo, o prelúdio para a abertura do Portal Estelar que traria seus Deuses Sombrios de volta à Terra. Mas não era gratificante, e ela pensava que poderia ser.
Inquieta, ela desceu ao seu templo. O calor da luz suave, o perfume, mas acima de tudo, o cristal, trouxeram-lhe segurança sobre seu poder e papel, e ela se esqueceu de Thurstan e da crescente dicotomia que ele estava causando em sua mente. Talvez seus Deuses Sombrios a tivessem guiado até o cristal – ela não sabia. Mas apenas quatro anos antes ela o encontrara, em um Templo Satânico que visitara. O grupo não a impressionara, mas o Sumo Sacerdote era fácil de manipular e lhe dera o cristal de presente. Somente quando o tocou pela primeira vez, ela descobriu seu poder.
O Sumo Sacerdote foi a primeira pessoa cuja alma ela prendeu nas contas em volta do pescoço. Ele ainda lhe trazia dinheiro de seus planos e, às vezes, um novo membro. Ela se contentava em deixá-lo desfrutar de seu pequeno poder, sabendo que bastava invocá-lo para que ele caísse prostrado a seus pés. E quando seus planos falhassem ou ele deixasse de ser útil, ela removeria sua conta e a moeria até virar pó, pois então ele certamente morreria.
Por semanas após o presente do cristal, ela se isolou na pequena casa que então dividia com Lois. O cristal trazia conhecimento, e ela aprendera a usá-lo para viajar entre as dimensões ocultas onde os Deuses Sombrios dormiam, esperando que alguém quebrasse o selo que os prendia ao sono.
Ela aprendeu sobre o passado da Terra, sobre como os Deuses Sombrios vieram trazendo terror e muitas coisas estranhas. Sobre como seu Príncipe era o Guardião deles, tendo a Terra como seu domínio. Seu Príncipe metamorfo era seu guia para o Abismo além, e ela o explorava sem medo, tremor ou pavor. Ela estaria pronta, sabia, quando as estrelas estivessem alinhadas corretamente, para invocar e convocar os Deuses Sombrios do sono.
Seu templo, os homens que ela mantinha cativos em suas contas, eram apenas um meio para esse chamado, pois o cristal era a chave para o Portal Estelar. Ela, e somente ela, entre todos aqueles que ao longo dos séculos tentaram trazer os terrores sombrios à tona, teria sucesso – disso ela tinha certeza.
Assim, ela se entregava aos seus jogos de poder e alegria, sentindo-se igual aos deuses. Havia poucos crimes que ela não havia sancionado ou enviado homens, em sua luxúria, a cometer, poucos prazeres que ela não havia desfrutado. No entanto, ela não se deixava levar pelo prazer ou pelo poder, e mantinha seu império pequeno, suficiente para suas necessidades, e a si mesma anônima. Muitas pequenas firmas chefiadas por homens humildes, um ou dois bordéis, vários templos nas cidades distantes – tais eram os dons de seu Príncipe, e ela cuidava de todos eles, como uma mulher sábia deveria.
Lentamente, e novamente contente, ela partiu para o templo para subir as escadas até sua cama.
Algar esperou, pacientemente, até ter certeza de que ela estava dormindo e bateu, não muito alto, na porta de Lois. Ela havia retornado sozinha, como ele sabia que deveria, e não se surpreendeu ao vê-lo.
“Sim!”, ela perguntou e sorriu, encostando-se no batente da porta. Às vezes, Algar gostava de conversar com ela, como um servo para outro.
Algar não sorriu nem falou, mas avançou em sua direção para apunhalá-la na garganta. Ela murmurou, olhando incrédula, e cambaleou de volta para a cama. Não satisfeito, ele a seguiu e a apunhalou no coração. A beleza que havia agradado Melanie não a agradaria mais e, sorrindo ao pensar nisso,
Algar limpou o cabo da faca no lençol de cetim. Logo, ele estava fugindo de casa sob as estrelas brilhantes e cintilantes da noite úmida.
Melanie acordou lentamente. Sentiu uma mudança na aura de sua casa e caminhou em direção à porta antes de perceber o que era. Estava sozinha. Mas não havia medo nela e ela vagou descalça e nua pelo longo corredor, assim como não sentiu choque ao entrar no quarto de Lois.
Foi então que ela se ajoelhou para fechar delicadamente os olhos de seu amante morto que a reação veio. Seu ódio frio por Algar por seu ato logo se dissipou, e no silêncio de sua casa, pela primeira vez em sua vida, ela começou a chorar.
Lá fora, um cão vadio e feroz uivava.
CAPÍTULO V
Algar ouviu o uivo enquanto corria pela estreita alameda para longe da casa e, aterrorizado, atravessou a cerca viva para correr mais rápido pelos campos. O cachorro, enviado pela força sombria da vontade de Melanie, sentiu seu cheiro e Algar correu, desesperado e cambaleante, em direção ao riacho do vale.
A casa ficava isolada em uma trilha abaixo da colina onde ficava o Anel Billings, os campos ao redor cobertos de ovelhas e acidentados, com vista para as encostas ao sul do Mynd, que desviavam as águas do Rio Onny para o sul e depois quase para o norte, até que uma rocha mais macia as alimentasse novamente para o leste. O som da água era claro em meio ao silêncio da noite, e Algar ficou parado ao lado do riacho, tentando acalmar sua respiração ofegante. As luzes de um carro na estrada acima, num campo distante, brilhavam irregularmente através da cerca viva alta, e Algar desceu sorrateiramente, temendo ser visto.
Mas seu medo do animal que o perseguia era maior e ele entrou no riacho para caminhar por vários metros e se esconder debaixo da ponte. Ele conseguia ouvir o cachorro, mas não conseguia vê-lo, e esperou, com frio e tremendo, por quase meia hora. A ponte estendia uma viela estreita, subindo da estrada do vale até um vilarejo com algumas casas. Não haveria segurança para ele ali, nas casas dos trabalhadores rurais, a menos de um quilômetro da casa de Melanie.
Por algum tempo, ele escutou atentamente e, sem ouvir nada, rastejou lentamente e assustado para longe do riacho. Estava na viela, quase no cruzamento com a estrada, quando o cão o atacou. Ele saltou, rosnando, para tentar cravar os dentes em sua garganta. Mas Algar protegeu o rosto com as mãos e o cachorro mordeu seu braço com força, derrubando-o. Mordeu-o novamente enquanto Algar lutava com ela no chão. Havia uma grande pedra perto de sua mão e Algar a usou para esmagar o crânio do cachorro. Em um frenesi, ele golpeou o cachorro até matá-lo. Mesmo assim, chutou-o várias vezes e jogou a pedra em seu rosto antes de cambalear até a estrada.
O primeiro carro que passou por ele não parou e quase o atropelou enquanto ele estava parado na rua, agitando os braços ensanguentados, mas o segundo, muito tempo depois, parou e Algar fingiu desmaiar. O motorista estava por perto quando Algar saltou para empurrar o homem antes de roubar seu carro.
A dor era excruciante, mas ele tentou ignorá-la, assim como a tontura que ameaçava dominá-lo. Ele tinha uma esperança, apenas uma, e dirigiu rapidamente em direção a Shrewsbury para buscar refúgio da maldição de Melanie. As ruas estavam vazias, as ruas da cidade desertas nas horas silenciosas antes do amanhecer, e ele abandonou o carro para caminhar os últimos quatrocentos metros até a igreja.
Nenhuma luz brilhou nas janelas do Presbitério até que suas batidas insistentes nas portas despertaram seu ocupante.
Cauteloso, mas sem medo, o velho padre abriu a porta.
“Ajude-me, Padre! Por favor, ajude-me!”, implorou Algar.
Ele não viu os morcegos que voavam silenciosamente para longe da igreja.
——-
Não havia escolha, como Melanie sabia. Os dois membros de seu Templo, despertados do sono, carregaram o corpo para a van. Melanie o limpou e banhou, usando seus próprios lençóis de cetim preto como mortalha, e permaneceu ao lado dele durante as horas que levaram para cavar a cova.
O amanhecer chegou, sem vento para quebrar o silêncio da floresta, mas suas belas cores não a interessaram enquanto ela permanecia, vestida de branco, no ar parado, observando os dois homens baixarem o corpo para a terra. Não havia orações para ela fazer, nenhum lamento para ela cantar – apenas um juramento silencioso para vingar a morte de sua amiga. A terra foi devolvida, a cobertura de grama e pequenos arbustos foi cuidadosamente recolocada, os restos de folhas e galhos quebrados espalhados novamente. Não havia sinal da cova e, satisfeita, Melanie permitiu que os homens retornassem para sua casa.
“Haverá presentes para vocês dois”, disse ela enquanto se curvavam levemente antes de se despedirem.
Lentamente, em seu Templo secreto, ela desenrolou a conta de Algar de seu colar. Não havia frenesi de raiva dentro dela, mas um desejo de que Algar sofresse uma morte lenta e dolorosa enquanto apertava a conta de âmbar várias vezes entre os dedos. Para sua surpresa, o cristal mostrou Algar contorcido de dor. No entanto, ela sabia que, mesmo que por algum motivo não pudesse vê-lo e, portanto, descobrir sua localização, ainda estava lhe causando dor, e enquanto dançava ao redor de seu cristal, aumentou a pressão na conta antes de parar para visualizar a hora e o local de sua morte, duas semanas depois, no centro de seu círculo de pedras.
Lenta e deliberadamente, ela cortou os fios que prendiam sua vida à Terra e, embora ainda vivo, ele ficou aprisionado em sua teia de morte. Não foi difícil para ela mover o pedestal sobre o qual o cristal se apoiava, pois já o fizera muitas vezes antes, e o mecanismo que instalara muitos anos antes não lhe falhou. O pedestal, a pedra sobre a qual ele repousava, moveram-se silenciosamente para o lado, revelando um poço escuro que se afundava profundamente na Terra. Ela não sorriu nem sentiu nada ao deixar a conta cair e se juntar aos restos humanos espalhados.
Os restos mortais eram obra da mulher sinistra que, nas semanas antes de sua morte, dera a casa a Melanie. “Eu esperei por você”, lembrou-se ela da velha senhora, “esperei como nosso Príncipe disse que eu deveria. Meu coven, meus livros e minha casa são seus.” Ela nunca mais falou, mas assinou seu nome em seu testamento, e Melanie foi deixada para descobrir os segredos da velha senhora no Livro Negro de operações que ela havia guardado. “Eu, Eulália, Sacerdotisa dos deuses esquecidos, descendente daqueles que mantiveram a fé, aqui apresento, para aquela que virá depois de mim, os segredos obscuros da minha arte…” O livro era o bem mais precioso de Melanie, depois do cristal e das contas. Foi o cristal que lhe mostrou a casa pela primeira vez.
Ela deixou o cristal guiá-la até lá novamente e sentou-se em sua cadeira enquanto o pedestal deslizava silenciosamente de volta ao lugar. A princípio, o tetraedro não mostrou nada, mas sua clareza interior gradualmente desapareceu, revelando o rosto de um homem. Thurstan estava em sua cabana, lendo, sentado curvado no amplo parapeito interno de uma janela, emoldurado pelo sol nascente. Ele olhou para cima brevemente e sorriu como se estivesse ciente de estar sendo observado. Para Melanie, parecia que ele a estava encarando. Então, ele desapareceu quando o cristal se dissipou.
O sorriso dele, aquele olhar gentil, a sensação de estar sendo observada a confundiram, e ela deixou o Templo para caminhar sob o sol quente no jardim murado nos fundos da casa. Não demorou muito para que ela retornasse ao seu cristal.
Ele não respondia aos seus comandos de pensamento. Não havia Thurstan para ela ver, nem mesmo uma vista externa de sua casa. Imagens tênues pareciam estar se formando, mas eram intrusivas – morcegos voando para longe de uma igreja à noite, um corvo arrancando o olho de um cachorro morto – e seu fracasso a enfureceu. Sua raiva foi o catalisador, transformando as imagens bruxuleantes em uma visão clara de Algar se contorcendo em agonia em uma cama. Acima dele, na parede, estava o símbolo do Nazareno. Ao lado da cama, um velho Sacerdote proferia palavras silenciosas enquanto lia um breviário de couro.
O riso de Melanie apagou todos os pensamentos sobre Thurstan de sua mente.
CAPÍTULO VI
“Exorcizamus te, omnis immunde spiritus, omnia Satanica potestas omnis incursio infernalis adversarii…”
O velho Sacerdote continuou sua prece de exorcismo enquanto Algar se contorcia de dor na cama. Mas então a dor diminuiu. Algar, no entanto, não atribuiu isso ao Sacerdote, mas à maldição de Melanie. Ela desejaria que ele morresse lentamente, e enquanto jazia sorrindo interiormente para as palhaçadas do velho que antes limpara e tratara os ferimentos causados pelo cão feroz, Algar pressentiu uma chance de vida.
Ela não surgiria do exorcismo, pois ele não acreditava na religião do Sacerdote, que uma vez e brevemente ele próprio abraçara interiormente. O velho fora gentil, ouvindo atentamente enquanto Algar lhe contava uma história composta principalmente de mentiras. Ele recebera santuário, roupas e assistência médica – que era tudo o que ele queria – e deixara o Sacerdote representar sua farsa. Sua chance de viver viria de suas próprias mãos, ao quebrar a maldição de Melanie. Para isso, ela própria teria que morrer, e ele começou a pensar em estratagemas para atraí-la para a morte.
Thurstan Jebb exercia algum fascínio sobre ela, ou algum potencial futuro que ela planejava, de alguma forma, explorar em seu próprio benefício, e embora ele não soubesse nem se importasse particularmente com qual, se alguma dessas opções estivesse correta, ele sabia o suficiente para perceber que Jebb poderia servir de isca. O plano que ele concebeu o agradou, trazendo um ressurgimento de parte do poder que ele sentira como Sumo Sacerdote, e ele permitiu que o velho terminasse suas orações antes de explicar que teria que ir embora.
Ele agradeceu ao Sacerdote pelo exorcismo, mentindo que foi eficaz e agradeceu ao homem por salvar sua vida. Ele até sugeriu que eles fossem à igreja para fazer uma oração de agradecimento. Algar, oferecendo seus ferimentos como desculpa para não se ajoelhar, sentou-se para recitar em voz alta em latim uma oração adequada. O Padre ficou impressionado, como Algar sabia que ficaria, e não recusou quando Algar pediu dinheiro.
“Só um pequeno empréstimo, Padre”, disse o Sumo Sacerdote mentiroso.
Algumas horas depois, ele estava em segurança em Leeds. A dor, que lhe acometeu durante a viagem de trem, não foi intensa nem prolongada.
Ray Vitek não ficou satisfeito em vê-lo, e isso transpareceu em seu rosto. Mas, em deferência à posição de Algar, pediu-lhe educadamente que entrasse na casa geminada decadente, ao longo das ruas inclinadas, entre o barulho do tráfego de Hyde Park Corner e a paz arborizada de Meanwood Ridge.
“Então”, disse Vitek, desconfiado, enquanto se sentavam entre os livros em uma sala cheia de mofo, “ela o enviou para pedir outro favor.” Nervosamente, com dedos finos, ele acariciou a barba pontuda.
“Um favor, sim. Mas não para ela.”
“Entendo. Então chegamos a esse ponto.”
“Você se juntará a mim — contra ela?”
“Anos atrás – esqueci exatamente quando foi – eu tive uma Sacerdotisa. Talvez você se lembre dela? Não, bem, eu era jovem naquela época, assim como você. Eu a amava. Linda era o nome dela. Então ela veio para seduzi-la. Ela morreu – em um bordel.”
“Então você vai ajudar?”
“Eu – uma vez apaixonado! Nunca mais amei ninguém nem nada.”
“Eu não sabia”, disse Algar, parecendo preocupado.
“Quem se importa – eu não me importo – não mais.” Então, com o humor mudando, ele acrescentou: “O que ela fez com você então?”
Algar tirou o casaco que o Sacerdote lhe dera e mostrou suas bandagens manchadas de sangue.
“E daí?”, disse Vitek. “Por que veio até mim?”
“Porque você tem amigos. Amigos desesperados que precisam de uma coisinha de vez em quando. O que eles fariam por um ano de suprimentos?”
“Ela te mataria antes que você fizesse qualquer coisa.”
Algar riu. Não foi agradável ouvir isso. “Ela não sabe sobre o meu… como direi… meu pequeno negócio paralelo!”
Vitek ficou surpreso, mas sua letargia logo retornou. “Então, o que posso fazer?”
“Seus amigos”, disse Algar — e sua imitação de gárgula lhe convinha — “guardarão um pouquinho de mim. Para atraí-la. Ela vem… e eles… como direi… a entretêm?”
A breve risada de Vitek foi interrompida por um espasmo de tosse. Ele cuspiu na lareira. Então, lembrando-se: “mas o poder dela…”
“Quando a levarem, lhe trarão o colar que ela usa. Você o trará para mim.”
“Mas eu me lembro…”
“O cristal? Sim, eu o quebrarei enquanto ela estiver fora e seu poder se perderá!”
“Um suprimento para um ano, você disse? Para todos eles?”
“Para todos eles!”
“Será feito como você deseja. Quando?”
“Amanhã!”
“Tão cedo?”
“Deve ser! Quando ela chegar, surpreenda-a. Pegue-a à força, arranque o colar! Sem ele, ela não tem poder. E quando seus amigos terminarem de brincar com ela —” ele deu de ombros — “uma overdose, talvez.”
“Quando você entrega?”
“Depois que a tarefa estiver cumprida.”
“Eu posso precisar de algo —”
“Para oferecer a eles? Claro! Você receberá, meu amigo! Hoje mesmo. Me dê duas horas.” Seu tormento recomeçava e, enquanto lutava para controlar a dor, o suor começou a escorrer por seu rosto. “Eu voltarei aqui.”
Ele não esperou, mas correu para fora, onde ficou sob um céu nublado enquanto seu corpo se contorcia de dor. “Eu vou te matar!”, repetiu. “Você terá uma morte horrível.”
Ele imaginou a morte que Melanie encontraria amanhã e, embora isso lhe trouxesse um pouco de satisfação, não fez nada para aliviar sua dor. Sentiu-se como se estivesse sendo esmagado. Então, tão repentinamente quanto antes, parou. Ele continuou caminhando em direção ao topo da estrada, temendo seu retorno.
Trabalhava astuta e rapidamente no anonimato da cidade enquanto nuvens de tempestade cobriam o céu e a umidade aumentava. Alguns telefonemas, um encontro com um homem cujo carro caro o levou pelas ruas movimentadas até um pequeno armazém à beira do rio. Promessas feitas, uma maleta entregue a ele, outra viagem de carro e ele estava entregando a Vitek os bens prometidos – pequenos pacotes contendo a morte branca.
Sua dor não retornou, mas o medo de que ela voltasse nunca o abandonou, tornando-se, durante a crescente escuridão das horas do dia, um demônio para assombrá-lo. Ele estava sempre dois passos atrás, esse demônio.
O submundo satânico não o decepcionou. Por dois anos, ele usara sua influência como Sumo Sacerdote de Melanie para tecer suas teias no templo do império que ela construíra. Dinheiro desviado, alguns pequenos esquemas próprios. Ele estivera esperando pela fraqueza dela e a encontrara. Em breve, o império dela seria dele.
Isso o agradou. Recebeu ajuda em nome dela, mas em poucos dias seria o nome dele que inspirava respeito. Ele já havia usado o nome dela antes e ela nunca soube. Ele o usou novamente, e um jovem o recolheu em um carro novo e o levou para a casa dela.
O demônio do pavor o seguiu. Várias vezes, enquanto raios caíam e trovões próximos ribombavam, ele temeu a traição de Vitek. “Você sabe como ela se sente em relação a isso”, dissera a Vitek enquanto entregava a morte branca. E os olhos fundos de Vitek se arregalaram. “Ela não gosta deles. Avise-a, Vitek, e não haverá mais.” As mãos finas e ávidas de Vitek indicavam que ele entendia. “Seus amigos, Vitek… eu teria que contar a eles, entende, se você me traísse.”
Seus medos cresceram como a escuridão que encerrava o dia, até que ele se tornou um louco fingindo ser são. Ele havia conseguido um revólver e o acariciava repetidamente.
Apted estava em sua loja, como Algar esperava que estivesse. Assim que Apted destrancou a porta, ele o empurrou.
“Está tudo bem com você?”, perguntou Apted alegremente.
Algar pressionou o cano do revólver contra uma bochecha flácida. “Me dê o endereço do Jebb!”
“Mas ela…”
“Me dê o endereço!” Ele aliviou o cão da arma com o polegar.
“Mas eu dei para o Rathbone.”
“Ele não me serve mais! O endereço!”
Apted o deu.
“Diga a ela, gordo, e eu cortarei a gordura de você, fatia por fatia! Entendeu? Ótimo! Ela está acabada!” Num gesto de desafio, ele cuspiu no retrato dela, pendurado na parede de Apted.
As tempestades, que o haviam seguido desde Leeds, caíram sobre a cidade para lavar o calor e a poeira, roubando, por alguns breves minutos, as luzes que mantinham a noite sob controle. Em algum lugar abaixo do trovão, uma criança gritou.
CAPÍTULO VII
A tempestade agradou Melanie e ela dançou nua em seu jardim enquanto a chuva lavava seu corpo, absorvendo a saúde da tempestade.
Ela estava lá dentro, permitindo que o ar quente de seu Templo secreto a secasse, quando ouviu o telefone tocar. A ligação foi breve e ela se vestiu lentamente antes de se despedir de sua casa.
Apted estava em um canto de sua loja, tagarelando, o telefone na mão, a porta aberta como Algar a havia deixado. Ela sorriu para ele e tocou sua testa com a mão. Logo, ele estava quase sorrindo.
“Eu precisava contar a ele. Sinto muito”, disse ele, e falava sério.
“Você está segura agora. Ele não pode te machucar. Acredita em mim?”
“Sim, minha princesa.” A felicidade retornou ao seu rosto.
“Jane ainda está sob seus cuidados?”
