
Manuscrito da ONA
Tradução de Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares.
O Caminho Rounwytha – uma das três práticas da O9A {1} – é a parte mais negligenciada da cosmovisão da Ordem dos Nove Ângulos (O9A/ONA), com tal negligência contribuindo para a incompreensão básica da própria O9A, que existe não apenas entre ocultistas e satanistas modernos autoproclamados, mas também entre acadêmicos interessados ou que pesquisam o que é frequentemente chamado de esoterismo moderno.
O Caminho Rounwytha – também conhecido como “a ronda” – é uma tradição esotérica pagã auditiva, nativa de uma área rural específica das Ilhas Britânicas, de alguns empatas (a maioria dos quais eram e são mulheres) para os quais não há ensinamentos, dogmas, rituais, feitiços, conjurações, encantamentos, estações abstratas determinadas {2} e nenhuma divisão não natural entre “nós”, como mortais, e a Natureza e “os céus” além; Por mais evidente que seja essa divisão não natural, postula-se, e então se nomeia, divindades e seres sobrenaturais separados. Portanto, não há deuses, nem deus, nem deusa; não há “demônios” ou “familiares” nomeados. Em vez disso, há uma consciência muito individual e sempre silenciosa, uma apreensão intuitiva, decorrente de um dom natural (um talento natural) ou daquela faculdade de empatia que pode ser cultivada – segundo a tradição – por uma pessoa que se propõe a viver sozinha em um lugar selvagem por cerca de seis meses e, alguns anos depois, a viver sozinha por um mês lunar em uma caverna escura ou em algum local subterrâneo {3}.
Em essência, o Caminho Rounwytha é uma manifestação – uma presença – do muliebral, especialmente do “conhecimento acausal” que surge da empatia com a Natureza e “os céus”. Como Myatt explicou a respeito do muliebral:
“O que é muliebral não pode ser corporificado em alguma organização ou movimento, ou em algum -ismo, ou em qualquer forma causal – e certamente não pode ser expresso por meio de palavras, sejam elas faladas ou escritas – sem transformá-lo, distorcê-lo, do que é em algo diferente. Pois o muliebral, por sua própria fisis, é pessoal, individual, e apenas presente na imediatez do momento, e, portanto, não pode ser objeto de uma aspiração suprapessoal e, portanto, não deve ser ‘idealizado’ ou mesmo sujeito a um esforço para expressá-lo em alguns princípios (políticos ou outros), ou por algum axioma ou axiomas, ou por algum dogma. Pois todas essas coisas – formas e palavras incluídas – são manifestações, uma presença, do que é, na φύσις, másculo e temporal. Ou, expresso de forma mais simples, o muliebral presencia e manifesta o que é acausal – o que, no passado, muitas vezes nos inclinou a apreciar o numinoso – enquanto o másculo presencia e manifesta o que é causal, temporal e o que, no passado, muitas vezes nos inclinou à arrogância e ao egoísmo.” {4}
O Caminho Rounwytha também representa aquela percepção pessoal que um indivíduo que busca uma busca mística ao longo da vida, como o Caminho Setenário, pode descobrir além do Abismo:
“A sabedoria adquirida, a descoberta do lápis-lazúli philosophicus durante o penúltimo estágio do Caminho – significa duas coisas particulares, e sempre significou: (i) viver in propria persona, de maneira privada e sem toda pose, toda retórica, toda pompa, todas as ideações; e (ii) ter uma apreciação, uma consciência (sem palavras, ritual, pensamento) do que agora é às vezes conhecido como acausal – da Natureza, do Cosmos, das conexões que unem a vida e, portanto, da ilusão que é a vontade individual, e cuja ilusão tolamente faz com que uma pessoa acredite que ‘ela’ está ou pode estar ‘no controle’. Essas duas coisas formam a base de um modo de vida particular e recluso de um tipo particular de pessoa: o tipo conhecido, em uma localidade, como o viajante do Caminho.” {5}
Esta percepção pessoal é da unidade sem nome, sem palavras, além de nossas ideações mortais e abstratas de “sinistro” e “numinoso”, do Caminho da Mão Esquerda e do Caminho da Mão Direita, e também – e importante – de “tempo”. Pois é a nossa ideação de “tempo” – com sua suposição de uma possível progressão temporal, por meio de várias formas causais temporárias, em direção a algo “melhor” ou mais “avançado” ou mais “perfeito” (em termos pessoais ou suprapessoais) – que fundamenta a abordagem magiana/patriarcal/masculinista que dominou, e ainda domina, o ocultismo ocidental e o esoterismo em geral, fundamental para o qual é um egoísmo arrogante: “a ilusão que é a vontade individual”.
