
Dion Fortune.
A Índia e o Ocultismo: A Influência da Espiritualidade do Sul da Ásia no Ocultismo Ocidental Moderno
Por Gordan Djurdjevic, India and the Occult: The Influence of South Asian Spirituality on Modern Western Occultism. Tradução de Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares.
Em muitos aspectos, Violet Mary Firth, mais conhecida como Dion Fortune (1890-1946), ocupa uma posição controversa entre esses estudos de caso, pois se distanciou aberta e frequentemente dos ocultistas ocidentais que se sentiam atraídos pelas tradições espirituais orientais. Fortune foi bastante explícita em sua afirmação de que “[c]ulturas não surgem do nada” (1976: 1) e que ela “recomendaria às raças brancas o sistema ocidental tradicional, que se adapta admiravelmente à sua constituição psíquica” (1976: 6). Há várias razões, no entanto, que justificam sua inclusão no presente estudo. Estrategicamente, sua posição serve como um contraponto, uma voz divergente, que precisa ser levada em consideração. Fortune não está sozinha em sua insistência de que a orientação espiritual está vinculada a particularidades e restrições culturais e que é preciso permanecer fiel às tradições locais. Apesar disso, ela forneceu alguns comentários importantes sobre Ioga e anatomia esotérica iogue, em particular com relação ao tema dos chakras e seu papel na prática oculta.¹ Além disso, ela estabeleceu uma correlação entre Ioga e Cabala, argumentando que esta última representa a “Ioga do Ocidente” (1976: 1, 20). E, finalmente, em sua ficção e em suas declarações mais cautelosas, bem como na percepção de alguns outros ocultistas como Kenneth Grant, ela estava dando voz e, em certo sentido, encarnando uma expressão particular da força espiritual feminina que tem semelhanças implícitas e explícitas com o conceito tântrico de shakti. Este capítulo se concentrará na exploração desses assuntos.
O CIRCUITO DA FORÇA
Fortune nasceu em uma família abastada no País de Gales, cujo lema — Deo, non Fortuna — ela posteriormente adotou e adaptou para seu pseudônimo e nome mágico. Sua educação religiosa foi de acordo com os princípios da Ciência Cristã, e ela também teve algum contato precoce com os ensinamentos da Teosofia. Fortune voltou sua atenção para o estudo da psicologia e da magia — e ela consistentemente correlacionou os dois — após sofrer um colapso nervoso. A experiência resultou de um conflito com sua empregadora na época, “uma mulher que agora sei que devia ter um conhecimento considerável de ocultismo, obtido durante uma longa residência na Índia” (Fortune, 2001a: xvii). Ela acabou se juntando a uma das ramificações da Golden Dawn, da qual seria expulsa por Moina Mathers, viúva de MacGregor Mathers, um dos fundadores originais da Ordem. Em 1924, Fortune fundou a Fraternidade (mais tarde, Sociedade) da Luz Interior, que ainda existe atualmente. Em 1927, casou-se com o Dr. Thomas Penry Evans, de quem se divorciou em 1939. Ao longo de sua carreira, escreveu diversos livros sobre diversos aspectos do esoterismo ocidental, incluindo vários romances, e também alguns textos sobre psicologia. Fortune faleceu de leucemia em 1946, em Londres.