“Sim, sim! Mas ameaçaram tirá-la de mim.”
“Posso emprestá-la por alguns dias?”
“Ela é sua agora – um presente de um homem velho e grato.”
O breve beijo de Melanie o surpreendeu, mas quando ele abriu os olhos novamente, ela havia sumido.
O céu já estava limpo quando ela dirigiu pela estreita trilha que levava à casa de Thurstan, entre as colinas do sul de Shropshire, e, ao sair do carro para caminhar os poucos metros até a porta dele, morcegos a cercaram. Ela os cumprimentou, como uma rainha deveria, rindo enquanto abria a porta.
Thurstan havia sumido, como ela meio que esperava, e ela sentiu e cheirou os vestígios deixados por Algar. Havia um bilhete, preso à mesa por uma faca, e ela o leu sem emoção. “Venha sozinho”, dizia, indicando data, hora e local, “ou ele morrerá como Lois”. Exigia uma grande soma de dinheiro.
Ela queimou o bilhete na lareira antes de examinar a casa. Havia poucos livros, todos em grego. Homero, Ésquilo, Sófocles… Poucas roupas, móveis ou pertences. No quarto, encontrou uma pilha organizada de traduções, mas elas não a interessaram, pois a casa parecia conter poucas pistas sobre o próprio Thurstan. Era úmida, embora limpa, austera, mas repleta de lembranças. As lembranças, formas espectrais e sons, vazavam das paredes, do chão, das vigas que sustentavam o teto, para saudar Melanie. Suspiros, risos, a dor do parto, um velho morrendo em seu leito enquanto seu espírito vagava pelas colinas acima.
Dois séculos de vida, luta, amor e morte.
Mas, por mais atentamente que ouvisse, por mais imóvel que mantivesse o olhar, nem imagens nem sons do passado de Thurstan lhe chegavam através dos portões do tempo, e foi atrás da única pintura da casa que ela encontrou a resposta. Era uma bela pintura de uma bela mulher, curiosamente pendurada acima das janelas estreitas e compridas onde Melanie vira Thurstan sentado. Atrás dela, totalmente obscurecido, havia um nicho esculpido na pedra bruta que compunha as paredes. Continha um grande cristal de quartzo. Armazenada no cristal estava a vida de Thurstan, em imagens que só uma Senhora da Terra ou um Mago poderiam ver.
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A criança que Algar raptara perto da loja de Apted durante a tempestade jazia silenciosa e aterrorizada no carro enquanto o jovem dirigia pela noite, obediente às ordens de Algar por acreditar estar agindo em nome de Melanie.
O jovem não disse nada quando Algar lhe disse para parar e levou a criança para a escuridão das árvores à beira da estrada. Manteve-se em silêncio quando Algar voltou sozinho, abotoando o cinto da calça. Não disse nada enquanto esperava Thurstan atender às batidas que Algar dava à sua porta. Manteve-se em silêncio enquanto amarrava e amordaçava o homem para cuja cabeça Algar mirava o revólver. Não disse nada enquanto conduzia seu passageiro silencioso até a cidade de Leeds e as casas apodrecidas e destruídas que eram o destino de Algar. As sombras humanas que cercavam seu carro e arrastavam o homem amarrado o repeliam, e ele ficou feliz quando Algar lhe deu dinheiro e o dispensou.
Houve muitas risadas mudas e sibilações de alegria enquanto Thurstan era arrastado de cômodo em cômodo fedorento, cujos moradores jaziam inertes no chão ou encostados, apodrecendo, contra as paredes enquanto música alta tocava. Vitek estava amarrando Thurstan a uma cadeira em um quarto superior quando o demônio do medo de Algar saltou e cravou suas fileiras de dentes na carne de sua presa. Algar não gritou, mas se encolheu em um canto, com o corpo todo convulsionado. Thurstan estava sorrindo – ou Algar pareceu estar sorrindo para ele – e saltou para socar Thurstan várias vezes no rosto. Instantaneamente, seu tormento cessou. Então Thurstan piscou.
Furioso, Algar apontou o revólver para a cabeça, mas Vitek o acalmou e o levou embora, dizendo: “Ele é nossa isca, nosso dinheiro. Deixe-o.”
A luz do dia não trazia sol nem luz através das janelas fechadas com tábuas, e Algar dormia, estremecendo de pesadelos, no chão de um quarto supurado, onde três homens se revezavam copulando com uma jovem cansada e drogada demais para se importar. Mas a energia deles não durou muito e logo apenas Thurstan estava acordado, sonhando com a mulher que amara.
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Algumas nuvens cirros altas salpicavam o belo azul do céu enquanto Melanie dirigia lentamente sob o sol quente pelas ruas movimentadas de Leeds. Ela não se atrasou e estacionou o carro na rua estreita e cheia de escombros, com casas fechadas com tábuas. Dois homens de cabelos longos e oleosos, usando correntes no lugar do cinto, a observavam, exibindo dentes podres enquanto sorriam.
Balançando-se, caminharam em sua direção enquanto ela saía do carro. Atrás dela, outro homem emergiu do beco escuro ao lado de uma casa. Ele estava a poucos metros dela quando ela abriu a porta traseira do carro. Graciosamente, o leopardo saltou para a luz do sol.
Ela ficou encostada no carro enquanto o leopardo sentava-se ao seu lado. Respeitosamente e silenciosamente, os homens se afastaram. Então, um deles se moveu lentamente em sua direção, mas não falou nada, assim como ela, apenas abaixou a cabeça enquanto ela o encarava. Ele se afastou, então – e ouviu-se um grito quando ele, obediente à vontade dela, entrou na casa, seguido pelo som de vidro e madeira quebrando. Um grito. “Não se aproxime!” E um único tiro, abafado, mas ecoando.
Outro homem caminhou em sua direção e também abaixou a cabeça, um pouco, enquanto ela o encarava. “Mate-o!”, gritou uma voz como a de Algar, quando ele também entrou na casa.
O terceiro e último homem se adiantou para esperar com ela ao lado do carro. Por um longo tempo, silêncio – quebrado por um grito vindo de dentro da casa.
“Precisamos matá-la.”
Três homens carregando porretes e facas saíram da casa, mas o homem solitário não foi páreo para eles e logo foi espancado até a inconsciência. Triunfantes, os três se moveram com olhares de escárnio e de soslaio em direção a Melanie.
“Matem-na! Matem-na!”, gritou o demente Algar da segurança da casa.
“Vamos lá!”, riu um dos homens, “hipnotizem-me!”
“Ela está me fazendo tremer!”, zombou outro.
“Vamos despi-la, hein?”, riu o terceiro.
Melanie não viu, mas sentiu Algar mirar sua arma e olhou para as sombras na porta. Não houve tiro, apenas Algar xingando enquanto o revólver emperrava, enquanto o leopardo permanecia parado, mantendo os homens gritando à distância.
As obscenidades eram irrelevantes para Melanie, pois ela se contentava em esperar sob o calor do sol até que seus poderes mágicos retornassem. Seu controle sobre os três homens a enfraquecera um pouco, mas ela sabia que sua fraqueza não duraria. Talvez os homens zombeteiros sentissem sua fraqueza ou talvez Algar tivesse dito a eles para tentar drenar seu poder, mas não era importante e ela escondeu sua força para o ataque esperado de Algar.
Foi Vitek quem saiu correndo da casa, carregando um machado. Ele diminuiu o passo quando o poder dela o tocou, então parou e permaneceu inofensivo e silencioso. Mas sua aparição quebrou o feitiço que mantinha os outros à distância – eles correram em sua direção, uivando com a coragem de uma droga. O leopardo agarrou um, seu poder desacelerou outro, mas o terceiro não foi detido. A faca que ele carregava refletiu o sol e Melanie deu um passo gracioso para o lado para atacar o homem que se apressava enquanto ele passava, seu impulso o levando para dentro do carro. Ele saltou levemente, antes que o golpe dela em seu pescoço o fizesse cair inconsciente na estrada.
Sua absorção libertou Vitek, que fugiu para dentro da casa.
“Saia!” ela ordenou e o leopardo obedeceu, deixando o homem ileso para ajudar seu companheiro soluçante e ensanguentado a se afastar.
Atrás da casa, ela ouviu gritos e um carro sendo levado embora. Thurstan, Algar e Vitek haviam sumido, e quando ela passou por cima de corpos perto da porta, a casa explodiu em chamas. Ela quase podia ouvir Algar rindo.
CAPÍTULO VIII
O coven estava reunido, vestido com vestes carmesim, no grande Templo Satânico para homenagear Melanie como Senhora da Terra. Um homem jazia nu no altar, enquanto uma jovem de túnica branca beijava seu corpo à luz das velas, ao som insistente dos tambores.
Uma figura mascarada, vestida de preto, veio levantar o homem do altar e colocá-lo aos pés da Senhora da Terra, de túnica verde.
“O que desejas?”, perguntou a Senhora.
“É a proteção e o leite dos teus seios que procuro.” O Sacerdote nu estendeu os braços quando a Senhora desnudou os seios, mas ela o chutou para longe.
“Derramo meus beijos a teus pés e me ajoelho diante de ti, que esmagas teus inimigos e te lavas numa bacia cheia do sangue deles.” Ele encarou o corpo dela. “Ergo meus olhos para contemplar a beleza do teu corpo: tu que és a filha e o Portal dos nossos Deuses. Levanto minha voz para me colocar diante de ti, minha irmã, e me oferecer para que a semente do meu mago possa alimentar a tua carne virgem.”
“Beije-me”, ela provocou, “e eu o transformarei como uma águia para sua presa. Toque-me e eu o transformarei em uma espada poderosa que corta e mancha minha Terra com sangue. Prove-me e eu o transformarei em uma semente de milho, que cresce em direção ao sol e nunca morre. Are-me e plante-me com sua semente e eu o transformarei em um Portal que se abre para nossos Deuses!”
Lentamente, ela o conduziu até a Sacerdotisa, a quem beijou nos lábios e acariciou antes de remover seu manto branco.
“Leve-a”, disse ela ao Sacerdote, “pois ela sou eu e eu sou sua!”
Ao redor deles, o coven se reuniu, batendo palmas ao ritmo dos tambores enquanto a cópula ritual começava. E quando terminou e o Sacerdote jazia suado e imóvel sobre a Sacerdotisa, o Guardião mascarado do Templo veio erguê-lo e o forçou a se ajoelhar aos pés de sua Senhora.
“Então vocês semearam”, disse ela, “e da sua semeadura podem surgir dádivas, se forem obedientes, ouçam estas palavras que eu digo. Eu os conheço, meus filhos, vocês são sombrios, mas nenhum de vocês é tão sombrio ou mortal quanto eu. Eu os conheço e os pensamentos dentro de seus corações: mas nenhum de vocês é tão odioso ou tão amoroso quanto eu. Com um olhar, posso matá-los!”
O Guardião trouxe-lhe um grande cálice de prata, que ela ofereceu ao seu coven por sua vez. A Sacerdotisa foi a última a receber o presente de vinho, e a Senhora a beijou para que o vinho saísse de sua boca.
Ela jogou o restante do vinho sobre o Sacerdote, dizendo: “Nenhuma culpa os aprisionará, nenhum pensamento os restringirá aqui! Festejam e desfrutem do êxtase desta vida. Mas lembrem-se sempre: eu sou a escuridão que vive em suas almas!”
Ela não esperou que a orgia de luxúria começasse, mas foi embora. Nenhum som de folia satânica a alcançou enquanto ela se sentava em seu pequeno Templo, esperando. Mas o cristal não mostrava nada.
Por horas, Melanie permaneceu imóvel e sozinha. Não pensou nas chamas que a haviam engolido ontem e das quais escapara ilesa, nem em Algar, agora fugindo daqueles que buscavam a recompensa que ela oferecia por sua morte. O ritual a entediara, e ela não sentia falta do prazer que obtivera no passado ao ver um homem rastejando enquanto ela chicoteava sua carne nua. Em vez disso, pensou em Thurstan e em sua estranha vida que vira no cristal. Havia algo nesse Thurstan que a agradava e perturbava ao mesmo tempo, como se ele fosse alguém de um sonho do qual ela acabara de acordar e do qual não conseguia se lembrar direito. Queria esquecer o sonho e se concentrar nos prazeres de seu próprio mundo, mas estava sozinha. A intrusão de Thurstan em sua vida planejada e ordenada e a morte repentina de Lois se combinaram para se tornar um catalisador e mudar suas emoções. E foram seus sentimentos de solidão que a surpreenderam. Durante anos, ela governou seu coven e seu pequeno império por meio de seu carisma mágico, poder e do medo que inspirava. Ela podia ser charmosa, sutil, intrigante e brutal conforme o momento e a pessoa exigissem, sem nunca perder a fé em si mesma e em seu Destino. Por muito tempo, durante os anos de seu crescimento, ela se sentiu escolhida e diferente dos outros. Gradualmente, a consciência de seu Destino surgiu – como Senhora da Terra, governante de covens, que ousaria trazer os Deuses Sombrios de volta à Terra.
Ela ainda sentia seu Destino – mas era a batida distante de seu pulso em seu ouvido, não o anseio que sentia agora de compartilhar com alguém um momento da vida, como o estranho momento que compartilhara com Thurstan enquanto estavam sentados no café e ele, trêmulo, segurara sua mão pela primeira vez. Ela estava interpretando um papel, então, mas em algum lugar e de alguma forma o papel se tornara real para ela e, por um instante, ela se tornara a mulher que fingia ser – gentil, sensível e vulnerável. Essa mulher retornara, inesperadamente, quando ela segurara a morta Lois em seus braços. Suas lágrimas eram verdadeiras lágrimas de amor e perda – mas não duraram.
Agora, aquela mulher estava sentada no Templo secreto de Melanie, pensando em Thurstan e no momento que haviam compartilhado. Aquela mulher sabia que estava sozinha.
Então, Melanie, furiosa, saiu lentamente de seu Templo, com os olhos brilhando, em busca do conforto de seu carro. Sua velocidade era uma tentativa de expressar sua raiva, e ela dirigiu para o oeste por vielas estreitas e estradas mais largas por quase uma hora antes de retornar ao leste para parar perto do círculo de pedras. O crepúsculo das nuvens que se fechavam e o vento forte coloriam o céu perto do sol poente, e Melanie estava no centro do círculo, clamando para que as tempestades se dissipassem. Nuvens de trovão se precipitavam em sua direção, apagando a cor, enquanto o vento soprava forte e pesado ao redor. Não houve trovão, apenas uma chuva repentina e prolongada, que Melanie, rindo, deixou encharcar seu vestido fino até a carne quente por baixo. Ela ficou inebriada pelo poder do vento e da chuva e dançou ao redor do círculo, invocando os nomes de seus deuses. Ela era Baphomet – deusa sombria que segurava a cabeça decepada de um homem; ela era Aosoth – obreira da paixão e da morte. Circe – encantadora de homens; Darket – noiva de Dagon. Ela sentiu seu cristal, a muitos quilômetros de distância, começar a responder e extrair poder do Abismo além. O poder chegou até ela, lentamente, através do portal na trama do espaço-tempo, um caos de energias vindas das dimensões da escuridão. Sua consciência começava a transcender para os espaços acausais onde os Deuses Sombrios aguardavam, e ela sentia o anseio deles por retornar, para preencher novamente os espaços de seu tempo causal. Eles estavam lá, tagarelando em palavras proferidas que ela não conseguia entender, despertados do sono pelo poder de seus ritos anteriores, prontos para penetrar o portal e se banquetear com o sangue dos humanos.
Mas eles não conseguiam irromper além das estrelas. Os dois universos, separados por sua vontade e cristal, estavam se afastando novamente, e ela foi deixada a caminhar pela trilha das pedras enquanto o vento perdia sua força e as nuvens se afastavam com sua chuva.
Ela ficou sentada em seu carro por um longo tempo. Nenhum poder, nem mesmo um traço de poder, havia descido até ali, sobre o abismo que dividia os reinos causal e acausal da existência. Nenhum caos para sua vontade formar e direcionar, como tantas vezes antes. Sua magia estava enfraquecida. A causa de seu fracasso tornou-se clara para ela lentamente, como a névoa baixa de outono de um vale se dissipa sob o sol ao aquecer o ar frio da manhã. Ela estava apaixonada por Thurstan, e seus sentimentos de amor começaram a iluminar a escuridão que era a fonte de seu poder.
CAPÍTULO IX
“A polícia divulgou os nomes e as fotos dos dois homens que deseja interrogar em conexão com os assassinatos em Leeds…”
Vitek desligou o rádio. Algar estava ao lado dele na van que haviam roubado em Leeds, esperando o último raio de luz para conduzir o ritual, que ele esperava que o libertasse da maldição de Melanie.
“Ela organizou tudo direitinho”, disse Vitek enquanto Thurstan, na traseira da van, trabalhava silenciosamente para tentar libertar as mãos amarradas.
“Claro!”, gritou Algar. “O que você esperava? Os amigos influentes dela! Quando ela morrer, eles serão meus!”
“Devemos…?”, perguntou Vitek, indicando Thurstan.
“É o único jeito. A força não pode ser invocada sem um sacrifício. O poder dela está enfraquecendo! Eu sinto isso!”
A floresta que Algar havia escolhido ficava em um pequeno vale entre as rochas assombradas das Pedras de Stiper e do monte Squilver, e havia sido usada em tempos passados pelos covens mais sombrios que outrora abundaram na área. Ele invocaria o Grande Demônio, Gaubni, por meio de sacrifício, e se imbuiria de poder antes de partir para matar Melanie. Seu ritual a despojaria de sua magia, e sua morte poria fim à sua maldição.
“Venham, vamos nos preparar”, disse ele.
As árvores estalavam ao vento e o cheiro de fungos fétidos se misturava à umidade trazida pela chuva forte enquanto Algar caminhava cuidadosamente pela trilha até a pequena clareira. Vitek o seguiu, curvado e amedrontado, ouvindo Algar murmurar encantamentos. “Veni, omnipotens aeterne diabolus! Agios Ó Gaubni…”
O encantamento ficou mais alto até Algar gritar o nome. “Gaubni! Gaubni!” Então, um silêncio que assustou Vitek. Ele não conseguia ver o rosto de Algar quando parou e se virou na clareira, mas ouviu o chiado e viu as mãos erguidas como garras. Os dedos longos e ossudos agarraram o pescoço de Vitek e a força dos braços o empurrou para o chão. Algar sentou-se no peito de Vitek, babando e rindo enquanto suas unhas rasgavam a carne do rosto de Vitek. O espasmo da luta não durou muito, pois os dedos quebraram o pescoço.
Possuído, Algar saiu desajeitadamente da floresta. Thurstan sentou-se encurvado na traseira da van e Algar o encarou, babando como um idiota enquanto, ao longe, um cachorro uivava.
Algar lutava para controlar o caos que o havia possuído e direcioná-lo para trazer outra morte quando ouviu a voz atrás de si.
“Venham até mim, venham até mim!”, disse a voz melodiosa.
Algar se virou e viu o rosto lascivo de uma multidão de bruxas. Então elas desapareceram. Mas outra voz veio das árvores atrás dele.
“Você é meu presente!”
Ele não olhou, mas o poder do demônio que ele havia invocado foi sugado de dentro dele para formar um rosto hediondo cujas fileiras de dentes rangeram antes que a boca se abrisse para borrifar Algar com um hálito fétido. Então, desapareceu, sugado para dentro das árvores e para dentro da Terra pelo poder das bruxas lascivas há muito mortas.
“Vocês são meu presente!”, repetiu a voz.
Não havia mais magia em Algar e ele se tornou apenas um homem meio louco. Sua loucura o fez se mover em direção a Thurstan, mas o Sumo Sacerdote estava com medo, e tudo o que pôde fazer foi se virar e observar Vitek, com o rosto dilacerado e os olhos mortos, caminhar em sua direção.
“Você é o presente dele”, disse um coro de vozes atrás dele.
Desesperado, Algar realizou um ritual de banimento, inscrevendo um pentagrama no ar à sua frente com a mão, dizendo: “O sinal da Terra, proteja! Agios, ó Shugara!”
O cadáver de Vitek ainda vinha em sua direção. Ele invocou mais deuses, desenhou um pentagrama, chamou o Príncipe que seguira em segredo desde a juventude, mas Vitek se aproximava cada vez mais enquanto, atrás dele, o coro fantasmagórico ria.
Ele tentou um hexagrama, mas seu gesto e palavras não tiveram poder e, em terror abjeto, começou a orar fervorosamente em latim ao deus que havia desprezado.
“In nominee Patris, et Filli, et Spritus Sancti. In nominee Jesu Christi…”, murmurou.
Mas Vitek não parou — em vez disso, os olhos mortos se voltaram para encará-lo e a boca se abriu num olhar malicioso. Algar fugiu, enlouquecido e tropeçando, pela trilha, por cima de uma cerca e de um campo, para subir a encosta íngreme. Não parou ao chegar ao cume, mas continuou correndo pela encosta íngreme e por outra colina, caindo exausto em uma vala. O terror o recuperou e ele correu por muitos quilômetros por campos, cercas e colinas, com as roupas e a carne dilaceradas por pedras, arames e espinhos. E quando não conseguiu mais correr, rastejou entre as urzes que cresciam na encosta do Mynd, abrindo caminho com as garras até o cume da encosta. Descansou então, olhando para a escuridão silenciosa lá embaixo, temeroso e com medo de que algo o seguisse, e rezando, rezando pela luz do amanhecer. Ele fez uma espécie de cruz com hastes de urze, que arrancou do chão com os dedos ensanguentados. Ao seu redor, nada se movia.
——-
Thurstan havia soltado as mãos da corda que o prendia quando viu Algar fugir. Cautelosamente, após desamarrar os pés e remover a mordaça, ele saiu da van.
O crepúsculo estava quase acabando, mas ainda havia luz suficiente para ele seguir a trilha em direção à floresta. Caminhou por algum tempo, mas não encontrou nada nem ninguém. O lugar lhe parecia pacífico e calmo.
Um cachorro grande estava sentado perto da van quando ele retornou. Não latiu, mas saltou para correr por alguns metros ao longo da trilha antes de parar.
