
Fora dos Círculos do Tempo
Por Kenneth Grant, Fora dos Círculos do Tempo, Introdução. Tradução de Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.
Ao longo dos séculos, alguns indivíduos sensíveis – sacerdotes de crenças antigas que inspiraram os poetas e profetas dos tempos antigos – desenvolveram a sua receptividade, obtendo assim vibrações e impulsos cósmicos. A consciência da humanidade foi preparada, através de tais indivíduos, para a transformação que estamos a testemunhar (e que alguns de nós experimentamos) no mundo de hoje.
Hoje vivemos um momento crucial de transição de uma era para outra, embora o período da nova era já tenha começado. Nestes tempos tornou-se possível ver a sucessão dos aeons ou ciclos de tempo, não como um processo sequencial, mas como um fenômeno simultâneo. Isto se reflete na consciência de certos indivíduos que se libertaram da escravidão das dimensões espaciais, através das quais existem fora dos círculos do tempo.
Nos meus livros anteriores tentei apontar algumas das transmissões e canalizações mais significativas que ocorreram e se manifestaram nos últimos anos. Desde o aparecimento, em 1888, da Doutrina Secreta de Blavatsky, tão mal compreendida e interpretada, vários ocultistas, poetas e pintores rasgaram o Véu de Ísis [NOTA 1] e penetraram nas maiores profundezas de um Mistério que a ciência oficial só agora começa a desvendar em flashes espasmódicos.
Aleister Crowley, talvez mais do que outros ocultistas, forneceu um caminho direto e profético para a compreensão dos mistérios dos aeons e da evolução da consciência humana com tudo o que tal evolução acarreta. O “Livro da Lei” permaneceu um obstáculo intransponível, um desafio perpétuo para aqueles que duvidavam da validade do “Livro de Dzyan [NOTA 2]” de Blavatsky, onde, até certo ponto; Sua zombaria sobre a origem misteriosa que ela afirma para o livro é possivelmente justificável. No entanto, isto não se aplica ao “Livro da Lei” e às estranhas circunstâncias que levaram ao trabalho de Charles Stansfeld Jones (Frater Achad), o homem referido no referido Livro como a “criança”, cuja existência foi um canal temporário o Livro, sem Crowley saber de nada. Todas as circunstâncias que envolvem este assunto são descritas por Crowley nas suas “Confissões” (1), bem como a sua permanente perplexidade e confusão face ao desafio que representava para a sua natureza humana a questão da existência no Universo, ou além, de inteligências preterhumanas funcionando independentemente das estruturas cerebrais ou de qualquer outro mecanismo conhecido da consciência humana.
O que nos interessa aqui é que Frater Achad proclamou e atestou o fato de ter penetrado num Aeon de Verdade e Justiça – tecnicamente conhecido como o Aeon de Maat – que substituiu o Aeon de Hórus inaugurado por Crowley em 1904, com a sua recepção do “Livro da Lei”. 6 Se as investigações de Achad tivessem sido o único resultado, alguém poderia estar inclinado a rejeitar o seu trabalho como uma maquinação, ou talvez como um desenvolvimento ao longo de uma linha peculiar que era inaceitável para Crowley. Mas desde a morte de Achad, vários ocultistas trabalhando de forma independente e, em alguns casos, inconscientes do trabalho de Crowley, materializaram vários aspectos das mudanças aeônicas percebidas por Achad. Estas mudanças revelam a existência de um modelo, de uma consciência gerada e vital, seguindo uma linha que vai desde as fantasias de Blavatsky, passando pela paixão ardente de Crowley, até às raras e fantásticas visões dos mundos lovecraftianos, onde as forças consideradas na antiguidade como sombrias e diabólicas são agora revelados pela ciência como os anti-mundos e espaços internos do universo conhecido.
Os antigos gnósticos desenvolveram uma elaborada aeonologia que incluía ciclos de tempo e palavras mágicas de poder. Da mesma forma, no Extremo Oriente, desenvolveram-se sistemas como os yugas, mahayugas, kalpas e mahakalpas, que nada mais eram do que ciclos dentro de ciclos. Em tempos mais recentes – durante a vida de muitos dos leitores deste livro – um novo Aeon começou, a Era de Aquário, conhecida por vários nomes em diferentes cultos.
Diz-se que a duração de um Aeon é de aproximadamente 2.000 anos, mas um Aeon também foi definido como “um período de tempo imensurável” (2), e os metafísicos mostraram que o tempo é um conceito falso adotado por conveniência, talvez até mais do que seu conceito irmão, o espaço. O dístico do Necronomicon citado no início deste livro é de sinistra importância. Na verdade, como Achad e outros demonstraram (cada um independentemente), os aeons não são necessariamente sucessivos.
