
Bhagavad-Gita Como Ele É, Capítulo 3
Por Srila Prabhupada, Primeira Edição, 1976. Revisão de Ícaro Aron Soares.
VERSO 01: Arjuna disse: Ó Janardana, ó Kesava, por que Você me impele a me ocupar nesta guerra horrível, se Você acha que a inteligência é melhor que o trabalho fruitivo?
VERSO 02: Minha inteligência está confundida com Suas instruções equivocas. Portanto, por favor diga-me decisivamente o que é mais benéfico para mim.
VERSO 03: O Bem-aventurado Senhor disse: Ó impecável Arjuna, Eu já expliquei que existem duas classes de homens que realizam o Eu. Alguns estão inclinados a compreendê-Lo através da especulação filosófica empírica, e outros estão inclinados a conhecê-Lo através do trabalho devocional.
VERSO 04: Não é meramente se abstendo do trabalho que uma pessoa pode alcançar a liberdade da reação, nem somente pela renúncia pode ela alcançar a perfeição.
VERSO 05: Todos os homens são forçados a agir desamparadamente de acordo com os impulsos nascidos dos modos da natureza material; por isso, ninguém pode abster-se de fazer algo, nem mesmo por um momento.
VERSO 06: Aquele que restringe os sentidos e os órgãos de ação, mas cuja mente fica nos objetos dos sentidos, certamente se ilude e é chamado um farsante.
VERSO 07: Por outro lado, aquele que controla os sentidos com a mente e ocupa seus órgãos ativos em trabalhos de devoção, sem apego, é muito superior.
VERSO 08: Execute seu dever prescrito, pois a ação é melhor que a inação. Sem trabalho, um homem não pode nem mesmo manter seu corpo físico.
VERSO 09: É necessário executar trabalho em sacrifício a Vishnu, de outro modo o trabalho nos ata a este mundo material. Portanto, ó filho de Kunti, execute seus deveres prescritos para a satisfação d’Ele, e desse modo você permanecerá sempre desapegado e livre do cativeiro.
VERSO 10: No princípio da criação, o Senhor de todas as criaturas enviou gerações de homens e semideuses, juntamente com sacrifícios para Vishnu, e os abençoou dizendo: “Sejai felizes com este yajna (sacrifício) porque a sua execução vos proporcionará todas as coisas desejáveis.”

“Fique feliz com esse sacrifício porque sua realização lhe concederá todas as coisas desejáveis.”
ILUSTRAÇÃO DOZE: O Senhor Caitanya, de amarelo, conduziu milhares de seguidores no canto congregacional dos santos nomes do Senhor Supremo, Sri Krishna. Seus quatro associados são (a) Nityananda Prabhu, usando roupa de cor púrpura, à direita imediata do Senhor Caitanya, (b) Advaita Prabhu, usando roupas brancas, à direita imediata de Nityananda Prabhu, (c) Gadadhara Pandit à esquerda imediata do Senhor Caitanya, e (d) Srivasa Pandit à esquerda imediata de Gadadhara Pandit. O Senhor Caitanya é o próprio Krishna no papel de um devoto puro de Krishna. Na forma de Seu próprio devoto, o Senhor demonstra em forma prática a melhor maneira de adorar ao Senhor através da execução de sacrifício, tal como se menciona no Gita. Nesta era se recomenda unicamente o sacrifício de cantar os santos nomes de Deus, e todos os demais sacrifícios védicos são proibidos. (Veja Capítulo 3, Verso 10)
VERSO 11: Os semideuses, estando comprazidos com os sacrifícios, também vos satisfarão; assim, nutrindo uns aos outros, reinará a máxima prosperidade para todos.
VERSO 12: Encarregados das diversas necessidades da vida, os semideuses, satisfazendo-se com a execução de yajna (sacrifício), suprem todas as necessidades para o homem. Mas aquele que goza estas dádivas, sem oferecê-las de volta aos semideuses, é certamente um ladrão.
VERSO 13: Os devotos do Senhor se liberam de toda classe de pecados porque comem alimentos que são primeiro oferecidos em sacrifício. Os demais, que preparam os alimentos para gozo pessoal dos sentidos, em verdade só comem pecado.