“Seu guia!”, disse uma voz suave ao lado de Thurstan. Quando se virou, não conseguiu ver nada.
Não havia lua, apenas o brilho persistente do sol que agora se escondia no horizonte. O céu claro logo revelou as estrelas mais brilhantes e, no calor agradável do início da noite, Thurstan seguiu seu guia pela trilha até trilhas e vielas estreitas que seguiam em direção ao sul, até ser conduzido para o leste pelo riacho e até onde uma grande casa jazia escura e silenciosa.
Ele sabia por que seguia o cachorro, assim como sabia de quem era a casa, mas ainda permanecia nervoso na entrada da garagem. A noite já estava escura quando ele caminhou em direção à casa e, ao fazê-lo, uma luz suave brilhou através da porta entreaberta.
“Olá!”, gritou ele como um bobo da corte para uma corte de tolos ao pisar nos ladrilhos de mosaico do salão. Não viu a porta atrás de si se fechar.
Em algum lugar, ouviu um cravo sendo tocado. Seguiu o som, percorreu o salão e subiu as escadas, cujas paredes estavam forradas com pinturas que retratavam luxúria, ganância e alegria, até onde uma porta estava aberta. Um perfume voluptuoso o envolveu e ele fechou os olhos, ouvindo a música suave. Pareceu-lhe que esperara muito tempo, ouvindo e tremendo. Mas foram apenas alguns instantes de sua vida que se passaram.
Ele deu vários passos para dentro do quarto iluminado por velas. Melanie estava sentada ao cravo, com um vestido longo e esvoaçante, e olhou para cima brevemente antes de tocar a fuga até o fim.
O quarto era lindo, gracioso em seus poucos móveis, a música era linda, a própria luz era linda, lançando tons sutis que só um pintor, um músico ou um poeta poderia recordar. Mas, acima de tudo, para Thurstan, Melanie era linda. Seus sentidos, subjugados pelo cativeiro, foram dominados e ele começou a chorar, não alto nem por muito tempo, mas como um místico ou um artista choraria quando dominado por tal esplendor.
Ela sorriu para ele novamente quando seus dedos pararam de exercer sua magia no teclado e estendeu a mão. Ele podia ver os seios dela, erguidos e parcialmente expostos pelo vestido, subindo e descendo ao ritmo da respiração dela: o modo como o colar de âmbar parecia brilhar levemente à luz das velas ao redor, e ele caminhou para a frente, mal conseguindo respirar.
Mas isso era irreal para ele, um sonho ocioso, talvez, de um dia quente de verão cheio de insetos, enquanto ele estava sentado à beira do riacho perto de sua casa. Mas seus dedos se tocaram, trazendo realidade. Ele se sentiu tímido e tolo quando ela se levantou para encará-lo, sorrindo gentilmente. Nenhuma palavra se revelaria ao mundo através de sua boca, e ele a abraçou, acariciando seus cabelos com a mão enquanto ela moldava seu corpo ao dele para que ele pudesse sentir o calor de sua carne através do vestido fino.
Os momentos de abraço foram prolongados até que ela o beijou, pressionando a língua em seus lábios em súplica. Ele a deixou entrar, sentiu a fragrância de seu hálito e sentiu com a mão o calor de seu seio e a ereção de seu mamilo enquanto sua língua buscava a dele. Ele não viu a porta do quarto fechar-se silenciosamente, nem a estranha sombra que parecia estar ao lado dela, mas deixou-se levar até a cama circular no quarto escuro ao lado.
Ela foi gentil com ele enquanto tirava as roupas dele e depois as suas, beijando seu corpo enquanto ele retribuía o beijo. Ele tentou falar de seu amor e da beleza dela, mas ela pressionou um dedo fino em seus lábios enquanto ambos jaziam nus juntos na maciez sensual da cama, enquanto o incenso perfumado os acariciava. Ele sentiu a maciez de seus seios e os beijou em adoração, enquanto beijava seus lábios, ombros, rosto e coxas em adoração antes de saborear sua umidade. Ela o puxou suavemente para si, abrindo-se em convite, e ele não precisou da mão para guiá-lo até sua fenda oculta.
Ele se moveu lentamente, e por um longo tempo a suave intimidade continuou enquanto a noite quente e úmida lhe trazia suor e uma urgência gradual a ela, até que um frenesi de paixão os possuiu, elevando-se para desaguar em um êxtase sonoro mutuamente alcançado antes que a queda natural deixasse os membros frouxos e uma exaustão agradável.
Ele dormiu então, embora não quisesse, abraçando-a como se temesse que ela pudesse ir embora, sussurrando suavemente as palavras de seu amor. Sonhou que caminhava em um planeta estranho cujos dois sóis brilhantes iluminavam o céu púrpura. Havia uma cidade próxima, mas ela jazia em ruínas, e ao se aproximar pela areia quente, pôde ver a desolação de séculos. Vagou pelas ruas vazias feitas de aço estranho, onde acima, passarelas sinuosas pendiam ou se elevavam para encontrar as imponentes pirâmides de edifícios cujas entranhas de piso e sala haviam sido cortadas de forma precisa e deixadas penduradas em tendões de arame. Sentiu tristeza com a desolação, pois o mundo estava abandonado e completamente morto.
Quando ele acordou do sonho, Melanie havia sumido.
CAPÍTULO X
Parte dela queria matá-lo. A morte dele a libertaria novamente; restauraria o poder que ela havia perdido.
Ela sentou-se em seu Templo, pensando no que fazer. Os anos de sua vida haviam sido desprovidos de amor e apenas Lois lhe demonstrara bondade – inesperadamente, pois bondade era algo que ela nunca desejara nem buscara. Mas ela fora orgulhosa demais, muito convicta de seu papel e de sua busca por poder para deixar a bondade de Lois importar, e o relacionamento deles se tornara, pelo menos para ela, um simples caso para satisfazer sua luxúria e afastá-la momentaneamente do ódio que sentia pelos muitos homens que vendiam suas almas e entregavam suas riquezas e poder para se satisfazerem com seu corpo.
Por um ano, ela negara seus favores a todos os homens, usando sua magia como armadilha e arma para manter seu domínio e poder. Ela os deixava cobiçar e se satisfazer com as prostitutas que ela lhes dava. Mas ela havia seduzido Thurstan, enviando um espectro para guiá-lo até sua casa depois de encontrá-lo através de seu cristal, esperando preso na van. Outras forças se reuniram ao seu redor, surpreendendo-a, mas ela lutou contra elas e recuperou o controle, moldando-as à sua vontade para trazer o cadáver de Vitek de volta e enviar Algar aterrorizado para as colinas.
Ela sentiu que os outros poderes estavam tentando ajudar Thurstan e mantê-lo longe dela por algum motivo que ela não entendia, mas ela o queria e faria o que quisesse.
Agora, seu cristal estendeu a mão para ele no andar de cima, onde um espírito elemental, nascido de um de seus rituais, aguardava para realizar sua vontade, pairando ao lado da cama que ela havia deixado. O espírito o protegia, protegendo-o de outros poderes, mas ela só precisava transformar seu pensamento através do cristal para que o elemental causasse a morte de Thurstan e quebrasse as pesadas correntes que agora pareciam prendê-la à sua Terra.
Mas ela não fez nada. Estava intrigada pelos outros poderes que sentia e pelo cristal que ele havia encontrado. Havia também, para ela, uma promessa nos sentimentos que sentia por ele – parecia haver novos prazeres à espera, novas experiências para enriquecer sua vida. Ela começou a pensar no que isso poderia ser — em como seria conversar com alguém, apenas estar com alguém, que parecia amá-la, não seu poder, riqueza ou influência. Alguém cuja luxúria, embora real e forte, estava ligada à sensibilidade e que buscava através dela um êxtase de partilha além do físico; alguém que dava, e não apenas recebia. Ela o havia cativado a princípio, mas não como esperava: não como havia cativado todos os homens meramente lascivos antes dele. Ele havia visto além deles, um outro mundo.
Esses pensamentos a agradaram e a perturbaram, mas ela sentiu que ele havia acordado do sonho e esperou, estranhamente tensa, que a encontrasse. Quando ele o fez e parou na porta do seu Templo, ela escondeu seus sentimentos antes de tentar destruí-los.
Ela não conseguiu. O cristal começou a brilhar, traindo-a enquanto pulsava ao ritmo do seu coração. Ele passou por ele, desenhou o brilho na mão e ofereceu-a a ela. Ela o encarou enquanto ele estava diante dela sorrindo. Então, antes que ela pudesse abrir a mão para receber o presente, a luz no Templo se apagou e desapareceu, deixando apenas o brilho que ele segurava diante dela.
Uma multidão de vozes balbuciantes e sibilantes quebrou o silêncio.
“Ele é nosso!” disse uma voz clara.
“Nosso!” repetiram uma segunda e uma terceira.
Os poderes que ela sentira antes estavam mais fortes agora, e ela se esforçou para afastá-los lançando seus pensamentos em seu cristal, mas o brilho na mão de Thurstan diminuiu e depois se extinguiu.
Houve risos no Templo, o cheiro de carne podre enquanto, lentamente, uma forma luminosa começava a se formar em um canto. Começou a se assemelhar a um homem barbudo de pele verde que segurava nas mãos um cajado e um chicote, e de cujos olhos emergiam finos filamentos que se moveriam em direção a onde Melanie estava sentada. Ela sabia que eles formariam uma teia para aprisioná-la. Ela transformou sua própria vontade em fios roxos para formar uma parede à sua frente, mas os filamentos serpentearam facilmente ao redor dela antes de se contorcerem em sua direção. Ela lançou uma estrela invertida de sete pontas contra eles, mas a estrela se estilhaçou e foi obliterada. Suando com o esforço, ela estendeu as mãos à sua frente, pronta para absorver o poder que vinha em sua direção, tensionando o corpo para tentar lançá-lo em seu cristal e enviá-lo para o espaço acausal, onde morreria.
Ela sentiu Thurstan ao seu lado e o calor de sua mão quando ele tocou seu ombro. No instante em que ele o tocou, o riso zombeteiro cessou. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas o rosto de Thurstan havia se transformado em um vazio escuro repleto de estrelas, e ela sentiu que estava ficando mais forte. Um caos de energias irrompeu do vazio para ser transferido a ela pelo toque de Thurstan, mas as energias não eram hostis e ela as moldou por sua vontade em um demônio áurico antes de lançá-las em seu inimigo. O demônio devorou os filamentos avidamente antes de devorar o homem de barba verde. Então, ele também desapareceu, deixando Melanie e Thurstan nus um ao lado do outro sob a luz suave do Templo perfumado.
Quando olhou para Thurstan, percebeu que ele estava em transe. Ela o sentou gentilmente e acariciou seu rosto até que ele acordasse.
Ele ficou surpreso ao se encontrar no Templo e envergonhado por sua nudez.
“Você está bem?”, perguntou Melanie.
“Sim, obrigado”, disse Thurstan, corando e cobrindo os genitais com as mãos. “Devo ter sonhado!”
“O que você sonhou?”
“Eu estava neste planeta morto – em uma cidade. Sozinho. Então eu te vi. Havia uma sombra perto de você, que eu parecia pensar que a estava ameaçando, então fui até você e segurei sua mão. Pensamento estranho – pensei ter acordado.”
Não havia malícia no rosto de Thurstan enquanto Melanie olhava: e naquele instante ele parecia uma criança inocente. Ele tentou segurar a mão dela como se estivesse em busca de segurança, e ela não recusou. Ela olhou para ele, que estava sentado sorrindo e envergonhado, depois para seu cristal e depois para Thurstan novamente, percebendo, ao fazê-lo, que de alguma forma ela ainda não entendia que Thurstan era um portal para seus deuses, um médium, talvez, que qualquer um poderia usar. Não foi a ideia de usá-lo e seus dons psíquicos que a fez se ajoelhar ao lado dele e beijar seus lábios, mas um estranho desejo de, de alguma forma, compartilhar novamente o momento em que ele tocou sua mão pela primeira vez e tremeu – de redescobrir a alegria que seu corpo lhe trouxera, a sensação que sentira ao examinar seu rosto e encontrar uma curiosa confiança.
Ele correspondeu prontamente ao beijo dela e eles fizeram amor lenta e ternamente no chão do Templo dela. Melanie estava receptiva a ele através de seus crescentes sentimentos de amor e sentia-se extraindo poder dele. Ela deixou esse poder crescer dentro dela antes de tentar transferi-lo por um ato de vontade para seu cristal, mas até ela se surpreendeu com a facilidade disso e com a extensão do poder que havia armazenado. O cristal começou a brilhar e, em seu orgasmo, ela se sentiu possuída do poder de uma deusa. Mas ela não fez nada com seu novo poder encontrado e o deixou em segurança no cristal em seu Templo antes de perceber, enquanto Thurstan respirava em seu ouvido as obras de seu amor, que eram seus próprios sentimentos de amor a chave.
Ela ficou deitada por um longo tempo enquanto Thurstan a acariciava e o suor secava lentamente, questionando o significado disso no contexto de sua vida satânica. Mas apenas vagos sentimentos, necessidades e desejos a inundavam, e ela o conduziu de seu Templo na casa silenciosa para sua própria cama. Ele logo adormeceu, enroscado em seu corpo quente, enquanto ela observava interiormente as sombras que se reuniam do lado de fora de sua casa, mantidas afastadas pelo poder que ela havia armazenado em seu cristal. Elas se chocavam, gritando, olhando de soslaio e ameaçando, contra a esfera áurica protetora que a envolvia e seu novo amante, desejando sua morte ou pelo menos uma chance de levar Thurstan embora. Essas sombras dos mortos e moribundos eram como chuva para ela, e ela ouvia, segura e aquecida, enquanto elas caíam ruidosamente.
De manhã, elas haviam sumido. Mas haviam sugado seu cristal até secá-lo. Melanie continuou dormindo, seu corpo pressionado contra o de Thurstan, enquanto em seu jardim Algar esperava, pronto para matá-la com a foice que segurava.
CAPÍTULO XI
Ezra Pead vivia cercado de mofo e ácaros. O mofo subia pelos pés dos móveis de sua pequena e escura casa, no final de uma trilha lamacenta entre duas colinas altas que o protegiam da maior parte do sol, enquanto os ácaros podiam ser vistos fugindo de qualquer coisa que ele tocasse.
O fogão a lenha em sua cozinha estava quebrado e sem conserto, deixando a umidade subir pelas paredes e os tatuzinhos de madeira cobrirem o chão, e ele cozinhava suas sopas em um pequeno fogão a gás. Não era um velho, mas se portava como um e se vestia como um vagabundo, com a barba emaranhada e longa. As grandes somas de dinheiro que seu pai lhe deixara, ele as deixava sem uso em um banco, e caminhava os cinco quilômetros até a pequena cidade de Stretton uma vez por semana para sacar as poucas libras de que precisava para se manter vivo.
Assim como sua casa, Ezra Pead estava lentamente entrando em decadência. Sua casa cheirava mal e era como uma floresta selvagem e coberta de mato, cujo chão está vivo, onde fungos verdes rastejam lentamente pelas árvores e onde a hera sufocante engrossa e endurece à medida que cresce em volta de troncos, galhos e caules, buscando a cobertura de folhas. O que cai no chão é capturado pelas miríades de criaturas que vivem quase sempre sem ver na umidade, ou coberto por mofo e ácaros, ou roubado para ser comido ou guardado por insetos. O telhado não tinha vazamento, mas Ezra Pead não se importaria se tivesse. Ele tinha baldes de sobra. Nunca abria as janelas, que estavam cobertas por uma sujeira espessa.
Passava os dias lendo os muitos livros e manuscritos que o cercavam por toda parte, em meio ao caos, ou escrevendo em um dos grandes volumes encadernados em pergaminho que cobriam uma de suas três escrivaninhas de scriptorium. Ao contrário de suas feições ou de sua morada, sua caligrafia era bela, e ele usava uma pena e tinta que ele mesmo fazia.
Todos os seus livros e todos os seus escritos eram sobre alquimia ou magia. Quando a escuridão chegava, ele acendia uma vela e se retirava para o quarto onde dormia. Lá, onde nenhuma janela aliviava a umidade das paredes e onde apenas uma cama de metal enferrujada permanecia no chão, ele lançava seus feitiços noite adentro. Todas as suas leituras, feitiços e escritos tinham um único objetivo: descobrir o segredo da vida e, assim, tornar-se imortal. Todas as noites, ele invocava demônios das páginas dos Grimórios medievais que possuía, pois lera uma vez, e há muito tempo, quando jovem, que alguns desses demônios conheciam o segredo. Então, ele os invocava e os interrogava, noite após noite, ano após ano. Baratchial, Zamradiel, Niantiel, Belphegor, Lucifuge… ele conhecia bem as legiões do Inferno e, embora não entendesse com frequência as respostas que lhe davam, ele as anotava em seu livro depois que a conjuração terminava e seu banimento ritual se completava. Um demônio chamado Shulgin, que ele invocava principalmente usando seu círculo cerimonial, nomes de poder e espada – mas o demônio falava ao contrário, em um código numérico, e transcrever as mensagens consumia muitas horas do seu dia, assim como decifrar o código original havia tomado mais de um ano de sua vida.
Mas os anos de trabalho desgastaram seu corpo, e ele começou a desejar um meio melhor de encontrar as respostas que buscava. Ele possuía uma fé insana nos demônios que invocava, e não parecia se importar com o fato de a maioria das informações que obtinha ser insignificante ou incorreta. Ele conferiu e revisou as respostas, procurando pacientemente entre seus livros e manuscritos. Havia respostas suficientes ao longo dos anos, que podiam ser corroboradas pelo pouco que ele já sabia ou conseguia encontrar em seus livros para manter sua fé na busca, e nunca lhe ocorreu que essa busca estivesse destruindo a vida que ele esperava prolongar.
Às vezes, ele se aventurava a sair de sua casa em busca de ervas para moer e transformar em incenso ou óleos para auxiliar suas invocações, conversando consigo mesmo enquanto caminhava. Todas as suas ideias e expectativas originais haviam sido corroídas ao longo dos anos – não havia pedra para ele fazer por meios alquímicos, nenhuma poção para beber. Ele havia tentado as duas coisas, guiado por manuscritos e demônios, mas seu aparato alquímico jazia desmontado em seu galpão, junto com os raros sucos de plantas e ingredientes bizarros que ele havia usado. Seu aparato e ingredientes tinham vindo de um negociante ansioso demais para satisfazer suas necessidades dispendiosas, mas o custo fazia pouca diferença no dinheiro que ele guardava no banco.
Por quase um ano, após os dez anos de seu trabalho alquímico, uma ideia o possuiu. Algo estava acontecendo que ameaçava sua busca. Seus demônios estavam ficando cada vez mais perturbados ou desorientados. Às vezes, suas invocações não tinham sucesso – ou ele obtinha uma confusão de formas, como se alguém ou algo estivesse interrompendo as energias. Ele próprio sentia algo – uma força mais sombria do que os demônios que ele conhecia. Um manuscrito antigo lhe deu a pista: as marés cósmicas estavam mudando, ou melhor, sendo mudadas por alguém. O próprio equilíbrio do universo oculto estava ameaçado.
Pequenas ondulações nessas marés não lhe eram estranhas, mas não faziam nada para mudar significativamente a corrente de energias osirianas com a qual trabalhava e que, durante séculos, percorria a Terra, em parte devido aos ritos da Igreja do Nazareno e àqueles que seguiam sua fé, pois pertenciam ao mesmo mundo que ele. Ele era apenas parte de seu lado sombrio. Sabia que uma mudança estava chegando, simbolizada pelo filho de Osíris quando criança, mas essa era uma progressão natural que não afetaria seu próprio trabalho nem alteraria de forma significativa os equilíbrios de poder na Terra, apesar da retórica de alguns de seus adeptos.
Mas essa nova distorção era diferente. Se tivesse sucesso, traria um novo Aeon, que não tinha uma palavra mágica para descrevê-lo – um Aeon do Caos. Ele passou meses procurando respostas em seus manuscritos e livros. Pacotes de livros chegavam regularmente de seu negociante – eram lidos e depois descartados, para sugar mais mofo do chão.
Ele começou a perceber que estava perto do centro da perturbação, mas os demônios que invocava para questionar eram incoerentes ou não apareciam. Ele precisava do sangue dos sacrifícios. O traficante trouxe-lhe um cachorro, que ele mantinha acorrentado do lado de fora. Começou a usar a necromancia para trazer os espíritos dos mortos, realizando sacrifícios frequentes, enviando o cachorro para trazer uma vítima de volta. Ovelhas não eram um problema, pois vagavam pelas colinas ao redor da casa, e ele cortava seus pescoços, deixando o sangue escorrer para o chão enquanto entoava suas invocações. E quando terminava, ele queimava o corpo em uma cova do lado de fora, enquanto os espíritos que ele havia invocado se reuniam ao redor.
Ele encontrou suas respostas. Não sabia a identidade da pessoa que estava tentando romper as dimensões causais e atrair para a Terra as energias do Caos, mas conhecia a área de onde as forças estavam sendo atraídas e enviava seus espíritos relutantes para protegê-la. Seu antigo manuscrito falava de entidades sombrias que aguardavam ser devolvidas à Terra para beberem sua porção de sangue humano. Atazoth, Dagon, Athushir, Darkat… esses eram alguns de seus nomes. Uma vez invocados, não podiam ser devolvidos. Para serem invocados, precisavam de um sacrifício humano especial.
Seu próprio trabalho havia provocado mudanças nos planos astrais, atraindo para sua cabana outro Adepto, e Ezra Pead não gostou do homem que chegou. Jukes também não gostou de Ezra Pead, nem da miséria que encontrou. Mas uma visão de sua Sacerdotisa o trouxe, e seus avisos de transe o fizeram ficar, oferecendo sua ajuda e a de seu Templo de Ma’at, para impedir o retorno dos Deuses Sombrios.
“Temos um objetivo comum”, disse ele, e Pead, relutante, concordou. “Eles não podem romper a Corrente de Aiwaz.”