Aspectos da percepção abissal – da apreensão descoberta por alguém renascido além do Abismo – são (i) a necessidade de equilibrar o másculo com o muliebral; (ii) “a perspectiva aeônica”; (iii) a importância das línguas esotéricas (manifestada, pelo O9A, em Canto Esotérico e no Jogo das Estelar); e (iv) a feitiçaria aeônica.
A perspectiva aeônica, por exemplo, proporciona uma compreensão da feitiçaria aeônica:
(i) Da limitação – e da “mortalidade” – de todas as formas causais e por que, em relação a certos objetivos aeônicos, são (α) as décadas e séculos de mudança alquímica (interna) cumulativa dos indivíduos individualmente (via pathei-mathos), e (β) os mythoi, e (γ) os “símbolos numinosos”, que são de importância primordial. Pois são tais coisas que apresentam, ao longo de longos períodos de “tempo” causal, aquela energia acausal que é a gênese de uma evolução genuína, daquelas mudanças que perduram além de cada mortal e além de todas as colocações de mortais (encurraladas, por exemplo, por “impérios”, Estados, nações, ideologias, ou por algum líder ou por alguma causa ou partido político).
(ii) De por que e como cada ser humano – cada mortal – é apenas um nexion e, portanto, pode, via mimese esotérica, restaurar ou alterar (de maneiras particulares) o que outros podem ter, por meio de formas causais ou por meio de sua vivência, temporariamente alterado.
ROUNWYTHA E O9A – DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
O “conhecimento acausal” da Rounwytha – do tipo particular de feiticeira que a Rounwytha é – sem palavras, e de forma pagã, abrange o conhecimento esotérico que a O9A descreve pelo termo perspectiva aeônica. Mas, em vez da “feitiçaria aeônica” da O9A (e, portanto, no lugar de uma dialética sinistra/aeônica e de uma estratégia esotérica específica e certas táticas), há apenas uma preocupação com o que é familiar, local ou comunitário, de modo que, para a Rounwytha,
“não há interesse, nem preocupação com questões que vão além da família, da área de moradia e dos problemas dos vizinhos que eles pessoalmente trazem à atenção da pessoa porque podem precisar de ajuda ou assistência.” {6}
Além disso, pode ter havido no passado um ato – como, segundo alguns relatos orais, pode ter havido um raro incidente recente – pelo qual se considerou necessário restaurar o equilíbrio que alguma pessoa em particular, ou algum feito ou feitos, ou alguma ocorrência natural, havia perturbado em sua área local, e, portanto, por que ocasionalmente e em relação a alguma pessoa corrupta,
“por que sua remoção – por exílio ou por abate – acabaria (curaria) com a doença, restauraria o equilíbrio que seus atos corruptos e eles próprios haviam causado, restaurando assim o fluxo natural e as dádivas da Vida: saúde, fecundidade, felicidade e boa fortuna.” {6}
Pois o Caminho Rounwytha é muito individual, enraizado em uma área rural específica, e que ocasiona certas responsabilidades e deveres naturais e necessários a certos outros na mesma localidade. Um Caminho que continua e manifesta o que a cosmovisão pagã — pelo menos na Europa — antigamente personificava: uma compreensão intuitiva/empática de nós mesmos e de nossa comunidade rural local como uma conexão afetiva e efetiva com a Vida {7} e uma conexão que não precisava de deus, nem deuses ou deusas nomeados, nem “orações”, nem ritos ou rituais: apenas aquelas oferendas pessoais deixadas sem palavras aos deuses/divindades (sempre sem nome), e a habilidade natural de uma feiticeira empática (ou, mais raramente, um feiticeiro) de prever/preconhecer e intuitivamente/empaticamente (e assim sem palavras) saber como restaurar (frequentemente via memese) o equilíbrio natural que algum mortal, ou alguma ocorrência natural, havia temporariamente perturbado. Esta é a compreensão da fortuna e do infortúnio pessoais e comunitários como uma dádiva: uma manifestação, para nós, mortais, de como a Natureza e “os céus” funcionam e de quem, o quê e por que nós, mortais, somos, como seres temporariamente presentes neste planeta que chamamos de Terra.