VERSO 14: Todos os corpos vivos subsistem de grãos alimentícios, produzidos das chuvas. As chuvas se produzem da execução de yajna (sacrifício), e o yajna nasce dos deveres prescritos.

Os semideuses, satisfeitos com a realização do sacrifício, suprem todas as necessidades do homem.
ILUSTRAÇÃO TREZE: Os devotos na pintura se dedicam a cantar os santos nomes do Senhor, ou seja, sankirtana yajna, e não se preocupam com a adoração dos semideuses. Porém, desde que os semideuses são servos eternos de Krishna, o Senhor, eles se comprazem automaticamente quando se canta os santos nomes do Senhor. Portanto, agrada-lhes muito outorgar todas as provisões materiais ao devoto do Senhor Supremo. Veem-se os semideuses na parte de cima da pintura, outorgando opulência material aos devotos, e são, da direita para a esquerda: Candra (o deus da lua), Indra (o deus da chuva). Vivasvan (o deus do sol) e Vayu (o deus do ar). A extrema direita está Lakshmi (a deusa da fortuna). Acima de todos está a Suprema Personalidade de Deus, Krishna. Portanto, o devoto não tem nenhuma necessidade de adorar aos semideuses. (Veja página 131).
VERSO 15: As atividades reguladas estão prescritas nos Vedas, e os Vedas manifestam-se diretamente da Suprema Personalidade de Deus. Consequentemente, a Transcendência todo-penetrante se situa eternamente em atos de sacrifício.
VERSO 16: Meu querido Arjuna, um homem que não segue este sistema de sacrifício prescrito nos Vedas, leva certamente uma vida de pecado, pois uma pessoa que se deleita unicamente nos sentidos vive em vão.
VERSO 17: Contudo, aquele que sente prazer no eu, que se ilumina no eu, que se regozija no eu e se satisfaz com o eu somente, plenamente saciado – para ele não há dever.
VERSO 18: Um homem autorrealizado não tem nenhum propósito a satisfazer no cumprimento de seus deveres prescritos, nem tem nenhuma razão para não executar tais trabalhos. Nem tem necessidade de depender de nenhum outro ser vivo.
VERSO 19: Portanto, sem se apegar aos frutos das atividades, deve-se agir por uma questão de dever; pois trabalhando sem apego a pessoa alcança o Supremo.
VERSO 20: Mesmo reis como Janaka e outros alcançaram o estágio perfeccional executando os deveres prescritos. Portanto, você deve executar seu trabalho apenas para educar as pessoas em geral.
VERSO 21: Os homens comuns seguem os passos de um grande homem, qualquer que seja a ação que este execute. E quaisquer que sejam as normas por ele estabelecidas por seus atos exemplares, são seguidas por todo o mundo.
VERSO 22: Ó filho de Prtha, não há trabalho prescrito para Mim em nenhum dos três sistemas planetários. Nem necessito nada, nem tenho necessidade de obter nada – e, ainda assim, ocupo-Me no trabalho.
VERSO 23: Pois, se Eu não Me ocupasse no trabalho, ó Partha, certamente todos os homens seguiriam Meu caminho.
VERSO 24: Se Eu parasse de trabalhar, então todos estes mundos estariam arruinados. Eu também seria a causa da criação de população indesejada, e, por conseguinte, Eu destruiria a paz de todos os seres vivos.
VERSO 25: Assim como os ignorantes executam seus deveres com apego aos resultados, similarmente os eruditos também podem atuar, mas sem apego, a fim de conduzir as pessoas pelo caminho certo.
VERSO 26: Que os sábios não perturbem as mentes dos ignorantes que estão apegados à ação fruitiva. Eles não devem ser incitados a abster-se do trabalho, mas sim a se ocupar no trabalho com o espírito de devoção.
VERSO 27: A alma espiritual confundida, sob a influência dos três modos da natureza material, acha que é o executor das atividades que na realidade são levadas a cabo pela natureza.
VERSO 28: Aquele que tem conhecimento da Verdade Absoluta, ó Arjuna de braços poderosos, não se ocupa nos sentidos, nem na gratificação deles, conhecendo bem a diferença entre o trabalho em devoção e o trabalho para os resultados fruitivos.