Jukes, atarracado e atarracado, acreditava sinceramente no que dizia. Por mais de um ano, ele administrou seu pequeno Templo em Londres, ajudando com seus atos de magia a promover o Éon de Ma’at. De dia, trabalhava num escritório, mas à noite, no seu apartamento no subsolo, tornava-se Sumo Sacerdote dos seus deuses. Lera bastante sobre o Ocultismo, fizera muitos contatos durante os anos de busca, mas ficara surpreendido com os livros e manuscritos que o Pead possuía.
A avareza era desconhecida dos Jukes, mas os livros e manuscritos raros os apresentaram.
“Eles precisam de um sacrifício humano”, disse Pead com a sua voz rouca.
“Podemos impedir isso?”
“Se soubéssemos quem foi.”
“Seus manuscritos –”
“Eles estão em silêncio.”
“Posso?”
Pead sorriu. “Estudá-los aqui? Claro.”
Durante dois dias, estudou, enquanto à noite se hospedava num hotel na cidade vizinha, ligeiramente receoso do obsessivo Pead e do cão selvagem, que se esticava na corrente, rosnando cada vez que ele entrava e saía. A imundície e a miséria o oprimiam enquanto trabalhava, enquanto a avareza sussurrava palavras astutas em seu ouvido, mas ele as ignorava. No terceiro dia, levantou-se do banco ao lado de uma escrivaninha, triunfante.
“Então eles precisam de um médium, é?”, disse Pead.
“Há um ritual — a Cerimônia da Revocação — para o qual ele é levado. O sacrifício, e deve ser um homem, é morto e a Alta Sacerdotisa se lava em uma bacia cheia de seu sangue antes de chamar os Deuses Sombrios de volta à Terra.”
“Então, você encontrou tudo isso lá?”
Jukes segurou o manuscrito de pergaminho cuidadosamente. “Sim. As primeiras páginas são um pergaminho — e as últimas… Citações dos Padres da Igreja. O texto real começa aqui —” Ele apontou com o dedo.
Pead deu de ombros. “Eu não sei ler copta.”
Jukes passou um dia copiando o manuscrito enquanto Pead o vigiava. Ficou feliz em ir embora e, de volta ao seu apartamento, queimou todas as suas roupas antes de se esfregar na banheira. Naquela noite, invocou seu Templo. O ritual começou no horário combinado com Pead. Ele não sabia qual ritual o próprio Pead realizaria, mas tinha suas suspeitas e não queria perguntar.
O Templo de Jukes era o cômodo onde ele vivia, iluminado por velas e perfumado por um incenso espesso, e seus membros sentavam-se no chão, tocando as mãos. Não demorou muito para que sua Sacerdotisa entrasse em transe, guiada pelo sigilo que Pead havia inscrito em um pergaminho. Ela contou que estava em uma floresta onde dois homens caminhavam, deixando um que estava acorrentado. De como espíritos se reuniram para ajudá-la. “Acima de seus olhos — aquele que espera e está acorrentado — brilha um sinal tatwico. Ele é aquele que procuramos… mas há horrores dos quais não posso falar! Outra vontade se opôs à minha. Mais forte — ela me lança para longe e de volta…”
A noite toda eles tentaram, até que, pálida e exausta, a Sacerdotisa dormiu, rompendo o elo astral que a prendia a Pead e seus espíritos da morte. E pela manhã, enquanto alguns raios de sol iluminavam por alguns minutos o topo da janela do porão, ela contou sobre as batalhas da noite que haviam drenado seu poder, deixando aquele que fora escolhido no santuário do Templo dos Deuses Sombrios.
Jukes sabia que onde a magia falhava, a força física poderia triunfar.
“Precisamos detê-los!”, dissera ele, com os olhos brilhando com o fervor de sua estranha fé.
Lá fora, um pássaro solitário cantava, inaudível em meio ao tráfego matinal que ronronava por aquela estreita rua londrina.
CAPÍTULO XII
Melanie não dormiu por muito tempo. Mas não havia nela o menor desejo de se levantar e tomar café da manhã antes de usar seus telefones e telex para estabelecer o bem-estar de seu mundo. Fazia isso havia anos, e era uma experiência nova para ela ficar deitada observando um homem dormir em sua cama. Aos poucos que, em tempos anteriores, haviam recebido seus favores por motivos de poder satânico ou financeiro, ela havia dito para irem embora depois que a conquista estivesse completa.
Ela o observou até que ele acordasse, despertada por sua suave carícia em seu rosto. Ela os deixou, para se vestir e caminhar descalça pelo gramado de seu jardim murado. O sol estava quente enquanto ela caminhava, intrigada por seus próprios sentimentos. Havia uma beleza no mundo que ela nunca tinha visto antes. Ela sentia essa beleza no azul do céu, nas cores delicadas das flores que ladeavam seu gramado, no som do vento soprando entre as árvores próximas. Era o calor do sol, a umidade da grama, o silêncio que a cercava. Ela compreendia que havia muitos mundos dentro daquele em que vivia, trazidos à realidade talvez por um humor ou circunstância.
Este mundo de beleza era real para ela de uma forma que lhe trazia sentimentos incomuns, mas o mundo que ela havia deixado ontem ainda estava lá – ainda repleto dos sentimentos que ela sentia: desprezo pelos membros de seu coven enquanto desempenhava seu papel de Senhora da Terra, ódio e amor à discórdia. Cada ano, cada dia de sua vida era um mundo no qual ela projetava significados, interpretações e do qual buscava arrancar dinheiro e poder para si.
Havia mundos além – mundos alienígenas, que ela esperava unir ao seu, trazendo caos e muitas coisas estranhas. Mas, por enquanto, ela encontrava felicidade caminhando pelo jardim sob o sol quente e pensando em Thurstan. Ela queria torná-lo seu Sumo Sacerdote, compartilhar seu poder e riqueza com ele e desfrutar do prazer que sentia que tal compartilhamento traria, encerrando os anos de sua solidão.
Ela não viu, nem sentiu, tamanha era sua preocupação, Algar rastejando em sua direção e, quando o fez, sua tentativa de detê-lo com seu poder mágico falhou. Ela não tinha poder. Isso a assustou, e ela só pôde observar em silêncio enquanto Algar, sorrindo como o louco em que se tornara, erguia a foice para cortar sua garganta.
Ela levantou o braço para desviar o golpe quando Thurstan, correndo pelo gramado, pulou em Algar, derrubando os dois. Algar gritava, tentando golpear Thurstan, mas Thurstan agarrou e segurou o pescoço de Algar com o braço. Eles rolaram pela grama orvalhada até o corpo de Algar ficar mole.
“Eu o matei! Eu o matei!”, disse Thurstan.
A inspeção de Melanie no corpo foi breve. “Vamos”, disse ela. “Vamos entrar.”
“Mas eu o matei.”
A beleza que ela sentira fora destruída. “Ele mereceu.”
“Eu não queria”, tentou explicar Thurstan. “A polícia…”
Melanie sorriu. “Não há necessidade de envolvê-los.”
“Mas eu o matei.”
Melanie se virou para ele. Ele agora estava bastante calmo, mas perplexo. “Há algumas coisas que você deveria saber sobre mim.”
“Tudo o que eu sei é que te amo.”
Com as palavras dele e a expressão em seu rosto, parte da beleza retornou. Ela estivera indefesa contra Algar, e agora se sentia indefesa contra Thurstan. Ela não gostou de nenhuma das formas que essa indefesa assumiu e caminhou com Thurstan até sua casa para providenciar a remoção e o descarte do corpo de Algar.
Thurstan a seguiu de cômodo em cômodo, ouvindo-a, espantado, enquanto ela fazia seus telefonemas. E quando terminaram e se sentaram para tomar o café da manhã que ele preparou, Melanie explicou sobre sua vida. Thurstan ouviu, atentamente e sorrindo gentilmente.
“Então agora você conhece a pessoa por quem você acha que está apaixonado.”
“Por que você me contou?”
“Porque – “Ela se virou, horrorizada consigo mesma. “Na sua casa, encontrei uma esfera de cristal.”
“Eu te amo.”
Seus sentimentos por Thurstan pareciam ter roubado o poder pessoal que ela tinha sobre as pessoas, e ela não tinha certeza se se importava com isso. “Você não está horrorizada com o que eu lhe contei?”, perguntou ela.
“Não. Nem sobre o sujeito deitado no seu jardim. Ele ia te machucar. Eu te amo, então eu o impedi. Simples, na verdade. A polícia faria perguntas demais.” Ele deu de ombros. “Considerando o que você disse, isso é muito compreensível!”
“Isso vai te ligar a mim.”
“Por que você acha que eu concordei?”, perguntou ele diretamente.
“Você não tem medo?”
“De quê?”
“Que eu possa usar isso para te controlar?”
“Não.”
“Mesmo depois do que você sabe sobre mim?”
Não, porque sinto que você me ama, mesmo com medo de dizer as palavras.
Ela não respondeu, mas olhou pela janela. “Eles devem chegar em breve para se livrar do corpo.”
“E depois?”
“Iremos para a sua casa.”
Os dois homens que haviam levado o corpo de Lois chegaram e Melanie conversou brevemente com eles antes de irem carregar o Sumo Sacerdote morto para a van. Thurstan estava em seu Templo secreto quando ela retornou, tendo-os visto partir.
“O que você sente?”, perguntou ela.
“Sobre este cristal? Que ele nos levará às estrelas!”
Intrigada, ela perguntou: “O que você quer dizer?”
“Não sei. Apenas um pressentimento. Lembro que você era um sonho da minha juventude. Talvez eu seja o seu Destino, assim como você é o meu.”
Melanie percebeu forças se reunindo ao redor deles, como se uma fenda tivesse aparecido novamente, mas sem a sua vontade, na métrica do espaço causal, de tal forma que energias acausais os cercavam. Então, de repente, o Templo escureceu enquanto ela permanecia sem fôlego ao lado de Thurstan, observando seu cristal se encher de estrelas. Ela o tocou então, puxando a mão dele para dentro da sua, para sentir o poder tensionar seu corpo como ele ficaria tenso antes que um orgasmo o relaxasse. Mas ela não sentia a antiga intoxicação do poder, nem a felicidade sensual que seus muitos e variados prazeres lhe trouxeram ao longo dos anos de seu reinado. Em vez disso, havia o êxtase silencioso do amor gentil e envolvente, juntamente com uma expectativa, uma promessa de vistas ainda a serem exploradas, mas à espera. Mas logo acabou, esse vislumbre tentador, quando a luz retornou ao seu Templo, deixando apenas um brilho fraco para inundar seu cristal.
Sua casa, drenada pelas batalhas demoníacas da noite, estava viva novamente, e ela deixou seu próprio espírito vagar de cômodo em cômodo. A opressão inicial que sentira desaparecera, como se em algum lugar e de alguma forma uma tempestade tivesse desabado.
Uma vaga lembrança lhe veio à mente, como detalhes de uma paisagem vista através de uma névoa tênue, e ela conduziu Thurstan para fora de casa e para dentro do carro. Ela não falou, e ele também não, enquanto ela dirigia pelas ruas estreitas e montanhosas, no calor da manhã, que levavam à sua casa. O cristal estava em seu nicho, onde ela o havia deixado, e ela o retirou. Tentou lê-lo, como fizera antes, quando ele lhe transmitiu as imagens à mente, mas estava vazio.
“Você parece surpreso”, disse Thurstan.
“Onde você conseguiu isso?”, perguntou ela.
“Um velho me deu.”
Ela sentiu que ele não estava mentindo, pois quase conseguia ver a imagem que se formava em sua mente enquanto ele pronunciava as palavras. “Por quê?”
“Um presente”, disse ele. Ele foi insistente. Como eu poderia recusar?
“Quando foi isso?”
“Ah, não faz muito tempo. Alguns meses. Esqueci exatamente quando. Ele veio aqui para pedir um pouco de comida. Imagino que quisesse dar algo em troca.”
“Você não sabe o que é isso?”, perguntou ela.
“Uma bola de cristal? Ele pode ter sido, um dia, um vidente.”
Por muito tempo, Melanie controlou sua vida, guiando-se em direção aos objetivos que buscava. Ela sempre foi a Senhora, a rainha satânica que governava, nunca possuída pelo medo. Ninguém que ela conhecera havia perturbado sua fé em si mesma ou demonstrado de alguma forma um poder interior maior que o seu. Satanistas, criminosos, empresários ou pessoas ricas – ela os dominara com suas artimanhas, vontade e beleza. Ela encontrou suas fraquezas e as usou em seu próprio benefício. Thurstan a perturbara por ser tão transparente – não havia nada nele que estivesse oculto, nem para ela nem para si mesmo. Seus sentimentos, pensamentos e prazeres pareciam espontâneos e entusiasmados como os de uma criança. No entanto, ele possuía um fatalismo que nenhuma criança possuía ou poderia possuir: uma crença interior na necessidade de mudança, que, longe de negar sua própria vida, parecia aprimorá-la, tornando cada momento único.
Mas não era Thurstan quem a perturbava agora. O controle que ela tinha sobre a vida estava se esvaindo. A perda de seu poder pessoal, evidente em sua incapacidade de controlar Algar enquanto ele atacava, era Apenas uma parte disso. Eventos estavam acontecendo com ela, em vez de serem controlados por ela, e ela não gostava disso. O que ela vira no cristal de Thurstan a levara a perseguir Leeds, despertando seus crescentes sentimentos de amor. Algo havia acontecido e estava acontecendo com ela por causa de Thurstan, e ela começou a acreditar, por causa do cristal dele, que forças que ela não entendia ou sequer conhecia estavam tentando, de alguma forma, manipulá-la.
Era mais fácil para ela acreditar que seu amor por Thurstan estava mudando sua vida, e ela tentava acreditar nisso. Mas uma suspeita permanecia.
“Você é um homem estranho”, disse ela a Thurstan enquanto lhe entregava o cristal.
“Na verdade, não. Eu vivo – ou vivi – uma vida bastante simples e um tanto entediante.”
“Você não sabe nada sobre este cristal – ou sobre o meu?”
“Não. Apenas o que eu sinto.”
“E o que você sente agora?”
“Que existem forças tentando nos manter juntos – e outras forças que estão tentando nos separar.”
“E você não tem medo de para onde possamos ir?”
“Tudo o que eu sei é que te amo e quero estar com você!”
Ele a abraçou então, beijando-a, e ela não o empurrou. Ela sentiu novamente, enquanto estavam no quarto da casa dele, balançando levemente em seu abraço, que com ele e através dele ela possuía um poder maior, ainda que diferente, que fazia seu próprio passado e até mesmo seus sonhos parecerem vulgares.
“Há uma reunião hoje à noite”, disse ela, “à qual eu gostaria que você fosse.”
“Ah? O quê?”
“Apenas um ritual simples chamado Cerimônia da Revocação.”
“Com qual propósito?”
Ela se afastou dele para observar algumas nuvens cúmulos esfarrapadas se dispersarem do horizonte em direção ao sol, que em alguns pontos formava um arco-íris no vidro velho e gasto da janela. “Para atrair um certo poder para a Terra.”
“Por quê?”, perguntou ele, inocentemente.
“Para trazer mudanças.”
“Por quê?”
“Para acelerar nossa evolução.”
“Em direção a quê?”
“Uma consciência superior”, disse ela, um pouco exasperada.
“Esse é o objetivo dos covens que você governa?”
“Na verdade, não. Eles são um meio de me fornecer coisas.”
“Diversão? Prazer? Poder?”
“Sim!”
Urwroth transparecia em seus olhos, mas ela rapidamente controlou seus sentimentos.
“Venha”, disse ele sorrindo e pegando sua mão, “Eu gostaria de lhe mostrar uma coisa.”
Sua casa ficava em uma dobra de pequenas colinas entre as encostas íngremes de Caer Caradoc, um deserto, e a estrada, que subia do vale de Stretton para seguir para o leste, através de campos e vilarejos, em direção à serra arborizada de Wenlock Edge. Ao redor, nascentes despontavam pequenos riachos entre as encostas, onde ovelhas pastavam principalmente e poucas árvores cresciam, e Thurstan seguiu por uma trilha até um deles. A poucos metros de onde a água jorrava como um fio d’água, uma pequena poça se formara em um pequeno trecho de terreno plano, e Thurstan ajoelhou-se ao lado dela enquanto Melanie permanecia, confusa, observando e ouvindo um peneireiro-vulgar enquanto voava entre as colinas áridas que formavam um pequeno vale para o riacho. O peneireiro-vulgar voou em sua direção, circulando três vezes acima da cabeça antes de soltar seu chamado lamentoso e voar para longe.
“Olha!”, disse Thurstan, levantando-se e mostrando a palma da mão.
Nele, do tamanho da unha do polegar, estava sentado um sapo. “Não é maravilhoso?”, disse ele, entusiasmado.
Melanie olhou para ele, mas sem muito interesse.
“Venho aqui com frequência”, disse Thurstan enquanto colocava o sapo na água. “Cada vez é diferente. Em um dia, a luz pode mudar muito. Em março, os sapos vêm. No ano passado, nevou bastante, mas eles ainda vieram. Sempre há mudanças – mesmo neste pequeno lugar – conforme as estações mudam. Neve, gelo, geada, lama, sol escaldante que desbota o verde da grama e quebra a samambaia. À noite – talvez uma lua ou apenas as estrelas, que também mudam. Nenhum dia, com seu clima e luz, é igual a qualquer outro dia.”
Ele se levantou para ficar ao lado dela. “E eu não faço nada. No entanto, tudo muda. Até eu mudo, um pouco com o passar de cada ano. Lá”, apontou, “a quilômetros de distância, há uma estrada onde carros velozes transportam pessoas. Eles raramente veem a mudança ao seu redor, apenas o que vive em suas cabeças. Alguns quilômetros – e outro mundo onde aqueles pequenos espécimes de vida”, gesticulou em direção ao sapo, “nunca são vistos e são esmagados sem que se pense.
“Você é linda – um pouco selvagem, talvez, como aquele peneireiro que voava acima – e seu mundo é estranho para mim. Estas colinas, aquela casa, a fazenda ali onde trabalho, são o meu mundo. Há tanto em tão pouco – tanta beleza para compartilhar. Eu faço amor com você – mato alguém para te proteger – e nossos dois mundos se unem, por um breve momento. Mas ainda são dois mundos. Você quer que eu entre no seu como eu desejo que você entre no meu. A mudança que você busca trazer pode destruir o meu mundo – e eu não estou pronto para isso.”
Melanie sentira o calor em Thurstan enquanto ele falava.
Era um calor estranho para ela, uma espécie de amor suprapessoal que ela não compreendia e que não conseguia relacionar com os prazeres da própria vida ou com os objetivos que buscava. No entanto, gostava de estar ao lado dele enquanto ele falava, observando seu rosto e seus olhos. Ele poderia ter esmagado o sapo em sua mão, como ela teria feito em sua juventude, ou como ela havia esmagado pessoas que se opunham a ela – mas não procurou moldá-lo ou destruí-lo de acordo com sua vontade. Ele o aceitou como era naquele momento da história da Terra.
“Eu vi em você”, Thurstan dizia, “a mesma beleza que vejo neste pequeno pedaço de terra, como se você fosse natural a ele de uma forma que não consigo descrever. Mais natural, mais real e vivo do que a maioria das outras pessoas. No entanto, o mundo em que você vive e viveu e no qual possui poder não é onde você deveria estar. Temo que ele o destrua, e não quero isso.”
“Eu não conheço outro mundo.”
“Mas você começou a descobrir o meu. Eu te toco, te abraço, faço amor com você.”
O mundo dele fascinava Melanie, como se ele tivesse adivinhado o que ela sentia e, ao lado dele, ela não era mais uma rainha satânica, governante de um coven de cinquenta, mas uma mulher apaixonada.
“Eu gostaria que você compartilhasse o meu mundo também”, disse ela.
Thurstan sorriu. “Então eu irei ao seu ritual.”
O peneireiro-vulgar retornou para descer em direção a eles antes de se desviar, chamando, enquanto voava em direção ao sol.
CAPÍTULO XIII
A floresta onde Algar fora enterrado não ficou em silêncio por muito tempo. O sol havia se posto, deixando uma luz nebulosa, quando a sibilação começou, abafada pela terra. Algar havia acordado em seu túmulo.
A Sacerdotisa gritou e caiu inconsciente no círculo de fiéis no Templo de Jukes. Jukes a abraçou, e ela acordou para lamentar antes de chorar de terror com a visão que tivera. Ela não conseguia falar em voz alta, mas descreveu o horror em um sussurro lento e soluçante.
Não demoraram muito para se prepararem e partiram de Londres, em três carros, enquanto a escuridão do céu se tornava completa, para viajar em direção às colinas de Shropshire e à casa que a Sacerdotisa descrevera antes que o horror encerrasse seu transe. Os oito permaneceram em silêncio e com o espírito subjugado durante as horas da jornada, nervosos ao deixarem o calor dos carros estacionados à beira de uma viela estreita a quase um quilômetro da casa de Melanie. Ao redor deles, escuros, os campos estavam silenciosos e parados.
Jukes os liderava, caminhando lentamente e começando a duvidar. A cada passo, ele parecia ficar mais cansado. Parou diante da entrada da casa, escutando, enquanto a Sacerdotisa, trêmula e suada, segurava sua mão.
“Será em breve”, sussurrou ela, tocando o escaravelho prateado que usava como amuleto no pescoço.
A entrada estava cheia de carros e um brilho cálido de luz se espalhava pela casa. Jukes achou que ouvia o rufar de tambores. Sua Sacerdotisa foi a primeira a senti-lo e se virou para a escuridão além da cerca viva onde estavam, amontoados no frio crescente. Ouviu-se um farfalhar no campo além, o som de madeira sendo quebrada bruscamente à força.
Algar arrombou o portão com as mãos dilaceradas e ensanguentadas e foi em direção a eles. Apenas Jukes e sua Sacerdotisa não fugiram diante da visão angustiante, mas se esconderam, pressionando-se contra os espinhos e folhas da cerca viva. Eles não foram vistos e observaram, trêmulos e amedrontados, enquanto Algar caminhava pesadamente como um morto-vivo em direção à casa.