Os aeons podem estar entre outros aeons, como períodos de tempo infinitamente pequenos ou incomensuravelmente grandes. Contudo, o Aeon de Hadit de um ponto de vista mundano não precisa ser imensurável; Não precisa estar no tempo!
Cada era histórica ou Aeon teve sua Palavra ou fórmula mágica, mas a atual Era de Aquário começou sem uma Palavra. Aleister Crowley, que anunciou o primeiro ciclo desta Era (3), falhou em pronunciar a Palavra; Meher-Baba, que prometeu aos seus devotos que o culminar dos seus longos anos de silêncio acabaria por florescer numa Palavra Suprema, morreu sem a ter pronunciado.
Poderia este Aeon de Hórus ser o “Aeon sem Palavra”, o Aeon do Caos Supremo que os adeptos e profetas de todos os tempos e lugares temiam desde eras imemoriais? Esse Aeon pode estar agora sobre nós, mas ainda há esperança para os últimos dias da Era de Aquário, para aquele ciclo complementar ao Aeon do Filho que é o da Filha, também conhecido como o Aeon de Maat.
Há quem afirme já ter ouvido a Palavra daquele Aeon distante, suas fórmulas mágicas adotam modelos surpreendentes e praticam feitiçarias muito estranhas por trás de sua “Doutrina Negra”, a doutrina da “Filha do Crepúsculo de Pálpebras Azuis”. Isto envolve a fórmula de Ma-Ion (4) e a manifestação da Mani-Pedra, ou joia sagrada no centro do lótus.
A Pedra Mani é o símbolo especial do feminino em sua fase virginal ou “filha”, representando a mulher cuja boca emite os oráculos, trazendo à manifestação através da mesma boca a joia talismânica que realiza todos os desejos.
Devido ao enigma das mulheres e ao seu papel nos ritos secretos do ocultismo, o Aeon de Maat está envolto em mistério e os seus simbolismos são obscuros. Nos nossos dias, a emergência da mulher como um ser de pleno direito, livre e capaz de controlar o seu próprio destino, com o desconforto indireto de poder superar o homem em conhecimento e poder, abre o caminho para o advento daquele aeon onde ela funcionará como uma porta através da qual as forças e influências cósmicas serão invocadas.
Em “O Segundo Anel do Poder” (5) Castaneda refere-se à fórmula dos “voltigeurs” quando se refere a uma das aprendizes de D. Juan, a qual diz:
“As mulheres são melhores que os homens nesse sentido. Elas não precisam pular no abismo. A mulher tem seu próprio caminho, ela tem seu próprio abismo, porque a mulher tem a menstruação. O Nagual me disse que esta era a porta e que durante o período nos tornamos algo mais.”
“O Nagual disse a mim e às irmãzinhas que durante o período menstrual os sonhos se tornam poder… nesses dias uma fenda se abre diante de nós… dois dias antes da menstruação uma mulher pode abrir a fenda e passar por ela para o outro mundo.”
Sri Haranath (6) escreveu:
“Não há dúvida de que todo o corpo das mulheres terrestres representa as forças originais insondáveis… aproximar-se delas a partir de uma distância prudente é a única chave para a solução do mistério que as cerca; a mulher sustenta o passo para obter a libertação final. Seu poder também contém sempre forças obscuras que podem transformar esse passo em um caminho confortável e limpo para a perdição. Para administrar essas forças diametralmente opostas, nossa submissão incondicional é essencial…”
No mesmo volume de cartas, Haranath descreve os atributos duais da mulher como “toda vontade e toda alegria”, e em outro lugar os descreve como a personificação da vontade e do caos (a matéria original sem forma). Mais tarde ele declara: “Seus aspectos alegres são um bem agradável e prolífico, enquanto sua natureza diabólica é mortal e macabra… somente uma combinação de dualidade como essa é capaz de me instruir e salvar”. Tentarei agora avançar uma possível interpretação mágica desta doutrina.
Dependendo de como abordamos (ou seja, adoramos) as mulheres, elas podem nos levar ao céu ou ao inferno. Conforme mencionado no AL (7), ela pode destilar o veneno venenoso e fatal da serpente, ou emanar os gloriosos kalas [NOTA 3] das estrelas.