VERSO 29: Alucinados pelos modos da natureza material, os ignorantes se ocupam completamente em atividades materiais e se apegam. Mas os sábios não devem perturbá-los, embora estes deveres sejam inferiores devido à falta de conhecimento daqueles que os executam.
VERSO 30: Portanto, ó Arjuna, rendendo todos os seus trabalhos a Mim, com a mente absorta em Mim e sem desejo de ganho, livre do egoísmo e da letargia, lute.
VERSO 31: Aqueles que executam seus deveres de acordo com Minhas injunções e seguem estes ensinamentos fielmente, sem inveja, libertam-se do cativeiro das ações fruitivas.
VERSO 32: Mas aqueles que, por inveja, desconsideram estes ensinamentos e não os praticam regularmente, devem ser considerados desprovidos de todo conhecimento, enganados e condenados à ignorância e ao cativeiro.
VERSO 33: Mesmo o homem de conhecimento age de acordo com sua própria natureza, pois cada um segue sua própria natureza. Que se pode lograr com a repressão?
VERSO 34: Os seres corporificados sentem atração e repulsão pelos objetos dos sentidos, mas não se deve cair sob o controle dos sentidos e dos objetos dos sentidos, pois eles são obstáculos no caminho da autorrealização.
VERSO 35: É muito melhor a pessoa cumprir seus próprios deveres prescritos, ainda que sejam defeituosos, do que os deveres de outrem. A destruição no curso da execução dos deveres próprios é melhor do que a ocupação em deveres de outrem, pois é perigoso seguir o caminho de outrem.
VERSO 36: Arjuna disse: Ó descendente de Vrsni, que impele uma pessoa a atos pecaminosos, mesmo contra sua vontade, como se fosse obrigada pela força?
VERSO 37: O Bem-aventurado Senhor disse: É unicamente a luxúria, Arjuna, que nasce do contato com os modos materiais da paixão. Esta luxúria logo se transforma em ira, e é o inimigo pecaminoso deste mundo, que tudo devora.
VERSO 38: Assim como o fogo está coberto pela fumaça, ou como um espelho está coberto pela poeira, ou como o embrião está coberto pelo ventre, similarmente a entidade viva está coberta por diferentes graus desta luxúria.
VERSO 39: Assim, a consciência pura do ser vivo está coberta por seu eterno inimigo na forma de luxúria, a qual nunca se satisfaz e arde como o fogo.

A entidade viva é coberta por diferentes graus de luxúria.
ILUSTRAÇÃO QUATORZE: “Como o fogo está coberto pela fumaça, como um espelho está coberto pela poeira, como o embrião está coberto pelo ventre, similarmente a entidade viva está coberta por diferentes graus dessa luxúria.” O embrião coberto pelo ventre mostra a impotência já que o menino no ventre nem sequer pode se mover. A condição de vida neste estágio pode ser comparada à das árvores que são quase que totalmente carentes de consciência, ainda que também sejam entidades vivas. O espelho coberto se compara às aves e às bestas, e o fogo coberto pela fumaça se compara ao ser humano. A conclusão é que: “Assim a consciência pura do ser vivo está coberta por seu eterno inimigo na forma de luxúria, a qual nunca se satisfaz e arde como o fogo.” (Veja Capítulo 3, Versos 38-39).
VERSO 40: Os sentidos, a mente e a inteligência são os lugares onde está situada esta luxúria, a qual vela o conhecimento verdadeiro da entidade viva e a confunde.
VERSO 41: Portanto, ó Arjuna, melhor dos Bharatas, desde o princípio mesmo refreie este grande símbolo de pecado (luxúria) regulando os sentidos, e mate este destruidor do conhecimento e da autorrealização.
VERSO 42: Os sentidos funcionais são superiores à matéria inerte; a mente é superior aos sentidos; a inteligência é ainda mais elevada que a mente; e a alma é mesmo mais elevada que a inteligência.
VERSO 43: Assim, sabendo-se transcendental aos sentidos, à mente e à inteligência materiais, a pessoa deve controlar o eu inferior por meio do eu superior e assim – através da força espiritual – conquistar este inimigo insaciável chamado luxúria.