CAPÍTULO XIV
Thurstan esperou em seu Templo secreto, sentindo-se envergonhado pelo luxuoso manto carmesim que usava. Ele não conseguia ouvi-los, mas sabia que muitos dos membros de Melanie haviam chegado e estavam se preparando para o ritual.
Ela o preparou bem, levando-o de volta para sua casa em seu carro, cujo telefone usava para chamar seus servos dispostos. Ele havia se banhado, sido massageado, seu corpo relaxado pelas mãos gentis de uma bela mulher que lhe acariciou a pele com óleos perfumados; ele havia sido servido com comida, feito as unhas, seu cabelo arrumado. Vestido com roupas de seda. Ninguém havia falado com ele, mas ele foi tratado com deferência e, ao final da tarde, começou a apreciar o poder de Melanie de uma forma que antes não lhe era real. Quando ela finalmente chegou até ele, assombrosamente bela como uma rainha ancestral, parte dele já havia começado a aceitar o mundo dela e a apreciá-lo. Ela o estava corrompendo com luxo e ele sabia disso.
Melanie, em um manto verde quase transparente que realçava os contornos de seu corpo, veio guiá-lo até onde seus adoradores satânicos estavam reunidos. O grande Templo estava iluminado apenas por velas e uma mulher nua jazia sobre o altar, ao lado do qual uma jovem vestida de branco com uma guirlanda de flores no cabelo balançava um turíbulo. Em algum lugar, entre as sombras, figuras encapuzadas e vestidas com mantos vermelhos tocavam seus tambores xamânicos.
“Salve aquele que vem em nome de nossos deuses!”, gritavam os adoradores em saudação a Thurstan.
Dois homens com o físico de lutadores, cujos rostos estavam cobertos por máscaras negras e que usavam muito pouca roupa, fecharam as portas do Templo enquanto Thurstan seguia Melanie até o altar. Melanie beijou as têmporas, os lábios, os seios, o útero e os pelos pubianos da Sacerdotisa do altar antes de beijar Thurstan, que se virou para receber um beijo de toda a congregação.
“Agora vamos”, cantou Melanie,
“Com pés Mais rápidos que os cavalos da tempestade, Buscaremos trazer aquela que, com fogo E espadas cortantes, salta sobre seu inimigo enquanto os destinos do terrível Infalível se aproximam!”
“Agios, ó Baphomet!” veio a resposta gritada.
“Veja!” Melanie apontou para Thurstan, antes de se virar, transformando seus sentimentos em um templo de frenesi enquanto a congregação suspirava e a batida dos tambores soava forte.
“Aqui está ele Que esta noite Será seu consorte e derramará Como libação sua semente de vida! Dance – eu ordeno E com o bater de seus pés Ressuscite os mortos! Eu o levarei para a Terra E a deixarei com seus dentes Sugá-lo até secar! Dance! – eu ordeno! E eu, Senhora desta Terra, O levantarei e o alimentarei Com a fragrância entre minhas coxas! Assim, ele se tornará, sem lamentação, o Portão que se abre Para nossos deuses!”
A congregação começou a dançar, lentamente a princípio, cantando alto enquanto o faziam. Melanie ficou no centro do círculo que eles traçavam com os pés descalços, erguendo os braços enquanto o poder era invocado. O canto de Ba-pho-met pulsava ao ritmo dos tambores enquanto os dançarinos dançavam cada vez mais rápido, tirando suas vestes enquanto silenciosamente a Sacerdotisa do altar se levantava para descer do altar.
Seus olhos estavam fechados, mas ela caminhou dentro do círculo dos dançarinos que a cercavam em direção a Thurstan. Ela o abraçou levemente antes de abrir seu manto e revelar sua nudez. Então, ela beijou seus lábios e abriu os olhos.
Seus olhos não pareciam humanos para Thurstan, mas ele não estava com medo. A jovem de corpo esguio havia se tornado Melanie – o poder com Melanie e o poder maior além dela. Ela era amante, senhora, esposa, mãe, filha e irmã – deusa e demônio, e Thurstan se deixou ser puxado para o chão do Templo. Ele não teve vontade de resistir enquanto a olhava nos olhos. Ela não foi gentil com ele, mas arrancou-lhe o manto antes de envolvê-lo com as pernas e cravar as unhas em suas costas. Havia dor, mas parecia aumentar o prazer que o invadia. As batidas dos tambores, os cânticos, os dançarinos nus rodopiando, o incenso, a mulher se contorcendo sob ele – tudo arrebatava seus sentidos. A dor trouxe um desejo frenético, e o suor logo banhou seus corpos nus. Então ela gritou em êxtase, assim como ele, enquanto ao redor deles os dançarinos paravam para se voltar para dentro, batendo palmas enquanto observavam e gritavam o nome de sua deusa. E quando tudo terminou e Thurstan jazia sem fôlego sobre o corpo relaxado, os dois homens perto da porta vieram erguê-lo e colocá-lo, ainda nu, sobre o altar.
Os adoradores formaram um corredor até o altar, por onde Melanie veio beijar Thurstan e reacender seu fogo com os lábios. Não demorou muito para que ela conseguisse, e ela se inclinou sobre o rosto de Thurstan para roçar os lábios dele nos dela antes de sussurrar, enquanto seus olhos se tornavam os olhos da Sacerdotisa do altar: “Agora você é meu para sempre!”
Ela fez um sinal com a mão, e seus dançarinos se moveram lentamente em círculo ao redor dela e do altar, invocando com um canto fúnebre, porém poderoso, os Deuses Sombrios além do Portão que era a Terra.
“Nythra Kthunae Atazoth!”, eles entoavam.
Melanie não tirou o manto, apenas o levantou enquanto se abaixava sobre ele. A batida dos tambores havia diminuído para acompanhar a lentidão do cântico, e ela se moveu lentamente sobre ele. Em algum lugar, no Templo, dois cantores começaram a cantar, com uma quinta de diferença, acima do zumbido dos dançarinos que circulavam lentamente.
“Agios Rotanev”, cantavam os cantores, suas vozes poderosas e claras fazendo o complexo cantochão fluir como uma onda alta e cristada em direção à praia, subindo e descendo lentamente com graça, mas sempre avançando.
O órgão lento dos cantores, o cântico lento dos dançarinos que se deram as mãos, a energia trazida pelo frenesi sexual, os tambores dos xamãs e a dança selvagem, tudo conspirava para abrir os Portões do Abismo. A lentidão era uma contrapartida ao frenesi anterior, e Melanie a usou para reunir as energias para si. Ela não demonstrou nenhum sinal externo do êxtase interior e sorria enquanto transferia a energia para seu cristal, enquanto o corpo de Thurstan se contraía e depois relaxava. Ela o beijou antes de descer do altar.
Ela fez um sinal para os dançarinos pararem e se reunirem ao seu redor, em preparação para o clímax do rito, quando ela liberaria a energia armazenada para trazer seus Deuses Sombrios à Terra. Eles acalmariam suas mentes, como ela lhes mostrara, para se tornarem partes de um espelho que concentraria a energia.
Mas as portas do Templo se abriram de repente. Ninguém gritou enquanto Algar permanecia, hediondo, à luz das velas, mas eles pareciam se aproximar de Melanie. Os dois homens perto da porta avançaram sobre ele, mas ele os empurrou facilmente para o lado e eles caíram inconscientes. Ele rosnava, encarando Melanie enquanto caminhava em sua direção em silêncio. Ela não se moveu, exceto para levantar a mão para conter Thurstan, que havia se levantado para ficar ao seu lado. Então, ela sorriu.
Algar parou, seu corpo se contorcendo para a frente como se quisesse se mover, mas não conseguisse. Melanie ergueu a mão em sua direção e ele caiu de joelhos, escorrendo sangue enquanto sua carne já dilacerada, apodrecida, se partia ainda mais. Ela ergueu a mão novamente, e ele gritou como se estivesse sendo torturado, antes de rastejar de bruços no chão. Ela abaixou a mão e os gritos dele cessaram. Ele então a olhou, não como um louco e não como um dos possuídos que haviam retornado, brevemente, à vida. Em vez disso, seu olhar era o de uma criança muda que não suportava a dor que sentia. Mas Melanie ergueu a mão novamente e o espectro que um dia fora Algar abaixou a cabeça e morreu.
CAPÍTULO XV
“Junte-se a nós!” disse Melanie ao passar pelo corpo.
Jukes e sua Sacerdotisa estavam no salão, impressionados com o que tinham visto. Eles haviam seguido Algar e ainda tremiam.
“Venham até mim!” disse Melanie suavemente.
Jukes olhou para o chão enquanto a Sacerdotisa observava o rosto de Melanie. Ela sorria, sem o medo, enquanto caminhava para se ajoelhar aos pés de Melanie.
“Não!” gritou Jukes. Ele tentou se aproximar dela, mas não conseguiu.
Gentilmente, Melanie levantou a Sacerdotisa e a beijou nos lábios. A Sacerdotisa entendeu seu pensamento e foi tocar os Guardiões mascarados que jaziam inconscientes no Templo. Eles acordaram e a seguiram, ficando um de cada lado de Melanie.
“Você será minha”, disse Melanie a Jukes, “como ela é?”
“Nunca!”
“Então eu a farei minha!”
Ela estava prestes a levantar a mão para forçar a cabeça dele a se erguer para que pudesse olhar em seus olhos quando viu um velho vestido de mascate entrar pela porta aberta de sua casa.
“Ele é meu, eu acho”, disse ele enquanto batia no ombro de Jukes para libertá-lo das amarras que Melanie o havia prendido. “Ele não lhe serve para nada. Mas se você se opuser…”
Havia um grande poder mágico no velho, oculto até mesmo em seus olhos, mas Melanie o percebeu.
“Quem é você?”, perguntou ela.
Ele curvou-se profundamente, como um bobo da corte. “Eu sou Saer.”
“Saer?”
Ele olhou ao redor do salão e perscrutou brevemente o Templo. “Você fez grandes mudanças, eu vejo.” Então, sorrindo, curvou-se novamente antes de escoltar Jukes para longe.
Ela o soltou. “Festejem! Alegrem-se!”, disse ela, virando-se para cumprimentar seu coven, e eles sentiram a felicidade se espalhar entre eles quando os tambores começaram a soar novamente.
Ela designou seus Guardiões para carregar o corpo e deixá-los entrar em seu Templo secreto, onde o jogaram no fosso sob o pedestal que continha seu cristal. Houve risos e luxúria entre os adoradores quando ela retornou, servos carregando bandejas de comida e cálices de vinho. Ela agradeceu aos seus Guardiões, convidou-os a se juntarem ao banquete e observou Thurstan enquanto ele permanecia, coberto pelo manto que havia descartado, ao lado da Sacerdotisa do Templo de Jukes. Ela não se importou com o desejo oculto entre eles e foi caminhar sozinha na escuridão nebulosa do jardim.
Forças opostas às suas estavam presentes, retornando da noite anterior e enviadas contra ela pelo derramamento de sangue, mas não a afetaram nem aos convidados em sua casa, mantidos afastados pelo poder de seu cristal, e ela caminhou lentamente descalça sobre a grama fresca, olhando distraidamente para as estrelas.
Não demorou muito para que Thurstan se juntasse a ela. Ele foi seguido pela Sacerdotisa de Jukes.
Você sabia, não sabia? Thurstan disse, um pouco tímido. Ele também ficara impressionado.
“Que foi Saer quem lhe deu o cristal? Sim, eu soube assim que o vi.”
“Então você sabe quem ele é?”
“Talvez!” ela riu. “Qual é o seu nome?”, perguntou à Sacerdotisa.
“Claudia.”
“Sim, combina com você. Não o mudarei. Deseja ficar comigo, Claudia?”
“Oh, sim!”
“Você está livre para ir.”
“Eu não quero ir.” Ela olhou para o chão. “Não agora que a encontrei.”
“Eu nunca lhe farei mal, a menos que você se volte contra mim.” Ela pegou a mão de Claudia e a levou ao próprio peito. “Você é minha agora e eu sempre a protegerei. Como sinal da minha confiança, darei a você um presente.” Ela colocou a mão de Claudia na de Thurstan, beijou as duas e as deixou juntas no ar ameno da noite.
Eles ainda estavam de mãos dadas no jardim dela quando ela os viu de uma janela alta da casa. Sabia que Thurstan não sabia o que fazer e que Claudia era tímida demais para tomar qualquer iniciativa. Melanie queria, por meio do ritual e do presente que o dera a Claudia, trazer à tona o lado sombrio de Thurstan, e enquanto observava uma lua grande e brilhante começar a surgir rapidamente acima das colinas distantes e uma coruja piar nas proximidades, sentiu que havia encontrado os meios para atingir seus objetivos.
O ritual havia devolvido tanto seu poder quanto seu papel. Ela estava mais forte do que nunca e, com Thurstan como seu Sumo Sacerdote voluntário, ela se tornaria ainda mais forte unindo o mundo dele ao dela. Juntos, eles poderiam vagar entre as estrelas. A perspectiva a excitava, assim como seu desejo de ver Thurstan e Claudia tendo relações sexuais a excitava, e ela se lembrou das palavras do Livro Negro da rainha bruxa à sua frente: “O segredo da Moira, que está além do nosso Grau de Senhora da Terra, é uma simples união de duas coisas comuns.” Esta unidade é maior, mas construída sobre o pelicano duplo, sendo interior, porém semelhante ao estágio do Sol, exterior, embora em menor grau. Aqui está a água viva, azoth, que cai sobre a Terra, nutrindo-a, e da qual a semente floresce mais brilhante que o sol. A flor, devidamente preparada, divide os Céus – é o grande elixir que dela provém, que, quando ingerido, dissolve tanto o Sol quanto a Lua. Quem tomar este elixir viverá imortal entre as estrelas.
Melanie acreditava ter encontrado o segredo, trazido à tona por seus sentimentos por Thurstan e pelo poder do ritual. Ela estava preparando Thurstan – pois primeiro precisava devolver os Deuses Sombrios à Terra.
Empolgada, viu Thurstan beijar Claudia brevemente antes de conduzi-la em direção à casa, e então se retirou para seu quarto para segui-los pelo monitor. Pareciam incertos sobre o que fazer enquanto permaneciam no corredor, mas os adoradores nus que passaram correndo por eles para subir as escadas deram-lhes a pista. Quartos adequados estavam abertos e à espera no primeiro andar da casa, como sempre. Ninguém jamais ousava violar o andar de cima, reservado para Melanie e seus convidados especiais, e Thurstan não o fez enquanto conduzia Claudia lentamente para um quarto vazio.
Nada na casa estava escondido do sistema de vigilância, mas Melanie não o usava com frequência, como agora o usava para observar e ouvir Thurstan e Claudia, pois havia uma infinidade de prazeres que lhe davam satisfação. Em seu desejo de tornar Thurstan parte de seu mundo, ela apertou um botão para gravar imagens e sons no quarto no andar de baixo.
Melanie ficou excitada ao observá-los. Thurstan despiu Claudia lentamente e, quando seu corpo nu apareceu, Melanie percebeu que também o desejava. Claudia respondeu aos beijos de Thurstan puxando-o para a maciez da cama baixa do luxuoso quarto, e não demorou muito para que a hesitante lentidão de prazer de Thurstan desse lugar ao frenesi sexual. Mas isso não se prolongou e não houve grito, nem mesmo suspiro de êxtase de Claudia – apenas o gemido de Thurstan enquanto ele se afundava, satisfeito, sobre seu corpo voluptuoso.
Isso agradou Melanie, que ficou deitada ouvindo-os conversar.
“Quem é ela?”, perguntou Claudia.
“Você não sabe?”, disse Thurstan, exausto.
“Eu a vi em uma visão – nesta casa. Viemos para detê-la.”
“Mas você não veio.”
“Não consegui. Quando me aproximei dela, senti –”
Thurstan sorriu. “Um amor avassalador?”
“Talvez”, disse ela, corando. “E você?”
“Ela é a mulher mais extraordinária que já conheci.”
“Então você a serve? Quer dizer, como Sumo Sacerdote?”
Thurstan riu. “Conheço pouco sobre o mundo dela. Só a conheci há alguns dias.”
Claudia ficou surpresa. “Mas você é uma Iniciada?”
“De quê?”
“Do Templo dela.”
“Não que eu saiba. Ela me disse que estava envolvida em algo –”
“Satanismo?”
“Sim. Mas presumi que fosse algum tipo de jogo. Entende o que quero dizer? Então”, suspirou ele, “este ritual. Há poder real nela, magia de verdade. Ela lança um feitiço com apenas um olhar.”
“Então você a ama?”
“Sim. Porque, suponho, como você, sou sensível a coisas e pessoas. Quando te vi, senti um calor em mim, uma felicidade. Normalmente não faço esse tipo de coisa.”
“O quê?”
“Me jogar na cama com mulheres que acabei de conhecer.”
“Nem eu! Acho que ela nos dominou.”
“Você se importa?” perguntou Thurstan suavemente.
“Não”, ela sussurrou. “Sinto que encontrei o que sempre procurei – aqui nesta casa. É emocionante e, ainda assim, me sinto protegida. Antes de vir, presumi que fosse algo maligno de alguma forma – que ela era maligna e precisava ser impedida. Mas agora –“
“Impedida de quê?”
“Mudando as marés cósmicas que banham a Terra e dão às pessoas uma certa energia.”
“Não entendo nada dessas coisas.”
“Eu vi aquele homem – em seu túmulo.”
“Aquele que morreu?”
“Sim. Ele era o Sumo Sacerdote dela, não era?”
“Sim.”
“Presumi que você tivesse tomado o lugar dele”, ela gesticulou para o manto dele, jogado no chão.
“Sei pouco sobre as crenças dela.”
“Então é um novo começo para nós dois.”
“Talvez possamos aprender coisas – juntos?”
“Sinto que é isso que ela deseja.”
“E o homem com quem você veio?”
“Sumo Sacerdote do meu Templo em Londres.” Ela riu. “Suponho que ele esteja pensando que fui sequestrada contra a minha vontade e forçada a me entregar a ritos satânicos hediondos! Ou ser oferecida como sacrifício a Satan.”
“Você não tem medo disso?”
“Não – como tenho certeza de que sente. Não sei nada sobre ela, exceto o que sinto, e sinto que ela não me fará mal. Muito pelo contrário, na verdade.”
Thurstan apoiou-se no cotovelo para olhá-la. “Pode parecer banal dizer isso, mas você não é uma estranha para mim.”
Ela tocou o rosto dele com a mão. “Eu sei o que você quer dizer. Ela também não é uma estranha para mim.”
“O que faremos?”
“Além do óbvio, você quer dizer?” Ambos riram. “Esperar, suponho, que ela nos conte.”
“Pode ser uma espera agradável.”
“Espero que sim.”
Melanie já tinha visto e ouvido o suficiente. Não demorou muito para chegar ao quarto e ficou parada na porta enquanto eles se levantavam da cama, sorrindo nervosamente.
Ela entregou o robe a Thurstan. “Deixe-nos”, disse ela a ele.
Ele saiu, obediente à sua palavra, e ela fechou e trancou a porta antes de se sentar ao lado de Claudia na cama.
“Você é linda”, disse ela, acariciando o pescoço de Claudia.
Seu beijo suave foi retribuído, timidamente, e ela tirou o robe antes de puxar Claudia para si em um abraço.
“Eu nunca fiz isso antes”, sussurrou Claudia.
Melanie beijou seu pescoço e seios. “Você quer?”, perguntou gentilmente.
“Ah, sim.”
As carícias ternas, a maciez perfumada do corpo de Melanie, os beijos e movimentos lentos e íntimos, sua própria sensação de calor, o prazer sensual que Melanie lhe proporcionava suavemente através do toque e da língua, tudo se combinava para estimular Claudia a um êxtase físico e emocional, de um tipo que ela nunca havia experimentado antes.
Ela se deitou ao lado de Melanie, abraçando-a e chorando baixinho, buscando conforto na mulher estranha que a beijava enxugando suas lágrimas, sentindo naquele momento que toda a confusão, dúvidas e tristeza que sua sensibilidade lhe trouxera ao longo dos anos não existiam mais. Seu passado, com seus relacionamentos rompidos, traumas e sonhos, estava esquecido. Seu futuro era irreal – apenas o presente tinha significado para ela. Ela sentia forças do lado de fora da casa que desejavam ferir a mulher que a beijava e cujo calor corporal a tranquilizava, mas ela estava protegida, por enquanto, dessas forças, assim como Claudia se sentia protegida. As forças nocivas, que aguardavam a fraqueza, extraíram mais emoção de Cláudia até que ela sentiu um amor genuíno.
Jukes roubara seu amor quando se conheceram e, através dele, ela aprendera a usar seus poderosos dons psíquicos. Mas a paixão dele por ela fora apenas uma paixão, fugaz como o brilho de um meteoro no céu noturno, e ela aprendera a viver novamente, sozinha, com seus sonhos enquanto ele preenchia e esvaziava sua cama com as mulheres do Templo em nome da magia que invocava. Seus dons trouxeram empatia e visão, mas nunca o amor de que ela precisava.
Para ela, Melanie, naquele momento, tornou-se todos os seus sonhos, e não importava que ela desse seu amor a outra mulher. Parecia natural para ela – como parecera natural quando ela e Thurstan fizeram amor, e ela compreendeu, enquanto estava deitada, aquecida e relaxada, que havia entregado seu corpo a ele porque era o que Melanie queria.
Para Melanie, ela também havia entregado seu corpo, mas agora também entregava sua alma.
“Acho que te amo”, disse ela, e Melanie, no quarto úmido, sentiu uma confusão de amor que ela não precisava nem desejava crescer em seu coração.
CAPÍTULO XVI
Expulso do quarto, Thurstan vagou pela casa. O Templo estava cheio de corpos nus e do incenso do sexo, e quando tentou a porta que sabia que levava ao cristal, ela não abriu.