Aleister Crowley proclamou ser o profeta de um Novo Aeon, o Aeon de Hórus caracterizado pela Força e pelo Fogo, que começou em 1904. Quarenta e quatro anos depois, em 1948, seu “filho” mágico, Padre Achad, anunciou o início do Aeon de Maat (o Aeon da Justiça e da Verdade). De acordo com a antiga tradição oculta, um aeon dura aproximadamente 2.000 anos. A compatibilidade de dois aeons passando ao mesmo tempo é, portanto, uma impossibilidade lógica. No entanto, sabemos agora que a coincidência aparentemente anômala de dois ou mais aeons que se manifestam simultaneamente não é absolutamente impossível, quando consideramos o tempo como uma “pericorese”, ou intrusão no espaço presente do passado e do futuro que envolve uma implosão de sincronicidade, e não como uma sequência linear de espaços ou eventos. A pesquisa de Achad sobre o AL, realizada independentemente de Crowley, levou a alguns significados extremamente profundos, que estão agora sendo investigados por Sóror Andahadna e alguns outros. Este trabalho demonstra uma continuidade da corrente iniciada por Crowley.
A importância do tantra em conexão com o Novo Aeon mágico torna-se compreensível à luz dos futuros papéis das mulheres como acesso a outras dimensões. Quando Sri Ramakrishna foi questionado sobre a validade do uso do sexo com um significado de cultura espiritual, ele respondeu o seguinte:
Sei que isso também é um caminho, mas é um caminho sujo. Assim como existem diferentes tipos de portas de acesso a uma casa – a principal, a dos fundos, a de serviço, a de varredura, etc. – que servem para eliminar a sujidade, e todas conduzem ao interior da casa, na mesma forma sabemos que este também é um caminho, por cuja porta as pessoas podem acessar a casa, e atingir plenamente o objetivo (8).
Tendo em vista a célebre insistência do Parahamsa no ascetismo sexual, a resposta será, sem dúvida, enfática. Seu ponto de vista só é compreensível se a mulher for considerada uma deusa ou um veículo da Deusa, e for considerada como tal durante os ritos tântricos. Esta é certamente uma forma muito elevada de ascetismo (9). Isto significa que a mulher é considerada um veículo de influências sobre-humanas ou divinas; e considerando – como já apontei em “o Lado Noturno do Éden [NOTA 4]” – que as energias sexuais podem ser invocadas para ativar a área de Daath-Yesod (10), que é a área chave para obter acesso ao outro lado do a Árvore da Vida, não é difícil entender as palavras de Ramakrishna. Experimentando, como o fez, a vasta extensão de sua consciência enquanto mantinha comunhão direta com o Espírito cósmico na forma da Deusa Kali, ele não poderia deixar de estar ciente dessas outras dimensões descritas pelos Cabalistas como qliphóticas. Daath é a décima primeira sephira e onze é o número místico das qliphoth e da magia ou “energia que tende à mudança”. Energizada pela lua de Yesod, torna-se a porta para o Abismo e para os Túneis de Set que estão sob os caminhos da Árvore. De acordo com o “Livro de Thoth”, o Atu 11 representa a Fórmula da Luxúria, e o Atu 9 (o número de Yesod) resume o simbolismo da Semente Secreta (Yod) do Eremita, adorada no Culto do Esperma. Se juntarmos os dois números da fórmula mágica da O.T.O. – onze e nove – eles produzem o número 20, que é o número do Atu intitulado “O Aeon”. A letra anexada a este Atu é Shin, sendo também a insígnia de Set; Este é um ideograma da tríplice língua de fogo (11) e um nome secreto da corrente lunar (ieSin). Entre duas luas, Daath e Yesod, brilha o Sol, cujo número -6- somado a 20, resulta no número de KEBAD, o marido da “Lilith impura”, o que corrobora o fato de que com a aplicação frontal (12), a corrente sexual gera substâncias, enquanto aplicada dorsalmente gera sombras (13). A Sacerdotisa de Set trabalha com a contracorrente, que dá origem aos cultos das Sombras, com Lilith descrita como a Deusa suprema.
É importante fazer uma última observação, e faço-o sem pedir desculpas. Não é meu propósito provar nada; Meu objetivo é construir um espelho mágico capaz de refletir algumas das imagens evasivas que foram vistas como sombras de um aeon futuro. Os meios que usei para isso são a sugestão, a evocação e aqueles “conceitos intermediários” oblíquos que Austin Osman Spare define como “Nem-Nem [NOTA 5]”. Quando isso é compreendido, a mente do leitor torna-se receptiva à influência de certos conceitos que podem (se não forem recebidos distorcidos) fecundar as dimensões desconhecidas de sua consciência.
Para conseguir isto, precisamos de desenvolver uma nova forma de comunicação; a linguagem deve renascer, reviver e tomar um novo rumo e um novo momento. A verdadeira imagem criativa nasce da imaginação criativa e este é, em última análise, um processo irracional que transcende os suportes habituais da lógica humana.
