Austin Spare e o Tantra

Por ChaosMatrix. Tradução de Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.

Austin Spare era um tântrika.

O reflexo mais claro disso está em algumas de suas escolhas de palavras… usando “kia” para olho (em sânscrito, a palavra “khya”), “ikkha” para vontade (em sânscrito, Iccha), etc. usadas no Tantra com bastante frequência… especialmente “khya”, que é um uso incomum, quase fundamentalmente tântrico, da palavra.

Alguns de seus trabalhos também trazem à mente trabalhos tântricos… como fazer sexo com 18 prostitutas em uma única noite que, por sua vez, desencadeou uma grande explosão de criatividade. Isso é muito compatível com a prática tântrica em geral (usar a energia sexual para aumentar a kundalini-shakti pelo susumna) e, na verdade, é quase impossível fazer sexo 18 vezes em uma única noite se alguém ejacular cada uma, ou mesmo a maioria, das vezes (sem falar sobre a dor, né? 🙂

Minha suspeita, embora nunca explicitamente declarada, é que ele recanalizava o sêmen armazenado (bija ou rasa no Tantra) para uma “energia superior”… neste caso, a criatividade artística. Novamente, de acordo com a prática tântrica em geral.

A grande atração de Spare por mulheres feias, até mesmo deformadas, no decorrer de sua obra também reflete no envolvimento tântrico; na maioria das formas de Tantra, a pessoa se une especificamente a coisas que a enojam, a fim de superar as limitações que tal repulsa lhes impõe. Isto é especialmente notável entre grupos tântricos como os Aghoris e Kapalikas, que eram conhecidos por se mutilarem e por comerem iguarias como cadáveres humanos em decomposição e fezes. Na verdade, este é um elemento importante da prática de tais grupos.

Spare faz referência a Kia como “a felicidade suprema” em sua obra… considerando que ele era quase totalmente orientado visualmente, o olho era, para ele, exatamente isso. E ele equipara, de fato, Kia ao olho em sua famosa fórmula de “unir a mão (ikkha/iccha) com o olho (kia/khia)”. Veja, especialmente, “Um Credo do Desepero” em Inferno Terreno” de Spare:

“Minha ambição está MORTA,
Morreu prematura e com ela o amor pelo cuidado,
Também a Joia do Lótus.
O amanhã não tem nada para mim
Salve o Pecado e a Morte.
Estou até isento dos meus PRAZERES criados —
A aridez desta vida permanece.
No entanto, em desespero, começamos a ver a verdadeira luz. AMÉM.
Na fraqueza podemos nos tornar fortes.
Reverencie o Kiâ e sua mente ficará TRANQUILA.”

Esta peça poderia ter sido retirada DIRETAMENTE de qualquer doutrina tântrica. Especialmente, observe a maneira peculiar como “kia” é escrito aqui… exatamente da maneira que os tradutores da época (e até hoje) transliteram palavras em sânscrito, para indicar que o “a” final é pronunciado.
E “a joia do lótus”… novamente, uma fórmula tântrica (embora tântrica budista), que significa “Om”. A inclusão de “om” em cada mantra não é um tema especificamente tântrico; na verdade, muitos tântricos se rebelaram contra ele como sendo parte da própria tradição bramânica contra a qual o tântrico foi formulado. E, também, o Tantra aconselha o afastamento das obrigações percebidas neste mundo e a rejeição do pensamento discursivo que gira em torno da dor e do prazer.

Então, reduzindo esta fórmula, obtemos:

“Eu desisto da minha motivação pelas coisas mundanas,
Embora jovem, não me importo mais com as obrigações deste mundo,
E eu repreendo a religião e os sacerdotes.
Amanhã não é nada
E o desejo por isso é corrupção.
Não tenho mais prazeres, nem dores.
Meu corpo é apenas uma casca, vazia de significado.
Pela renúncia, percebo minha verdade… minha visão de Deus.
Ao enfraquecer meu corpo (Spare era certamente um asceta!), eu fortaleço meu espírito.
Reverencie a visão pela glória da visão, sem discriminação (Kiâ não é uma função discriminativa, e o olho não é um órgão discriminativo) e você terá paz.”

Tudo isso está de acordo com o pensamento e a prática tântrica!

Agora, se você tem o Inferno Terreno, dê uma olhada na ilustração intitulada “O Desespero”….

O Desespero.

Observe a estranha posição da mulher de preto, com os braços cruzados atrás das costas? A mulher estendida sobre o altar? O homenzinho mascarado agachado ao lado dela? E observe mais uma coisa… Spare era um mestre desenhista, mas parece haver um erro no posicionamento das figuras… as pernas da mulher de preto desaparecem pelo chão ou altar sobre o qual o sacrifício é estendido.

Os elementos tântricos apenas nesta ilustração (desenhada em 1905) indicam fortemente uma conexão tântrica… e considerando que a tutora mágica de Spare era uma mulher idosa (acho que talvez ela mesma fosse uma Yogini, embora ela não tenha deixado nenhum registro escrito), eu acho que o elemento tântrico pode ter sido a origem de grande parte do trabalho de Spare, tanto mágica quanto artisticamente.

A mulher de preto é uma deusa tântrica… há até, se você olhar de perto, uma serpente subindo em seu peito por entre seu decote. Você pode ver a cabeça aparecendo acima do vestido decotado, bem entre os seios. Essa serpente é Kundalini e identifica a mulher com a própria Shakti. Observe também que ela está à esquerda da figura que (eu acho) deveria ser o próprio Spare… isso é absolutamente típico da iconografia tântrica. Observe, ainda, que a Mulher de Preto parece precisar fazer a barba!!!! E, curiosamente, o mesmo acontece com a figura de Spare. Em outras palavras, eles participam de um ser… a própria mulher é, de certa forma, parte de Spare… sendo sua própria kundalini-shakti. O uso de três velas é significativo porque o nome pelo qual esta deusa é conhecida é Tripura… literalmente “três cidades”, sendo as três cidades as três gunas (atributos) que, segundo o pensamento tântrico, constituem toda a criação. … tamas (escuridão/matéria), rajas (fogo/paixão) e Sattva (luz/divindade).

No entanto, lembre-se de que o sigilo é considerado pela maioria dos praticantes tântricos como a própria essência do Tantra… ele não vai dizer a você que baseia grande parte de seu trabalho no Tantra. No entanto, acho que Kenneth Grant conhece essa conexão. Existem muitos outros casos e exemplos dessa conexão também, e até me ofereceram evidências anedóticas no passado de que Spare, de fato, estudou ativamente o Tantra mais tarde em sua vida. Mas meus dedos estão ficando cansados…

SOBRE O TRADUTOR

Ícaro Aron Soares, é colaborador fixo do PanDaemonAeon e administrador da Conhecimentos Proibidos e da Magia Sinistra. Siga ele no Instagram em @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.

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