Outras portas estavam trancadas para ele e para outros adoradores, e a que se abriu o levou a uma biblioteca. Ouviu a porta se fechando atrás de si, mas ela não se abriu quando tentou a maçaneta, e contentou-se em tentar enxergar pela janela. Não conseguia ver nada, pois as venezianas externas estavam fechadas. O quarto era amplo, com teto alto e livros erguidos em prateleiras em todas as paredes, mal iluminados. Uma cadeira aguardava ao lado de uma mesa onde um único livro estava aberto. “O Livro de Wyrd”, dizia a lombada dourada.
Ela planejou isso, pensou consigo mesmo, e sentou-se para ler.
“O Satanismo é a filosofia dos nobres e fortes. É a antítese da religião de Yeshua, aquela adoração a peixes em decomposição. Aos covardes e aos seguidores do Nazareno pertencem a mansidão dos fracos, as rápidas declarações sobre piedade e a vileza do valentão. Acima de tudo, o Satanismo é o desfrute desta vida.
O princípio mais fundamental do Satanismo é que nós, como indivíduos, somos deuses. O objetivo do Satanismo é simples: tornar um indivíduo imortal, produzir uma nova espécie. Para os satanistas, a magia é um meio, um caminho para esse objetivo. Caminhamos em direção ao Abismo e ousamos atravessar para os espaços frios além, onde reina o CAOS. Há êxtase em nós – e muito do que é estranho. Vitalidade, saúde, riso e desafio – desafiamos tudo, e o maior desafio somos nós mesmos.”
A música preenchia a sala enquanto ele lia. Ele sabia que era real mesmo que não pudesse ver sua fonte, mas era tênue – um som sobrenatural que ele achava belo e que lhe trazia uma visão de estrelas e uma lembrança de seu estranho sonho depois de ter feito amor com Melanie pela primeira vez. Seu corpo se tensionou enquanto ouvia, transportado para outro plano de existência, e ele experimentou, naquele momento, uma possessão de sentimentos que superava o êxtase da paixão física. Então, não havia espaço, apenas um turbilhão de estrelas, a euforia de uma velocidade fenomenal e, em seguida, uma desaceleração silenciosa que o levou ao planeta dos seus sonhos. A música era um canto lento de palavras que ele não entendia, combinado com sons de instrumentos que ele nunca tinha ouvido antes, e expressava a desolação do planeta morto, bem como sua saudade de Melanie – e de Claudia.
Então a visão e a música cessaram e ele estava simplesmente sentado sozinho em uma biblioteca, olhando para um livro. Ele tentou, mas não conseguiu recapturar o que tinha visto e ouvido, e sentiu uma saudade que lhe dificultava a respiração e lhe trazia lágrimas aos olhos. Melanie era a mulher que ele sempre procurara para dar sentido à sua vida, a realidade por trás da sua percepção de dias anteriores, quando estivera à beira do riacho perto de sua casa e transformara sua divindade em uma deusa. Seu poder, carisma e promessa faziam com que sua própria vida e expectativas parecessem monótonas, assim como sua visão fazia o mundo ao seu redor parecer irreal e pesado.
Ele sentiu uma necessidade repentina de expressar seus sentimentos através do frenesi de seu corpo e não se surpreendeu ao encontrar a porta destrancada. Começou a entender que a própria casa estava viva, uma extensão da vontade de Melanie, e deixou que ela o guiasse. As luzes brilhavam para lhe mostrar o caminho ou diminuíam quando ele errava. Ele foi conduzido a um quarto onde tudo o que precisava, e muito mais, estava à sua espera. Vestiu-se rapidamente, com o coração batendo forte, e correu pelo corredor e desceu as escadas para sair de casa.
Ele não estava sozinho. Algo o acompanhava enquanto corria pela entrada da garagem no ar fresco sob as estrelas, com a luz da lua para guiá-lo. Ele sentiu a presença, pois sentia que ela o protegia, e correu rapidamente pela estreita viela, permitindo que a liberdade do esforço físico o envolvesse. Sua corrida lhe trouxe de volta um pouco da visão, e ele deixou a estrada para seguir uma trilha que acompanhava as encostas do Long Mynd. Logo se cansou e ofegou, mas continuou correndo até se distanciar um pouco do corpo, desafiando-o. Correu por quilômetros antes de se virar e correr um pouco mais devagar de volta para casa, tomado pelo desejo de aprender, de dominar e igualar-se a Melanie. O mundo dela havia se tornado real para ele, e ele não queria abandoná-lo.
A casa parecia recebê-lo em seu retorno. Não havia carros na entrada, pois todos os fiéis já haviam ido embora, e ele seguiu as luzes até um banheiro, onde se deixou mergulhar por um longo tempo em um banho profundo, satisfeito e expectante. Seu amor por Melanie, sua esperança na afinidade entre eles, a paixão que já haviam compartilhado, o ritual, o compartilhamento dela com Cláudia, até mesmo o assassinato que ele pensava ter cometido por ela – tudo o havia libertado, liberando as energias interiores que sua vida normal mantinha sob controle. Ele sentia que não havia desafio que não pudesse superar, nada que não quisesse fazer. A vida estava diante dele – uma grande tela na qual pintaria uma obra-prima. Ele queria fazer da sua própria vida uma obra de arte.
Satan era o nome que ele dava à energia que tornava seu corpo e sua mente vívidos de vida. Ele se secou vigorosamente, cobriu-se com o robe de seda pendurado em um gancho na porta e deixou que as luzes o guiassem até o quarto de Melanie.
A porta se abriu para ele e caminhamos sobre o tapete macio sob a luz azul para descobrir que Melanie não estava sozinha e a porta se fechava atrás dele. Claudia estava ao lado dela na cama, dormindo. Ele não ficou chocado com isso, apenas momentaneamente confuso. Ambos estavam nus.
“Venha”, disse sua Senhora, “sente-se ao meu lado.” E ele obedeceu.
Ela o beijou antes de acariciar os cabelos de Claudia. “Ela é linda, não é?”
“Sim.”
“Você pode me compartilhar?”
A franqueza da pergunta o assustou. “Acho que sim.”
“Venha então e tire o robe.”
Ele obedeceu e deitou-se ao lado dela. Ela estava satisfeita com a excitação dele e com os motivos por trás dela, mas o provocou dizendo: “Tentando pela quarta vez seguida, então?”
“Desculpe – eu não – “
“Não se desculpe, meu querido.”
O carinho o deixou feliz, diminuindo o espanto que sentia e que o invadiu assim que entrou no quarto dela.
“Você está satisfeito com as coisas?”
Seus corpos se tocavam enquanto estavam deitados juntos e ele sentiu seu espanto se esvaindo. “Eu quero aprender. Compartilhar seu mundo com você.”
“É bom que sua força interior retorne. Quero que compartilhemos.”
“Mas às vezes me sinto um pouco perdido.”
“Por causa do que possuo?”
“Em parte. Mas também…”
“Não diga mais nada.” Ela pressionou o dedo contra os lábios dele. “Vou lhe contar uma coisa. Você me fez perceber o quanto eu era solitária. O quanto eu preciso de amor.” Ela riu, zombando de si mesma. “Eu, com tudo o que tenho, todo o poder que você viu, preciso de você. Afinal, sou humano, mesmo sem querer ser.”
Thurstan a beijou, e Melanie sentiu vontade de chorar. Mas ela dominou seus sentimentos. Thurstan havia mudado, como ela esperava e planejava, mas ela mesma estava mudando. Nunca antes demonstrara seus sentimentos e se sentia vulnerável. Sabia que Thurstan sentia isso, assim como Claudia quando caminharam de mãos dadas com ela até seu quarto. Ela não tinha medo deles, apenas de si mesma, e quando Thurstan falou, ela estava serena.
“E Claudia?”, perguntou ele gentilmente.
“Parece que preciso de vocês dois.”
“Você já tem amor suficiente para dar.”
“Você deve estar cansado – depois de todo o seu esforço!”
“Estou sim.”
Ela beijou suas pálpebras e ele sorriu, lânguido, antes de relaxar no sono. Ela o observou por algum tempo. Seus sentimentos de amor, nascidos por Thurstan e amamentados por Claudia, agora aumentavam seu poder e não o destruíam, e ela absorvia energias enquanto seus amantes dormiam ao seu lado, armazenando-as em seu cristal abaixo. Palavras do Livro Negro continuavam retornando a ela. Ela nunca os havia compreendido antes, sabendo apenas que descreviam o processo de mudança necessário antes que um Mago ou uma Musa nascesse na frieza que jazia além do Abismo, onde Satã reinava. Ela não sabia o que a aguardava e se, dentro dela, essa mudança seria bem-sucedida, pois todos os seus livros silenciavam sobre isso e não havia ninguém a quem pudesse perguntar. Ela acreditava com certeza que seu próprio poder a confirmara, que ninguém vivo em sua época havia passado por aquele caminho rumo ao estágio final dos sete que marcavam o caminho satânico.
Essa crença, no entanto, a perturbava agora mais do que as mudanças internas causadas pelo amor — mais do que a dualidade que o amor assumira nas últimas horas de sua vida. Mais até do que a persistente força hostil que ainda cercava sua casa e chegava com a noite como granizo. Ela estava perturbada por Saer e tentou lançar uma imagem dele em seu cristal, mas alguma barreira além de seu poder de romper a impediu, e ela permaneceu acordada entre seus dois amantes, ponderando, em vez disso, os padrões que os Deuses Sombrios poderiam assumir quando, amanhã, como ela planejara, eles finalmente retornassem para espalhar seu caos pela Terra.
Só Saer, ela sentia, poderia impedi-la — e se ele tentasse, ela teria o poder de dois amantes para ajudá-la.
CAPÍTULO XVII
O velho que o resgatara dos satanistas deixou Jukes como chegara – sem cumprimentá-lo ou dar explicações – e Jukes caminhou em direção aos carros e aos membros trêmulos de seu Templo que haviam fugido de Algar.
Ele não falou com eles, e eles não lhe fizeram perguntas, e permaneceram sentados amontoados enquanto a lua nascia e seu senso de realidade retornava. Então, em palavras sussurradas, Jukes contou sua história e como desejava que eles se juntassem a ele na batalha que viria quando, com Pead, conjurariam do Abismo uma força destrutiva para enviar contra a rainha bruxa e sua casa.
Eles consentiram e, em todos os carros, seguiram pelas estradas iluminadas pela lua, subindo e descendo colinas e atravessando vales sinuosos até a casa escura de Pead. O cachorro rosnou, puxando a corrente com força, enquanto uma voz vinda da escuridão dizia: “Por que vocês vieram?”
Jukes apontou uma tocha para o rosto de Pead e a desviou. “Nós falhamos”, disse ele, explicando.
“Este homem”, perguntou Pead, “disse o nome dele?”
“Saer.”
“Saer? Pensei que ele estivesse morto!”
“Vocês o conhecem?”
“Não, mas há histórias. Entrem, meus amigos!”
Lá dentro, Pead acendeu uma única vela.
“Precisamos agir!” disse Jukes enquanto seus seguidores se adaptavam ao fedor e às sombras bruxuleantes.
“Esta noite, enviei um chamado contra eles.”
“Talvez Saer – “
“Se ele realmente estiver vivo, não sei onde encontrá-lo.”
“Ela não tinha poder sobre ele. Se – “
“Ele agiria se quisesse. Se não quiser, talvez também seja nossa vez de não fazer nada.”
“Mas precisamos fazer alguma coisa!” gritou Jukes. Vários membros do seu Templo, parados atrás dele, já se coçavam.
“Vejo que vocês não entendem.”
“Eu entendo”, persistiu Jukes, “o suficiente para saber que este planeta está ameaçado. Por ela e pelas forças que ela quer trazer.”
“Se Saer —”
“Saer isso! Saer aquilo! Quem é esse maldito Saer, afinal?”, disse Jukes com raiva, seu corpo tremendo em reação aos acontecimentos da noite.
“Ele é um homem velho, mais velho que eu — muito mais velho que eu — que em sua juventude buscou o segredo da Pedra Alquímica. Alguns dizem que ele a encontrou. Eu — eu não sei. Dizem que ele entende e pode controlar, se desejar, as próprias marés cósmicas. Ele teve uma aluna, uma jovem. Mas ela abusou de sua confiança e eles se separaram — ele para viver sozinho e ela para seguir o caminho sinistro. Mas isso foi há muito tempo. Ninguém ouviu falar dele ou o viu por — o quê? — talvez trinta anos.”
“Então ele é um Mago?”, perguntou Jukes.
“De fato. O único neste século — embora muitos tenham reivindicado o título, mas careciam da compreensão e do poder.”
Mesmo na penumbra, Jukes podia ver o sorriso malicioso de Pead. Ele ignorou a ofensa ao homem cujos ensinamentos seguia. “Mas certamente ele deve fazer alguma coisa.”
Pead deu de ombros. “Talvez ele esteja.”
“Eu não sinto nada.”
“Como eu.”
“Mas certamente”, persistiu Jukes, “sua própria aparição — o fato de ter me salvado — significa alguma coisa.”
“Talvez.”
Por anos, Jukes absorveu diversas teorias Ocultistas e rapidamente fez uma suposição. “Talvez tenha sido um sinal para agirmos? Talvez ele tenha nos escolhido para agir?”
“Eu não sei.”
“Eu vi e senti o poder que ele tinha. Ele deve ter desejado que eu fizesse alguma coisa. Poderíamos invocar Shugara.”
“Você sabe o que está pedindo?”
“Sim! Há muitos de nós para invocar tal poder.”
“É perigoso.” Pead encostou-se em uma de suas mesas, como se buscasse conforto nos livros sobre ela.
“Não podemos permitir que ela tenha sucesso. Shugara a destruiria – e a todos os seus seguidores.”
“E talvez a nós também.” Ele foi até onde uma pilha de pequenos manuscritos encadernados jazia no chão. Tirando um, começou a ler em voz alta. “Shugara é uma das mais perigosas de se invocar. Manifestações podem ser acompanhadas pelo cheiro de cadáveres em decomposição. Simbolizado pela carta de Tarô A Lua – Shugara é a grande Besta que vem do poço escuro sob a Lua. Seu chamado deve ser entoado na tonalidade de Sol maior…”
“É o único caminho!” disse Jukes com zelo messiânico.
“Em todas as minhas obras, nunca ousei –“
“Precisamos ousar agora! Escutem! Vocês acreditam no mal?”
“Mal?”
“Sim, o mal. Você acredita que existe um poder obscuro agindo nesta Terra?”
“Eu sei que existem forças obscuras que nós, como magos, podemos usar.”
“Sim, sim. Mas e a inocência?” Ele estendeu a mão para trás e puxou uma jovem membro do seu Templo. “Vê-la?” E a jovem corou. “Eu a chamaria de inocente — alguém que confia e acredita no bem. Agora”, continuou ele, inebriado por sua eloquência, “se eu, por qualquer motivo, a jogasse no chão e a estuprasse, eu destruiria essa confiança, essa inocência, não é?”
“Talvez.”
“Eu estaria impondo minha vontade sobre a dela, para realizar meu próprio desejo. Bem, eu realmente deveria respeitá-la – seus próprios desejos, pois ‘cada homem e mulher é uma estrela’ e ‘o amor é a lei, amor sob vontade’. Meu ato seria maligno.” Algo obscuro ocorreu em sua mente, mas ele não conseguiu definir e seguiu adiante. “Nossa magia – a corrente osiriana e a da criança que virá depois – é trazer amor a este mundo, trazer um Novo Éon. No entanto, ela – ele cuspiu a palavra – “quer quebrar nossa corrente mágica e impor a sua própria. Seríamos possuídos pelo poder que ela trouxe – invadido em nossas mentes. Haveria o mal – o fim do amor!”
Com suas palavras fortes, Jukes parecia ter invocado uma presença no quarto úmido e sombrio. Todos a sentiam – e Pead principalmente.
“Sim, você tem razão”, disse Pead, olhando para trás. “Faremos como você diz.”
“Então, vamos nos preparar”, disse Jukes confiantemente.
Pead pegou a vela e os conduziu até o quarto onde dormia. Eles não conseguiam ver as manchas de sangue que cobriam o chão, e ele colocou a vela perto da janela para buscar seu equipamento cerimonial. O círculo mágico, inscrito com sigilos e palavras de poder, quase preenchia o quarto quando unidos, e Jukes e seus seguidores permaneceram dentro dele enquanto Pead trazia velas, incenso, uma espada, pergaminho e caneta. O queimador foi aceso, o incenso queimado, o círculo purificado pela aspersão de sal e selado pela passagem da ponta da espada sobre ele.
Jukes e Pead permaneceram no centro enquanto os outros deram as mãos e começaram a caminhar, a princípio lentamente, no sentido do sol, ao redor do círculo. Pead desenhou um sigilo no pergaminho, mostrou-o aos quatro cantos do quarto e começou seu cântico.
“Eu invoco você, Shugara, que espreita à espreita nas profundezas do Abismo! Você é a Fúria e o portador da Morte! Ouça-me! E, ouvindo, ouçam o meu chamado! Pois eu sou o Senhor dos Poderes neste círculo – ouçam-me! E, ouvindo, ouçam o meu chamado!”
‘Shu-ga-ra!’ entoavam os dançarinos em círculo enquanto o incenso enchia o salão e as velas tremulavam. “Shu-ga-ra!”
“Shugara!” ordenou Pead. “Com este meu selo e espada eu o conjuro! Atenda às palavras da minha voz! Exarp! Bitom! Nanta! Hcoma! Eu governo sobre todos vocês: Gil ol nonci zamran! Micma! Venha, Shugara! A mim! A mim!”
Jukes sentiu o frenesi e começou a entoar o nome do demônio na tonalidade de Sol maior, enquanto Pead continuava com sua invocação e os dançarinos, circulando rapidamente, entoavam seu próprio cântico.
Primeiro, o cheiro os sufocou, depois o riso interrompeu seus cânticos. O sangue seco no chão pareceu ferver e então se infiltrou na sala, formando uma forma mal definida que pendia perto do teto. Pead começou a falar, mas a forma desceu, engoliu seu rosto e desapareceu.
“Seus tolos!” Ele sibilou antes de se virar e sair do quarto.
Lá fora, o cachorro rosnou, ganiu e depois ficou em silêncio. Quando Jukes o encontrou, estava morto. Jukes esperou muito tempo, mas não conseguiu ouvir nada. Deixou os instrumentos de magia, as velas e o incenso acesos, mas realizou um banimento para si mesmo e seus seguidores antes de conduzi-los para seus carros. Sentiu-se enjoado e oprimido e, em silêncio, dirigiu lentamente pela noite, sabendo que Pead estava possuído e provavelmente morreria. Não havia nada que pudessem fazer, exceto esperar que, de alguma forma, ele cumprisse o propósito do ritual.
Havia pouco trânsito enquanto dirigiam pelas ruas em direção a Londres, sentindo que poderiam ter falhado. Em seu estado depressivo, Jukes não se importava em deixar Claudia e, à medida que o tempo da viagem se transformava em horas e as nuvens cobriam a lua, ele passou a acreditar que suas próprias crenças eram uma ilusão. Nada estava ameaçado, não havia poderes tentando romper as dimensões, nenhuma magia – apenas alucinações e pavor. Ele encontrou conforto nesses pensamentos, uma sensação da realidade retornando, e tudo o que ele queria era voltar para seu apartamento, jogar fora seus livros e começar uma vida normal. Podia esquecer os terrores da noite. Era como uma pessoa repentina e inesperadamente trancada em uma cela de prisão – primeiro, houve a perda da vontade, uma descrença, a lenta depressão do choque e, em seguida, a adaptação gradual à realidade do ambiente. Mas não haveria raiva, nenhum ressentimento repentino por esse destino, como poderia haver para alguém injustamente preso. O terror havia queimado isso de sua alma como um relâmpago queima a casca das árvores.
Pela primeira vez na vida, Jukes sentiu a necessidade de um amor pessoal. Sua necessidade não era pelo amor que era uma ideia que carregava na cabeça, nem por aquilo que era apenas uma palavra na fé de outra pessoa, usada para trazer um pouco de autoimportância à sua vida, como quando usava uma mulher em um ritual mágico ou na vida real. Em vez disso, sua necessidade era pelo conforto e pela alegria suave que o amor pessoal às vezes podia trazer, e enquanto dirigia cuidadosa e lentamente em direção às luzes de Londres, estendeu a mão para a jovem ao seu lado. Ela não recusou, pois amava seu carisma como Sumo Sacerdote e, com seu jeito gentil e confiante, segurava seus dedos firmemente.
O simples gesto destruiu todos os demônios do passado de Jukes.
CAPÍTULO XVIII
Era madrugada quando Thurstan acordou e encontrou Claudia ainda dormindo ao seu lado. Era a mão dela, que repousava em seu ombro, seu hálito quente contra seu rosto, e por algum tempo ele pensou que a lembrança de Melanie entre eles fosse a lembrança de um sonho.
Um edredom fino os cobria, mas a proximidade, o ombro nu de Claudia e a lembrança do corpo dela despertaram a paixão de Thurstan, que estava prestes a acariciar seu seio quando ela acordou. Por um momento, houve medo em seus olhos, que ele viu destruindo sua paixão. Ela sorriu para ele e em seu sorriso havia uma confiança vulnerável e constrangedora, que trouxe a Thurstan a lembrança de todas as mulheres que ele amara e o motivo pelo qual as amava.
Ele a beijou, como um irmão faria, antes de sair do quarto para procurar suas roupas. Vestido, vagou pela casa, mas não conseguiu encontrar Melanie. O ar do fim do verão era ameno e nebuloso, e ele sentou-se na grama do jardim murado, escutando. Uma calma contemplativa o invadiu, e ele poderia ser um monge taoísta meditando no ar parado da aurora. Estava em paz consigo mesmo e sentia-se, de uma forma mais forte do que nunca, que o mundo, e ele próprio, se desdobravam à sua maneira natural. Era também belo, de uma forma estranha e calma, e ele sentou-se, muito quieto, mas sem esforço, enquanto a suave euforia o inundava.