É bem sabido que cientistas e matemáticos desenvolveram uma linguagem enigmática, evasiva, sutil e fugidia e, portanto, essencialmente cósmica, adotando formas de comunicação quase cabalísticas, frequentemente mal interpretadas pelos próprios iniciados.
A nossa posição não é totalmente desesperada, pois estamos a lidar principalmente com o complexo corpo-mente na sua relação com o universo, e o aspecto corporal está profunda e sensivelmente enraizado na terra. As nossas mentes podem não compreender, mas nas camadas mais profundas do subconsciente, onde toda a humanidade partilha canais comuns, há reconhecimento instantâneo. De forma semelhante, os recursos de um mago em suas cerimônias estão em harmonia com as forças que ele deseja invocar; Assim, um autor deve prestar considerável atenção à criação da atmosfera adequada para suas operações. As palavras são seus instrumentos mágicos, e sua vibração não deve produzir simplesmente um som arbitrário, mas uma elaborada sinfonia de reverberações tonais que ativa uma série crescente de ecos profundos na consciência de seus leitores.
Não é possível dar mais ênfase ou apreciação à importância primordial desta forma sutil de alquimia, porque é nessas nuances que reside a magia, e não necessariamente nos significados racionais das palavras e números utilizados.
Por outro lado, é muito comum sugerir que certas palavras “não” são utilizadas, mas indicadas ou implícitas em outras palavras que não têm relação direta com elas, para produzir definições mais precisas. O edifício de uma “construção da realidade” às vezes só pode ser elevado por uma arquitetura de ausência, em que o edifício real é revelado e escondido ao mesmo tempo por uma estranha e assombrada estrutura de probabilidades. São legiões, e é a faculdade criativa do leitor – desperto e ativo – que pode encher a casa de almas. Portanto, este livro pode significar muitas coisas para muitos leitores e coisas diferentes para todos, mas não pode ser sem sentido para todos, porque a casa é construída de tal forma que os ecos não se perdem.
NOTAS À INTRODUÇÃO, POR KENNETH GRANT
1.- “As Confissões de Aleister Crowley”, editado e anotado por Symonds e Grant em 1979 Routledge & Keegan, especialmente capítulos 49 a 85.
2.- Dicionário Oxford.
3.- Tecnicamente conhecido como o Aeon de Hórus, a Criança Coroada e Conquistadora. Para um desenvolvimento completo desta expressão, veja minha Trilogia Tifoniana (O Renascer da Magia, Aleister Crowley e o Deus Oculto e Cultos da Sombra).
4.- Ver Glossário.
5.- “O Segundo Anel do Poder” de Carlos Castaneda.
6.- “Cartas Selecionadas do Pagal Haranath”, partes 1 e 11.
7.- AL vel Legis (o Livro da Lei), geralmente conhecido como AL, nome que usaremos a partir de agora.
8.-Citado em “O Grande Mestre Srihi Ramakrishna” de Swami Saradananda.
9.- “O homem que despreza a mulher como ser humano, mesmo que tenha a melhor disposição, não será capaz de alcançar a perfeição por mais que cante mantras, e seus resultados serão adversos” (Uttara Tantra Cap. 2).
10.-Ver glossário, para este e outros termos incomuns usados neste livro.
11.-A forma caldeia da letra Shin.
12.-Como nas operações do Grau IX da O.T.O.
13.-Como nas operações do Grau XI da OTO.
NOTAS À TRADUÇÃO, POR ÍCARO ARON SOARES
1 – O Véu de Ísis refere-se à deusa Ísis de Saís, Plutarco nos diz que ela era famosa pela inscrição a respeito dela que aparecia na frente de seu templo naquela cidade egípcia: “Eu, Ísis, sou tudo o que foi, é ou será; nenhum homem mortal jamais retirou o meu véu.” Blavatsky faz referência ao Véu de Ísis ao nomear o seu livro “Ísis Sem Véu”.
2 – Também conhecido como as Estâncias de Dzyan.
3 – Os kalas são os fluidos do corpo humano (principalmente os fluidos sexuais: sêmen, sangue menstrual, ejaculação feminina), segundo Grant, eles são originários das estrelas e servem como portais para que inteligências ulteriores possam acessar este plano.
4 – Nightside of the Eden, neste livro, Kenneth Grant dá ênfase nos Túneis de Set, também conhecidos como os Túneis de Tífon, que conectam uma Qliphah a outra na Árvore da Morte.
5 – O Neither-Neither, “Nem Isto, Nem Aquilo”.
SOBRE O TRADUTOR
Ícaro Aron Soares, é colaborador fixo do PanDaemonAeon e administrador da Conhecimentos Proibidos e da Magia Sinistra. Siga ele no Instagram em @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.