No entanto, em essência, é essa antiga compreensão e conhecimento pagão – com sua consciência empática de uma possível “vida após a morte” além de nossa presença temporária como um indivíduo frequentemente egoísta – que permeia a O9A e, de fato, que representa a cosmovisão da O9A, além da polêmica, além da propaganda, do incitamento; além da forma causal do “satanismo”, além (e da gênese de) suas brincadeiras e Labirinto Mitológico e mitos e dialética sinistra. E uma compreensão e um conhecimento reapresentados, mais obviamente, em seu hermético Caminho Setenário e em sua apreensão do sinistramente numinoso, pois a O9A, por meio de suas práxis, exige
“que o indivíduo desenvolva uma percepção, uma compreensão, um conhecimento – adquirido a partir de uma experiência pessoal – além de abstrações/formas causais e, portanto, além do denotatum; isto é, por exemplo, além da ilusão de opostos conflitantes/ideados, além de nomear/denotar palavras, além da moralidade abstrata, além do dogma/ideologia, além do simples princípio de causalidade e além da simplicidade de um processo dialético postulado.” {8}
R. Parker 2014
NOTAS DE RODAPÉ
{1} Sobre as práticas do O9A, cfr. R. Parker, Alguns Conselhos para Neófitos sobre a Ordem dos Nove Ângulos. Texto eletrônico de 2013. Para detalhes sobre o Caminho Rounwytha, cfr. a compilação em PDF (escrita por Anton Long) intitulada A Tradição Rounwytha, que contém os seguintes textos: (i) A Rounwytha na História e no Contexto Moderno; (ii) Denotatum – O Problema Esotérico com Nomes; e (iii) Estações Alquímicas e As Fluxões do Tempo.
{2} cfr. a seção Datação Esotérica e Tradições Auditivas do ensaio Denotatum – O Problema Esotérico com Nomes.
{3} cfr. o Rito Camlad do Abismo, que é a versão um tanto atualizada do O9A do rito tradicional. A tradição auditiva relata que, séculos atrás, um certo local próximo ao que hoje é a cidade de Bridgnorth era ocasionalmente utilizado. Outro lugar semelhante existiu perto de Little Wenlock, enquanto antigas minas perto de Stiperstones também eram ocasionalmente utilizadas. O rito tradicional de Rounwytha é apresentado no apêndice abaixo.
{4} Algumas Perguntas para DWM. Texto eletrônico, 2014.
{5} Anton Long, A Verdade Enigmática. Texto eletrônico, dezembro de 2011. Como mencionei em meu ensaio Myatt, O Anados Setenário e a Busca pela Pedra Filosofal:
“O termo in propria persona […] tem um longo uso literário e acadêmico, além de suas conotações jurídicas mais recentes (conotações jurídicas que alguém pesquisando na internet encontrará e presumirá que descrevem o significado do termo). O uso literário e acadêmico inclui o sentido de alguém falando ‘in propria persona’, em oposição (por exemplo) à ‘voz passiva’. Assim, alguém vivendo ‘in propria persona’ sugeriria algo à intelectualidade, como a citação acima.”
{6} O Caminho Rounwytha na História e no Contexto Moderno, n.d., mas c. 2011
{7} Como mencionado em outro lugar, a O9A – et al – faz uma distinção entre mudança(s) afetiva(s) e efetiva(s). Entendida simbolicamente, a mudança afetiva é uma mudança acausal – atemporal – e cuja gênese é ou pode ser feitiçaria: ou seja, uma presença de energia acausal por meio de um nexion, seja esse nexion um indivíduo, ou alguma forma manufaturada (como um arquétipo ou mito) ou alguma técnica esotérica (como o Canto Esotérico ou o Jogo Estelar).
{8} R. Parker, A O9A Sinistramente Numinosa. e-text, 2013.
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APÊNDICE: O RITO ROUNWYTHA
O Rito tradicional começa na primeira lua cheia após o início de uma estação alquímica propícia – nas Ilhas da Grã-Bretanha, esta era tradicionalmente a primeira ascensão de Arcturus no outono. O Rito, se bem-sucedido, conclui-se na noite da lua cheia seguinte.
O Rito ocorre idealmente em uma caverna subterrânea isolada onde ou perto de onde a água flui, e em cujo local o candidato permanece sozinho durante todo o mês lunar, levando consigo tudo o que for necessário para a duração do Rito. Idealmente, a água deve ser própria para consumo. Se tal caverna subterrânea não puder ser encontrada, uma alternativa adequada é uma caverna escura e isolada – com, se necessário, sua entrada devidamente protegida para evitar a entrada de luz.
A única luz vem de velas (alojadas em uma lanterna) e a única comida é pão e queijo. A comida e/ou a água necessárias para a duração do Rito podem ser trazidas pelo candidato no início do Rito, ou fornecidas e deixadas (sem qualquer contato) semanalmente por um membro escolhido de sua família ou por seu mentor, se houver. [Nos tempos modernos, certas estipulações foram adicionadas: nenhum meio de comunicação com o mundo exterior deve ser trazido; nenhum relógio, mecânico ou não, é permitido; e nenhum meio moderno de reprodução de música ou qualquer outro meio de entretenimento pessoal é permitido.]
O candidato deve providenciar a entrada de uma pessoa de confiança na caverna na próxima lua cheia para devolvê-lo ao mundo dos mortais vivos.
O rito tradicional de Rounwytha não tem estrutura e envolve simplesmente o candidato vivendo sozinho em tal local por um mês lunar.