O humor o abandonou lentamente. Seu fervor noturno era irreal – uma lembrança de outra pessoa. A calma que sentia agora era real, e ele percebeu, com uma percepção repentina, que era esse sentimento que desejava acima de tudo compartilhar com Melanie. Era a beleza, a calma que encontrava ao olhar nos olhos de uma mulher – a gentileza que experimentava às vezes quando se deitava nu ao lado da mulher que amava e ela demonstrava, por meio de uma carícia, um beijo ou um sorriso, que se importava com ele. Era o anseio que sentia por estar com uma mulher sensível – o desejo suave de fazer amor com ela, lenta e gentilmente. Todos os momentos compartilhados, todas as experiências de duas pessoas apaixonadas seriam uma lembrança desses momentos, uma entrega e um retorno, um abraço mútuo e a quebra de barreiras, que ele não sabia que palavras poderiam descrever.
A energia da noite, até mesmo a magia, era estranha para ele. Ele queria que seu amor vulnerável o conduzisse, junto com a mulher que amava, a uma outra existência, e começou a sentir que tal amor poderia, de uma forma que ele não entendia, afetar o mundo, como outrora acreditara que a oração a um deus poderia. Ele sabia que isso era um ideal – mas era alcançável, se o amor fosse mútuo e sem reservas. Começou a pensar em como um monge ou uma freira, dedicados à contemplação, poderiam buscar amar a Deus – ele queria e precisava amar uma mulher dessa maneira: uma mulher de carne e osso que correspondesse aos seus beijos, que risse, chorasse, dançasse, ficasse brava ou triste, mas que, quaisquer que fossem as emoções e qualquer que fosse a experiência, o amasse fielmente como ele a amaria. Haveria uma qualidade sagrada em tal amor.
Ele não precisava da energia do poder, da magia ou do dinheiro, pois sentia que a beleza da vida residia em sua simplicidade, numa espécie de desapego, e enquanto se sentava no ar ainda quente do amanhecer, apenas com o som do canto dos pássaros ao seu redor, com o corpo e a mente lânguidos, sentia-se fácil acreditar em um deus que poderia ter criado tudo — ou em alguma força, talvez chamada Destino, que governava o funcionamento do cosmos. Enquanto se sentava, ele estava ciente do sofrimento e da miséria no mundo, assim como estava ciente de que ele próprio não era Deus — nem mesmo um deus. Ele não entendia o sofrimento ou a miséria, mas sentia que tudo o que podia fazer era tentar mudar a si mesmo, reorientar de alguma forma sua própria consciência para não aumentar aqueles fardos.
Todos os fios de sua vida se reuniam nos momentos em que se sentava: as memórias, às vezes dolorosas e intensas, das mulheres que amara; as lições de seu próprio passado, seus sentimentos e pensamentos sobre os outros. Ele os atraiu para si por meio de um processo silencioso de pensamento, a fim de tornar seus sentimentos e memórias conscientes e parte de um todo, e, ao concluir a tarefa, sua visão de mundo havia mudado profundamente. Sentiu que finalmente havia descoberto a realidade de si mesmo, soterrado por tanto tempo em uma confusão de sentimentos, estados de ânimo e desejos.
Talvez sua percepção intuitiva da vulnerabilidade de Cláudia ou das estranhas coisas mágicas que vira tenha causado isso. Ele não sabia nem se importava particularmente. Havia uma felicidade dentro dele, que era gentil e o fazia sorrir. Ele se sentia apaixonado pelo mundo e possuía uma consciência de significado. Sentia que havia algo além de sua própria vida, que um modo de vida particular criaria – que compartilhar amor com outra pessoa tornaria possível. Talvez esta fosse outra vida em outro plano de existência. Era uma sensação nebulosa, essa crença, que ele não conseguia formular diretamente em ideias expressas pelas palavras de seus pensamentos, mas ainda assim real para ele, e ele a adicionou à sua visão de mundo antes de se levantar da grama e caminhar, sob a luz do sol, em direção à casa.
Um homem estava perto da porta, apoiado em uma bengala de freixo. Era Saer e ele estava sorrindo. Thurstan piscou surpreso – e Saer havia sumido. Thurstan sentiu que tinha visto um fantasma e não se deu ao trabalho de procurar o velho.
Melanie sentou-se ao lado do cristal em seu Templo e ele ficou ao lado dela.
“Você quer se casar comigo?”, perguntou ele.
“O quê?”
“Você quer se casar comigo? Deixar tudo isso e vir morar comigo na minha casa?”
“Você está falando sério?”
“Sim.”
“Há muitas coisas que preciso fazer.”
“Esqueça-as. Esqueça tudo isso.”
Ela sorriu para ele. “E Cláudia?”
Ele suspirou. “E Cláudia. Não posso dividir você.”
“Tudo o que tenho é, a partir de hoje, seu – e dela.”
“Não quero nada além de você.”
“Nada?”
“Nada. Nem dinheiro, nem poder – seja lá o que for. Ganho o suficiente para sustentar nós dois, se vivermos com simplicidade.”
“Você nunca mais precisará trabalhar.”
“Mas eu preciso.”
Ela riu e tocou o rosto dele. “É um ideal adorável e romântico! Mas impossível.”
“Por que não?”
Ela gesticulou em direção ao seu cristal. “Esta é a minha vida.”
“Eu posso ser sua vida.”
“Mas por quanto tempo?”
Thurstan estremeceu, e naquele momento parte de sua esperança se extinguiu. “Podemos tentar.”
“Por que essa mudança repentina?”
“Tudo isso realmente não sou eu. Você tem poder, dinheiro, carisma — e magia para prender as pessoas a você, para controlar. Eu amo o que está além de tudo isso em você. Meu mundo real é lá fora, sentada ao sol ouvindo o canto dos pássaros, observando as nuvens ou esperando os sapos retornarem na primavera. Eu não pertenço a este lugar — em um Templo, fazendo rituais estranhos.”
“Você está me tentando”, disse ela sorrindo.
“Como você me tentou?”
“Talvez.”
Eles ficaram em silêncio por um longo tempo até que Thurstan disse: “Você poderia usar seu poder para me prender, mas…”
“Eu não tenho mais nenhum poder sobre você”, disse Melanie suavemente. “Eu sabia disso quando você entrou aqui.”
“Você ainda me ama então?”
“Não é o meu amor que me torna incapaz de te prender. Há algo mais.”
“O quê?”
“Você gostaria de levar o café da manhã para a Cláudia? Há muitas coisas para fazer esta manhã.”
“Case comigo.” Como ela não respondeu, Thurstan disse: “Bem, pelo menos venha comigo.”
“E se eu quiser que você fique aqui comigo? Compartilhe o meu mundo?”
“Acho que não daria certo”, disse Thurstan, tristemente.
“Você poderia tentar.”
“Seria um jogo. Qual seria o sentido?”
“Para aproveitar o jogo, talvez.”
“Quero ir direto para o que está além de tudo isso.”
“Nossa ponte está em perigo.”
Thurstan olhou para ela e começou a chorar. Ele não emitiu nenhum som e Melanie enxugou as lágrimas com a mão.
“Vá agora”, disse ela. “Antes que eu faça algo de que me arrependa.”
A luz do sol parecia dolorosa para ele enquanto caminhava pela entrada da garagem em direção à estrada. Ele não olhou para trás e ela não correu atrás dele, e ele caminhou lentamente, arrastando os pés como um velho, pela estrada e descendo em direção à estrada. Parou por vários minutos para se apoiar na ponte perto do final da estrada, observando e ouvindo o fluxo rápido da água. Um ciclista, com roupas coloridas e cuja bicicleta estava carregada de alforjes, passou e lhe desejou bom-dia.
“Lindo dia!” disse Thurstan.
“Sim, esplêndido!” respondeu o viajante antes de reduzir a marcha e subir a colina.
A paisagem, o clima, o breve contato humano encantaram Thurstan, trazendo vida ao mundo ao seu redor. Melanie, a rainha bruxa satânica, não era deste mundo ao qual ele pertencia, e enquanto Thurstan se afastava para pegar a trilha neolítica que subia as encostas do Mynd a uma milha de distância, sua tristeza foi aliviada por um pressentimento de alegria.
CAPÍTULO XIX
Para Melanie, a casa pareceu suspirar enquanto Thurstan partia. Sua própria dor era mais longa, e quase uma hora depois ela foi para o quarto e encontrou Claudia dormindo.
Por vários minutos, ela ficou parada, observando a mulher adormecida. Havia uma gentileza e confiança em Claudia que trouxeram a Melanie a intuição de um tipo de amor que ela não conhecia, nem talvez compreendesse, e ela permitiu que a dor pela perda de Thurstan aguçasse essa intuição. Mas ela não conseguiu manter essa percepção em sua consciência e partiu, imbuída novamente de seu papel e Destino, para fazer os preparativos para o ritual noturno.
Não haveria sacrifício, apenas uma invocação de poder sombrio através de seu cristal – uma quebra dos portões pelo frenesi direcionado dos membros de seu Templo e dos convidados que ela havia convidado de todo o mundo. As horas do dia passaram rapidamente para ela; Claudia estava feliz, recebendo convidados, preparando o Templo e a comida para o banquete, que se seguiria à convocação, orientando os servos que a manhã havia trazido para a casa a mando de Melanie.
Cinquenta e quatro pessoas estavam reunidas no Templo enquanto a escuridão lentamente cobria a terra ao redor. Melanie os deixou enquanto seus cantores iniciavam seu canto dissonante e seus dançarinos começavam a dançar lentamente, extraindo de si uma pirâmide crescente de poder. Cláudia a esperava no Templo secreto, com as mãos no cristal, e logo a luz difusa do chão começou a mudar de cor até que uma aura púrpura os envolveu.
Havia um anseio em Melanie enquanto ela estava ao lado de sua Sacerdotisa e amante. Mas não era um anseio por amor – apenas um desejo frio de alterar os padrões de vida no mundo e, assim, cumprir seu Destino, trazendo os Deuses Sombrios de volta à Terra. Ela estava suspensa entre seu passado, com todo o seu carisma e poder, e o futuro que poderia ter sido possível se ela tivesse se rendido ao amor de Thurstan. Ela só tinha consciência de si mesma através das imagens do passado e de seus sentimentos ainda incipientes por Cláudia: desligada da realidade de seu corpo e de suas emoções pessoais. O poder invocado parecia atraí-la para o Abismo e para os espaços além do Abismo, onde ela nunca estivera.
O Abismo estava dentro dela, dentro de Cláudia, dentro de todos no Templo e de todos fora dele. Era um assombro, terror e intoxicação primitivos, e ela entrou nele, sentiu suas energias se formando em formas prontas para ascender à Terra através de seu cristal e Templo. Ela não tinha consciência do mundo ao seu redor e, portanto, não viu a porta do Templo secreto se abrir nem o homem lascivo que entrou.
A escuridão do Abismo atraiu a escuridão que havia possuído Pead, pois o fez sentir a vulnerabilidade de Cláudia. Ele rosnava como o animal em que havia se transformado enquanto apertava as mãos em volta do pescoço dela. Melanie ouviu o grito, mas estava paralisada pelo Abismo e só conseguiu retornar lentamente ao mundo dos vivos quando, inadvertidamente, Cláudia acionou o mecanismo que abriu o poço sob o cristal. Ela e Pead permaneceram na borda enquanto o pedestal com o cristal deslizava para o lado.
“Levem-me!” gritou Melanie. Mas era tarde demais e, ao se aproximarem, tropeçaram e caíram no poço.
Silenciosamente, o pedestal retornou para selá-los na escuridão profunda. Melanie não conseguiu fazê-lo se mover e ensanguentou as mãos ao tentar. E quando o fez, nenhuma resposta veio aos seus repetidos chamados, apenas o silêncio se erguendo da escuridão apodrecida abaixo.
O poder do cristal havia desaparecido e ela escondeu as lágrimas enquanto caminhava em direção ao Templo e seus adoradores. Eles ainda cantavam e dançavam, sem saber que o verdadeiro poder havia desaparecido do cristal, da casa e de sua Senhora, todos eles reverenciavam. Melanie observava e ouvia, ciente de que o que sentiam enquanto cantavam e dançavam era apenas uma sombra bruxuleante. Então, ela os deixou selando-a em seu quarto.
Ela ficou sentada por um longo tempo, vagamente consciente das horas que passavam e das pessoas que se afastavam da casa, perplexas. Eles dançaram, entoaram cânticos e esperaram que ela aparecesse, mas, como ela não apareceu para levá-los ao Abismo, esperaram novamente até que a percepção do fracasso os fez se arrastar e se afastar.
O amanhecer a atraiu para o seu jardim e, nos longos momentos em que caminhava descalça pela grama orvalhada, ela encontrou uma resposta para sua dor. Era uma resposta sem palavras – um sentimento que a atraía para além do Abismo frio, para onde um novo universo a aguardava. Ela estava à deriva neste universo, flutuando entre as estrelas e galáxias do amor, da tristeza, do sofrimento e da alegria, e enquanto vagava conscientemente, seu corpo se contraiu e lágrimas brotaram em seus olhos.
Imagens e sentimentos a invadiram enquanto um sistema giratório de planetas e estrelas se forma a partir do caos e atravessa uma galáxia que ultrapassa outros começos quando o próprio tempo é comprimido. As imagens eram do seu passado, mas os sentimentos a elas associados não eram os sentimentos originais. Havia tristeza em vez de exultação, amor em vez de raiva, pesar em vez de alegria. Eles haviam mudado porque sua perspectiva havia mudado, pois ela estava se vendo e seu passado não como antes através de seus próprios olhos, mas de além de si mesma, onde outras pessoas eram parte dela de uma forma que trazia a consciência de sua tristeza, paixão, mágoa, estreiteza, amor e estupidez. Ela era Thurstan sentado no café, segurando sua mão e tremendo de expectativa de amor; ela era Claudia deitada sendo beijada pela primeira vez por uma mulher – o homem possuído que, em cegueira e ódio irrefletido, havia matado Claudia.
As imagens e os sentimentos a invadiram e, quando se foram, ela ficou sentindo tristeza e amor. Sua tristeza residia na falta de visão – ela extraía forças de dentro e de fora de si mesma e as usava para realizar sua vontade e seus desejos: nada havia sido real para ela, exceto esses poderes e ela mesma. Aqui, o amor residia num anseio por tentar compreender, entregando-se, compartilhando o que sentia com alguém que a compreendesse.
A tristeza que a invadiu a libertou de seu passado: foi uma tempestade que arrebentou suas amarras e rompeu a ancoragem de seu eu, de modo que ela se tornou um navio navegando livre, soprado por ventos que ela não compreendia. Seus sentimentos por Thurstan, sua breve tristeza pela morte de Lois, seu breve amor por Cláudia eram arautos distantes da tempestade que havia chegado.
Gradualmente, seu anseio se transformou em anseio por amor. Ela sentiu o azul do céu acima derramar-se sobre ela como o calor do sol, sentiu a totalidade dos padrões da Natureza diante dela como se fossem todas notas de uma bela peça musical – Vivaldi, talvez, exultando em canto o deus de sua fé, ou Bach transformando uma fuga até o fim. Ela recebeu as emanações que a inundavam com uma alegria raramente conhecida, exceto em breves momentos de paixão física, e sentiu-se feliz, triste, compassiva, extasiada e com medo, até que uma visão a acalmou. Sua visão era do mecanismo vital e inefável do próprio cosmos – o eterno além das formas transitórias que a vida assumia através do processo de lenta evolução para algo além de si mesma.
Ela sentia esse algo como um vasto oceano calmo onde a evolução terminava e começava em uma felicidade transcendente indescritível. Mas a visão logo passou, e ela se viu deitada na grama de seu jardim, no ar frio da manhã.
Por mais de uma hora, ela permaneceu deitada, calma e respirando suavemente, enquanto os sentidos físicos retornavam ao seu corpo e uma consciência de si mesma lhe trazia a necessidade. Ela não queria se mover, pois não queria que a calma, sua percepção do todo do qual fazia parte, terminasse, e quando se moveu, foi para caminhar lentamente em direção ao seu carro e se afastar de casa, na esperança, ao fazê-lo, de que Thurstan ainda a amasse.
CAPÍTULO XX
O passado retornou a Jukes. O dia mal havia passado após a noite de seu retorno quando sua percepção se dissipou. Ele estava na cama com sua nova e gentil amante quando ligaram.
“Espero que não se importe que liguemos”, disse o jovem nervoso.
“De jeito nenhum.” Ele gesticulou para o sofá e observou atentamente enquanto se sentavam. A jovem de cabelo curto era bonita, usando um vestido roxo, enquanto o jovem de barba rala parecia tímido e sem força de vontade.
“Ouvimos falar do seu grupo”, disse o homem, “e estamos muito interessados.”
“Como você soube?”, perguntou Jukes.
“Ah… o sujeito da ‘Livraria Oculta’.”
“Na verdade…”, começou Jukes.
“Ele disse que você era um Adepto — e que gostaríamos muito de aprender com você.”
“Como assim?”
“Ser um de seus alunos.”
Jukes ficou lisonjeado e, ao olhar para a mulher, ela desviou o olhar e corou. Sua nova Sacerdotisa entrou trazendo um bule de chá em uma bandeja – ela sorriu para ele com amor, mas o sorriso dele foi breve e ela se sentou em um canto, quieta e confiante, enquanto Jukes começava a manipular, novamente.
Ele falou sobre o caminho Oculto, as dificuldades e o sacrifício necessários, e a importância de estar disposto a aprender. Ele os atraiu para si, falando sobre o Aeon vindouro, quando indivíduos verdadeiramente livres mudariam o mundo para sempre. Falou da magia interior, que poderia ser extraída e ajudar cada indivíduo a encontrar sua Verdadeira Vontade, e enquanto falava, aproximava-se do tema da Iniciação e dos atos de magia sexual. Seu desejo pela mulher sentada à sua frente crescia à medida que falava, moldando sua vontade por meio de palavras que se infiltravam em seus novos seguidores como um parasita se infiltra no intestino do hospedeiro.
“Você é muito sensível – a certas forças”, disse ele à mulher.
“Acho que não”, disse ela suavemente.
“Parece-me que você tem um dom natural.” Ele sentiu que o elogio foi bem recebido. “Ele pode ser desenvolvido por certos meios, se você desejar.”
Por horas, ele falou enquanto eles ouviam. Sentia um poder ao falar com eles sobre magia, uma maestria que o deixava confiante. Ele era um Adepto e os guiaria em direção à compreensão mágica. Parte dele também era sincera e, ao longo dos anos, cobriu seus desejos com nomes encantadores, à medida que sua presunção de ter alcançado o Adeptado fazia com que tudo o que ele fazia ou escolhia fazer parecesse certo tanto para o cosmos quanto para ele. Seus nomes eram Destino, Amor Livre e os Escolhidos.
Com o passar das horas, ele se tornou seu papel – não havia dicotomia dentro dele. Seus pupilos seriam um meio, enviado por seus deuses, pelo qual ele próprio – e eles – poderiam alcançar maior compreensão mágica.
A escuridão chegou cedo, protegendo, e sua Sacerdotisa acendeu algumas velas para iluminar e contribuir para a atmosfera de magia que ele estava construindo com suas palavras. Os terrores de seu passado recente tornaram-se racionalizados enquanto ele falava – Pead havia causado infortúnio a si mesmo com seus atos de sacrifício passados, e os terrores na casa satanista eram o resultado de uma batalha entre Saer e a mulher que havia atraído Claudia. Não era sua batalha, e seu único erro fora se envolver. Esse envolvimento fora obra de Claudia, que estava obviamente sendo manipulada por outros poderes que emanavam da casa satanista.
Jukes ficou satisfeito com sua compreensão. Descreveu aos seus novos pupilos o ritual que Pead havia realizado e explicou como o mago foi possuído.
“Então, vejam, sempre há perigo presente. Precisamos aprender a dominar nossas vontades!”
Seus dois pupilos se entreolharam, e a mulher assentiu.
“Quando”, perguntou o homem, “podemos ser iniciados?”
Jukes fingiu considerar o assunto cuidadosamente. “Temos uma reunião na próxima semana na qual a Iniciação poderá ocorrer.”
“Sério? Assim que possível?” O homem ficou surpreso.
“Claro, se você quiser adiar –”
“Não, não. O que você sugere está ótimo. Estamos ansiosos para começar nossa jornada.”
“Ótimo. Eu vou providenciar tudo.”
“Posso lhe perguntar uma coisa?” Pela primeira vez, a mulher falou.
“Sim, sim!”
“O que aconteceu com o homem naquele ritual?”
Jukes riu. “Ele provavelmente ainda está vagando por aí, completamente louco!”
Jukes ficou feliz em vê-los partir, sabendo que a mulher logo seria sua e que sua Sacerdotisa estaria mais do que disposta a agradá-lo quando retornassem para sua cama. Ele dormiu bem naquela noite, cansado do esforço físico e seguro novamente dentro do mundo que havia criado. Ele não ouviu sua Sacerdotisa chorar, um pouco, ao amanhecer, enquanto ela pressentia o que a próxima semana traria. Mas ela aceitaria, pois era apenas uma Sacerdotisa e ele era seu professor.
Lá fora, dois Melros cantavam para ela dormir.
CAPÍTULO XXI
“Portanto, que cada mortal veja o último dia quando morrer — sem se considerar afortunado, até que cruze a fronteira desta vida sem sofrimento.”
Thurstan escreveu as palavras lentamente, saboreando-as, antes de reunir as páginas espalhadas de sua tradução. Deu uma olhada, satisfeito com o trabalho de meses, mas triste porque teria que pensar em outra coisa para fazer nas longas horas que passaria sozinho, enquanto o verão se transformava em outono e trazia a escuridão da noite para cobrir as horas do entardecer.
Uma premonição do amanhecer lhe ocorreu enquanto olhava pela janela para as colinas a leste, e apagou as velas com as quais gostava de trabalhar. O ar lá fora era fresco como o do início do outono, e ele ficou parado à porta da casa, respirando-o lentamente. Não havia vento para quebrar o silêncio, e ele caminhou até seu pequeno jardim, crivado de ervas daninhas e grama alta, para observar a névoa da Aurora crescer. A definição de cerca, árvore, campos e colinas surgiu lentamente, em ritmo com o canto dos pássaros, como se essas mesmas canções estivessem despertando Eos de seu sono. A luz crescente, embora sem calor, ainda despertava a fria tristeza de Thurstan, enquanto ele esperava o deus-sol nascer. E quando Ele o fez, subindo firmemente entre as fendas das colinas no horizonte, Thurstan sorriu em reverência.
Frases de sua tradução se repetiam em sua mente, e não lhe pareceu muito tempo desde que Sófocles vira ou imaginara o sol nascendo sobre as montanhas da Fócida: “Brilhante como uma chama das neves do Parnaso, surge uma voz…” Quem, Thurstan se perguntava, havia compreendido a mensagem nos séculos seguintes? Sua própria tentativa de apresentá-la em sua própria língua fracassaria se ela fosse impressa e lida? A arrogância – a rebeldia que rompia o equilíbrio do cosmos – aumentaria? O equilíbrio poderia algum dia ser restaurado?
Ele não sabia as respostas para essas perguntas, assim como não conhecia nenhuma resposta que fosse solução para os problemas de sua própria vida, e contentou-se em apreciar o belo mundo ao seu redor; as vistas, os sons e os cheiros do deus-céu e da mãe-Terra. A Terra ao seu redor era real de uma forma que suas memórias e sonhos não eram, e enquanto estava ali, vivenciando o amanhecer, esqueceu seu amor por Melanie e seus sonhos de compartilhar sua vida, contentando-se com seu trabalho nos jardins da mãe-Terra e com seu trabalho noturno de traduções.
Ele se sentiu em paz novamente e sentou-se no degrau para planejar sua próxima tradução. A rotação da Terra trouxe o sol mais alto em seu céu enquanto ele se sentava, desfrutando do calor de seu último dia livre do trabalho. Amanhã, com suas breves férias encerradas, ele retornaria à fazenda para esticar e alongar os músculos e se deliciar com suas tarefas simples.
O sol estava quente quando ele ouviu um veículo se aproximando, mas não se levantou nem mesmo ao reconhecer o carro, que freou bruscamente. Melanie veio em sua direção e sua paz desapareceu como a escuridão sob um raio. Por minutos, eles ficaram ali, abraçados.
“Eu te amo.” As palavras de Melanie eram um feitiço que a prendia a ele. Ela sabia que seriam assim e nunca as usara antes.
“Você parece mudada”, disse Thurstan enquanto ela começava a chorar suavemente.
“Claudia está morta.”
Ele a beijou, sentou-a em uma cadeira de jardim ao sol, preparou e trouxe um bule de chá Shenca e sentou-se ao lado dela para ouvi-la falar. Ela falou do homem que entrou correndo em sua casa, atraído de alguma forma pelo poder que ela invocava, de como ele parecia sentir, assim como ela, a inocência de Claudia. Descreveu o poço em que caíram, onde o corpo desfigurado de Algar jazia apodrecendo: de como ela havia deixado sua dor levá-la até seu jardim e como a luz crescente de um novo dia lhe trouxera a compreensão da tragédia de seu passado.
“Seu amor simples”, disse ela, “rompeu o escudo que me cercava. Não sei como ou por quê, mas rompeu.”
“O que você vai fazer?”
Ela riu. “Você quis dizer o que disse?”
“Sim.”
“Então eu quero ficar aqui, com você.”
Nuvens começaram a se acumular ao redor do horizonte leste das colinas enquanto eles falavam, crescendo à medida que um vento soprava para moldá-las e movê-las pelo céu e cobrir, brevemente, o sol. Outras nuvens mais escuras se seguiram.
“Mas sua casa, seus planos?”
“Eu os esquecerei.”
“Você consegue?”
“Sim. Minha perspectiva pode ter mudado, mas não minha vontade!”
Thurstan ficou encantado, tanto com a resposta quanto com o espírito que a proferiu de seus lábios. “Você quer se casar comigo, então?”, perguntou ele.
“Sim!”
Eles se beijaram como novos amantes enquanto as nuvens cobriam todo o céu.
“Vamos entrar?”, perguntou Thurstan.
“Eu gostaria disso.”
Melanie disse por dentro: “Sabe o que eu desejo?”
Ele estava em sintonia com ela e respondeu: “Acho que sim.”
“Talvez seja possível, pois não tenho proteção e meu ciclo está certo.”
Esse novo desejo intensificava a proximidade que encontravam enquanto corpos nus se deitavam sobre corpos nus. A chuva caía ao redor da casa onde jaziam, suando. Caiu como uma tempestade sobre o telhado e as janelas, um contraponto ao êxtase e ao amor apaixonados, e quando terminou e eles se deitaram entrelaçados enquanto o sol lançava raios de luz através de uma janela, Melanie começou a chorar. Chorou baixinho por um longo tempo, como se as lágrimas a purgassem do passado. Thurstan sentiu isso e as enxugou enquanto ela descansava a cabeça em seu peito.
A batida na porta assustou os dois. Thurstan cobriu apressadamente parte de sua nudez.
“Sim?”, perguntou ele ao abrir a porta.
O velho estava com roupas esfarrapadas e levou alguns segundos para que Thurstan reconhecesse Saer.
“Desculpe-me por me intrometer — em tal hora”, sorriu Saer. “Posso entrar?”
Thurstan estava relutante, pois sentia que Saer era mais do que uma intrusa. “Prefiro que não faça isso.”
“O poder dela se foi.”
“Por favor, vá.” Thurstan não entendia o que estava acontecendo, mas Saer parecia uma ameaça para ele de alguma forma.
“Não posso partir sem ela.”
As palavras atingiram Thurstan como golpes. “Vamos nos casar.”
“Não pode ser”, disse Saer baixinho.
“Deixe-nos em paz!” gritou Thurstan e, com raiva, fechou a porta. Ele a trancou antes de voltar para Melanie.
Saer estava ao lado da cama. “Não pode ser”, repetiu.
A ira de Thurstan o fez se mover em direção a Saer, que levantou a mão. O corpo de Thurstan ficou paralisado e ele só pôde observar enquanto Saer entregava suas roupas a Melanie.
“Eu vou te matar!” gritou Thurstan.
Saer sorriu.
“Por que você está fazendo isso?” Thurstan perguntou, percebendo que sua raiva era inútil. Melanie não olhou para ele e parecia estar em transe.
Saer sorriu e a raiva de Thurstan retornou. Ele a canalizou para o corpo. Tremendo com o esforço, ele só conseguiu mover os pés um pouco para a frente.
“Durma agora”, disse Saer baixinho.
Os olhos de Thurstan estavam se fechando e ele não conseguia impedi-los. A última coisa que viu foram os olhos suplicantes, mas indefesos, de Melanie. Então ele estava sonhando. Estava em seu jardim sob um sol escaldante – mas seu jardim era diferente: cheio de belas flores e grama luxuriante. Claudia, radiantemente bela, estava ao seu lado e segurava seu braço. Ele se sentia em paz com ela e ouvia quase em êxtase enquanto ela falava.
“Você fazia parte do plano dele. Ele não podia fazer nada até que seu amor quebrasse o poder dela.”
“Ajude-me”, pediu Thurstan.
“Não podemos fazer nada aqui.”
Thurstan acordou e se viu deitado em sua cama. O luar atingiu seu quarto e ele tentou separar o sonho da realidade e a realidade do sonho. Foi um processo lento, mas auxiliado pelo perfume de Melanie, que ainda permanecia em seu travesseiro, e quando terminou, ele se lembrou do carro dela.
Ainda estava do lado de fora de sua casa. Ele se sentiu desconfortável com seu poder e dirigiu cuidadosamente pelas vielas e estradas iluminadas pela lua até a casa dela, que encontrou vazia e fria. Nervoso, acendeu todas as luzes enquanto andava de cômodo em cômodo e de andar em andar, evitando o templo de cristal dela. Mas ele não sentiu nem viu nada além das sombras e medos de sua própria mente. E as memórias de seu breve tempo juntos.
Só a biblioteca possuía algum calor, como se indicasse as respostas que esperava encontrar, e ele fechou a porta antes de folhear os livros. Todos eles, e os manuscritos encadernados como livros, eram sobre alquimia, magia ou ocultismo. Ele conseguia ler o latim dos manuscritos e livros medievais, mas o que eles relatavam não o interessava, pois os livros posteriores não despertavam o desejo de ler mais. Até mesmo o Livro Negro de Satã, sobre a mesa, parecia-lhe irrelevante. Eram todos compilações de palavras-sombra, parecendo a Thurstan estar aquém do objetivo que os pesquisadores que as haviam escrito deveriam ter almejado. Seu instinto era observar de forma contemplativa alguma faceta do cosmos – ficar do lado de fora, na escuridão da noite, ouvindo a música tênue que viajava das estrelas até a Terra – em vez de se encerrar no útero quente de uma casa para ler os escritos de outros. Demônios, feitiços, poderes ocultos, a transformação de metais comuns em ouro, até mesmo as promessas de poder e transformação para si mesmo, não eram importantes para Thurstan, e ele deixou a biblioteca com seu conhecimento armazenado, segredos proibidos e deuses à espreita para caminhar no jardim iluminado pela lua.
As estrelas não cantavam para ele – ou ele não conseguia ouvi-las em meio à turbulência de seus pensamentos –, mas sua lenta caminhada, guiada pela lua, trazia calma. Seus sonhos de compartilhar a vida com Melanie ainda eram vívidos, mas ele percebeu que, se tal compartilhamento não acontecesse, não aconteceria. Ele poderia tentar, pela força ou até mesmo por magia, reconquistá-la. Mas, se conseguisse, seus sonhos só se tornariam realidade se ela desejasse torná-los realidade para ele, e tudo o que ele podia fazer era dar a ela a liberdade de escolha. Saer a estava usando – para qual propósito ele não sabia – e ele tentaria encontrá-la, de alguma forma, para lhe dar a promessa de escolha. Ele não tinha medo de Saer, nem se preocupava com os poderes mágicos que possuía, pois, enquanto caminhava com uma calma que se aprofundava e trazia consciência dos ritmos do cosmos, sentia que era seu destino tentar encontrá-la. O que acontecesse, quando e se ele encontrasse, aconteceria, como a primavera acontece após a escuridão fria do inverno.
CAPÍTULO XXII
Não foi uma longa espera. Thurstan não entrou no Templo secreto nem usou o cristal nem qualquer meio mágico. Seu caminho não era o caminho da magia, mas sim o do pensamento sensível, e sentou-se na grama úmida e fria para fechar os olhos e pensar em Melanie.
O que viu o guiou e ele caminhou sob o luar pelas estreitas e sinuosas vielas montanhosas, cantando baixinho para si mesmo. Suas canções eram de suas traduções e ele inventou a música para combinar com o ritmo de seus passos. Havia alegria nele então, uma simplicidade que lhe dava a força da água e sua capacidade de seguir qualquer canal ou se moldar, sem deixar de ser ela mesma para qualquer recipiente ou recipiente. Seu objetivo era uma pequena cabana de pedra com um telhado inclinado e janelas minúsculas ao lado de uma trilha sem sinalização que serpenteava entre os mamelões, entre as encostas ocidentais do Mynd e as árvores da Colina Linley. Ninguém passava por ele enquanto caminhava, e os campos estavam silenciosos e parados. A trilha que escolheu o levou por cem metros através de uma floresta, passando por um riacho que descia entre duas colinas, curvando-se para o leste e subindo para o norte, entre as terras rochosas e áridas. Ao terminar abruptamente, a casa de campo abrigou brevemente o breve sol de inverno. O amanhecer estava quase nascendo atrás dele quando bateu na velha porta de carvalho cravejada.
Ninguém veio atender seu chamado e ele abriu a porta. Lá dentro, à luz bruxuleante de uma lareira, viu Saer curvado em um banquinho diante da lareira, enquanto Melanie dormia encostada na parede, na cama embutida. O amplo cômodo compreendia toda a casa e cheirava a avelã queimada misturada com pinho. Saer, embora surpreso, não se moveu.
“Você é persistente.” Saer não olhou para Thurstan, mas ainda assim encarou as grandes chamas que consumiam a madeira, com esporádicos estalos de galhos e dedos.
Thurstan não fechou a porta, mas começou a caminhar em direção a Melanie. De repente, Saer se levantou.
“Deixe-a”, disse ele baixinho e ergueu a mão esquerda.
Por um instante, as feições de Saer pareceram, para Thurstan, lacertilianas, mas a impressão logo se dissipou, restando apenas um velho de cabelos brancos em pé diante de uma fogueira. Assim que Thurstan tocou Melanie, ela acordou. “Ela é minha”, disse ele, quase com tristeza.
“Não cabe a você nem a mim, mas a Melanie decidir”, disse Saer, e sorriu. Foi um sorriso gentil, e ele ergueu a mão novamente.
Thurstan apenas suspirou e segurou a mão de Melanie.
“Eu consigo ver”, disse Saer a Thurstan, “os poderes que você agora representa.”
“Eu não tenho poder algum — apenas meu amor por ela.”
“Mesmo agora você não entende.” Saer se virou para Melanie. Está escrito: ‘Baphomet é uma deusa de aspecto violento que se lava no sangue de seus inimigos. Ela é a noiva de Lúcifer – um Portal para os Deuses Sombrios além desta Terra. Suas filhas são Poder, Vingança e Luxúria, mas a única criança viva na Terra nascida dessas crianças é o Demônio chamado Amor.’
“Então eu”, disse Melanie, compreendendo de repente, “como Senhora da Terra, atravessei o Abismo.”
“Para trazer a este mundo o que deve ser.”
“E agora devo escolher?”
“Sim.”
Por um longo tempo, Melanie olhou para Thurstan. “Devo ir com Saer”, disse ela finalmente. Naquele instante, sentiu seus poderes mágicos retornarem.
“Mas eu –”
“Não diga nada.” Ela pressionou o indicador contra os lábios dele.
“Não entendo”, disse Thurstan, quase chorando de emoção.
Melanie sorriu tristemente. “Haverá tempo suficiente para a compreensão na velhice. O que vive agora e cresce dentro de mim sempre fará parte de você.”
Ela beijou sua bochecha e ele ficou tão emocionado que não conseguiu fazer nada além de observá-la e Saer caminhando em direção à aurora que se aproximava. Então, de repente, eles desapareceram. Ele correu para fora, mas não conseguiu encontrá-los.
Afastou-se lentamente da casa. A luz da aurora parecia sugar a névoa do chão, mas ele não se importava. Moveu-se, como um velho sofrendo com as dores nos membros, através da névoa fria e às vezes rodopiante, por um caminho que o levou em direção ao Mynd e subiu abruptamente até seu cume plano, onde se posicionou, bem acima da névoa, para observar os vales cobertos de névoa abaixo. A urze começava a exibir a glória de sua cor, e ele caminhou por ela em direção ao norte, pela estrada rachada e pedregosa, parando frequentemente para se virar e esperar. Mas ninguém nem nada lhe veio – nenhuma voz, canção ou suspiro. Havia esperança dentro dele enquanto caminhava, como tantas vezes caminhara ao longo do topo quase plano daquela longa e bela montanha baixa. Mas a esperança não durou, pois ele sentia que nunca mais a veria – nunca conheceria seu filho. A própria Terra parecia estar sussurrando-lhe as palavras desta verdade. Começou a sentir, lentamente, que para ele havia magia de verdade ali, onde a charneca se abria para formar cavidades profundas, lar daquelas filhas da Terra conhecidas como nascentes e riachos, e onde a trilha neolítica ouvira talvez dez milhões de histórias. Nenhum fio de nuvem veio estragar a glória do sol enquanto ele nascia sobre as colinas onduladas e salpicadas além do vale de Stretton, quilômetros de distância e abaixo. Nenhum ruído para quebrar o silêncio quase sagrado ouvido. Por um instante, pareceu que alguma divindade, estranha, mas pura, viera ao mundo e sorrira.
O sorriso poderia ter sido de compreensão, mas Thurstan sentou-se na urze e chorou.
CAPÍTULO XXIII
Chovia ainda e o dia estava nublado quando Jukes chegou à casa de Pead, convocado pela avareza. Seu medo começou a se dissipar ao ver que estava vazia, inalterada desde a noite do ritual – exceto pelo fedor do cachorro desmembrado, meio comido e apodrecido.
Ele selecionou seus pertences cuidadosamente, levando apenas os livros e manuscritos mais raros para seu carro, onde sua Sacerdotisa o aguardava, acalmada por suas palavras encantadoras: “Ele disse que se algo acontecesse com ele, eu ficaria com seus livros…”
Assim, ele trabalhou enquanto ela, em confiança, esperava. E quando, para sua satisfação, a coleção estava completa, ele dirigiu, curioso, para ver de uma distância segura a casa onde Cláudia o havia deixado e onde ele pensava que ela vivia escravizada à sua amante satânica.
Um velho vagabundo se afastava da direção da casa e Jukes o deteve, dizendo: “Você sabe quem mora lá?”
“Naquela casa?”, disse o velho antes de cuspir no chão. “Está vazio – já faz semanas, se quer saber. Nenhuma caneca de chá para mim, com certeza.”
Jukes não agradeceu, nem o observou se afastar. Estava excitado e conduziu sua Sacerdotisa pela entrada da garagem até a casa, enquanto, atrás deles, Saer se virava na chuva e sorria.
Jukes tentou abrir a porta e, para sua surpresa, a encontrou aberta. A casa estava quente, reconfortante depois da chuva fria, e eles caminharam pelo corredor com Jukes chamando “Alô?”.
Ninguém apareceu. Jukes deixou sua Sacerdotisa, pois se sentia estranhamente excitado. A casa, ele sentia, era uma mulher bela e ele a estava violando. Estava cheio de luxúria física, sentia-se poderoso e começou a explorar todos os aspectos de seu corpo quente e perfumado – na esperança vaga de encontrar uma mulher de verdade que pudesse estuprar. Ele procurou avidamente pelos quartos – acariciando os lençóis de seda – enquanto procurava avidamente peças de roupa, que esperava que, por sua textura e cheiro, pudessem trazer para perto dele a mulher que procurava. A noite caía de fora enquanto ele vagava, trazendo luz e mais calor para dentro da casa. Mas Jukes não percebeu isso. Sua excitação se intensificou até que ele se tornou um homem determinado apenas a estuprar. Ele não viu as sombras de seu próprio Abismo enquanto elas se reuniam ao seu redor, balbuciando palavras de encorajamento, pois não encontrou em sua busca a mulher que desejava. Mas ele se lembrou de uma mulher, esperando por ele lá embaixo.
Ele a encontrou dormindo em uma cadeira iluminada pelo brilho de um grande cristal à sua frente. Ele não se importava com o quarto estranho nem se perguntava sobre o cristal. Ele se importava apenas em satisfazer sua luxúria – ele queria, como nunca antes, abusar dela cruelmente, espancá-la e estuprá-la selvagemente. Ele era forte de corpo e usaria sua força para se satisfazer, forçando-a para baixo dele.
Ele se moveu em sua direção, com um olhar malicioso. Mas, então, ela abriu os olhos e sorriu.
Jukes percebeu que não conseguia se mover e não viu a porta se fechar atrás de si. “Você é minha agora”, disse a mulher que um dia fora sua amante voluntária. “Com um olhar, posso matá-la!”
Jukes não duvidou. A realidade retornou rapidamente para ele. Ela não era mais sua Sacerdotisa, mas uma mulher, sua senhora, que por magia controlava sua vontade. Ao lado do cristal onde ele observava impotente, havia um colar de âmbar, e ela se levantou da cadeira para pegá-lo. Ela ainda sorria enquanto desenfiava uma conta, que começou a brilhar em seus dedos. Ela o mostrou a ele, zombeteiramente, e riu antes de enfiá-la novamente e colocá-la em volta do pescoço.
“Você é minha”, ela repetiu e sorriu. “Através Daqueles a quem nunca nomeamos, nós, que nos vestimos de negro, possuímos esta rocha que chamamos de Terra.”
Ela ainda não sabia o que faria com seu novo poder, mas havia tempo de sobra para pensar em algo, muitos livros secretos para ler. O velho que a guiara do corredor até aquele quarto retornaria, um dia, para instruí-la, ela se lembrava de ter dito.
——
Thurstan viu as luzes na casa de Melanie e esperou. Esperou por um longo tempo no frio e na escuridão, tentando esquecer a fome, o cansaço e a chuva. Por fim, as luzes diminuíram, até que todas se apagaram, e ele caminhou, confiante em seu amor e ainda esperançoso, em direção à porta. Não estava trancada.
Havia uma mulher dormindo na cama de Melanie. Ele não a acordou, nem ao homem que encontrou dormindo em outro quarto, mas os deixou e a casa para caminhar pela estrada escura que o levaria ao Mynd, descendo o vale e de volta à sua cabana.
“Sou um velho no corpo de um jovem”, disse a si mesmo enquanto caminhava em meio à chuva. Talvez um dia ele voltasse a amar, mas a destruição de seus sonhos o transformara, fazendo-o desejar viver sozinho, satisfeito com suas traduções. Ele não compreendia completamente seu passado recente, mas sentia que o filho de Melanie, quando nascesse, seria importante de alguma forma para o mundo – uma espécie de canal para as forças que ela e Saer representavam.
Ele já vira o suficiente das dimensões ocultas do mundo para perceber sua falta de conhecimento, mas essa falta não o incomodava. Seguiria seu próprio caminho, lentamente, como talvez conviesse a um eremita-erudito, buscando, através da lentidão dos anos, uma espécie de paz interior no pequeno pedaço de Terra que era seu lar. A mudança viria – como sempre acontecera e sempre aconteceria – e ele suspiraria, enquanto valorizava o que sabia.
Na chuva, ele pensou ter ouvido um estranho deus-estrela criador suspirar, mas continuou andando – balançando a cabeça diante da perplexidade que era a vida humana e da tristeza que era a destruição de seus sonhos.
Incipit Vitriol…
Em seus primórdios – nós, esperávamos. Em sua busca – nós estamos. Antes de você – nós existimos. Depois de você – nós seremos, novamente. Antes de nós – Aqueles que nunca são nomeados. Depois de nós – Aqueles que serão, esperando.