Seu tratamento mais explícito e elaborado das tradições espirituais indianas é apresentado em uma série de artigos que Fortune publicou na The Inner Light Magazine (Revista da Luz Interior), um boletim informativo de sua Ordem mágica/mística, a Fraternidade da Luz Interior, entre fevereiro de 1939 e agosto de 1940. A série foi intitulada “O Circuito da Força” e, por fim, publicada como um livro com o mesmo título, juntamente com comentários do discípulo de Fortune, Gareth Knight (ver Fortune e Knight, 1998). Esta coletânea de pequenos ensaios é importante por diversas razões e reflete sua considerável familiaridade com os aspectos teóricos e práticos dos ensinamentos orientais. Além disso, esses textos demonstram uma atitude mais complexa e matizada em relação à sabedoria oriental do que se poderia esperar de uma pessoa habitualmente considerada defensora de tradições esotéricas exclusivamente ocidentais. A essência de sua posição é que há muito valor e muito a aprender com disciplinas como a Ioga, mas que elas devem ser estudadas, em sua maior parte, apenas teoricamente por ocidentais, que, de outra forma, devem permanecer fiéis à prática de seus próprios métodos tradicionais: “Prefiro aplicar a teoria da ioga à prática dos métodos cabalísticos a perseguir de todo o coração um método imperfeitamente compreendido e alheio” (Fortune e Knight, 1998: 71). Não obstante, Fortune também argumenta uma profunda similaridade, uma “semelhança de família”, entre as formas orientais e ocidentais de esoterismo, e não raramente afirma que os métodos orientais são, de fato, mais desenvolvidos e apresentam melhores resultados. “Experimentei ambos os métodos”, admitiu ela (Fortune e Knight, 1998: 60), “e, na minha opinião, o método oriental é incomparavelmente mais eficaz”. Há, portanto, uma certa tensão interna e paradoxo em sua postura, o que a torna mais interessante e menos bidimensional, tanto como escritora quanto como pessoa.
Como sugere o título do livro em análise, os ensaios de Fortune concentram-se na questão da “força” e sua circulação e equilíbrio dentro do corpo humano. O que ela entende pelo termo força — ela também usa a expressão “força magnética” — é, para todos os efeitos práticos, equivalente às noções tântricas de prāna e kundalinī, às quais ela também faz referências explícitas. Em termos simples, a ideia é que a excitação, a circulação, o equilíbrio e a manipulação consciente da força sutil e do corpo sutil intimamente relacionado (em seu vocabulário, “etérico”) constituem uma condição sine qua non do ocultismo prático. Sua insistência particular é que as operações dessa força sutil se baseiam no princípio da polaridade e são, de fato, idênticas a ele. “O princípio da Polaridade, ou o Circuito da Força, é, na minha opinião, um dos segredos perdidos do ocultismo ocidental” (Fortune e Knight, 1998: 197). A interpretação de Grant (1972: 185) corrobora essa visão, e ele também afirma que a “base do trabalho de Fortune envolve a manifestação [da] shakti pela interação magicamente controlada da polaridade sexual incorporada no sacerdote… e na mulher especialmente escolhida”. 2 Pode-se argumentar que tanto o princípio da polaridade (entre Śiva e Shakti, pingala e idā),3 quanto o papel central da força ou energia sutil, também estão na raiz da teoria e da prática do Tantra, como fica evidente, entre outras coisas, na definição eloquente de David Gordon White, segundo a qual essa categoria se refere a
crenças e práticas que, partindo do princípio de que o universo que vivenciamos nada mais é do que a manifestação concreta da energia divina da divindade que cria e mantém esse universo, buscam se apropriar ritualmente e canalizar essa energia, dentro do microcosmo humano, de maneiras criativas e emancipatórias. (2000: 9)
A definição acima também apresenta uma interessante semelhança com a declaração de Fortune a respeito da “tarefa… de alcançar o domínio da mente sobre a matéria” (1998: 117) — comparável cum grano salis ao que White designa como a intenção de “apropriar-se ritualmente e canalizar… energia” (2000: 9) — uma tarefa que ela conecta explicitamente “[o que] é conhecido no oriente como Hatha Ioga e é representado pelo ponto de vista da filosofia Shakta (o Poder Divino frequentemente expresso na forma de uma Deusa ou Mãe do Universo)” (Fortune e Knight, 1998: 117). De forma significativa e um tanto surpreendente, dado o contexto histórico de seus escritos, Fortune argumenta que essa filosofia, ou seja, o Tantra, “na verdade, está por trás de um misticismo muito mais oriental que é percebido por estudantes europeus” (Fortune e Knight, 1998: 117). Igualmente significativo, ela sugere que este culto, que “representa a adoração a Deus [sic] manifestada na Natureza… tem seu análogo no método da Cabala” (Fortune e Knight, 1998: 117). Portanto, é apropriado investigar e esclarecer mais detalhadamente o que exatamente Fortune pressupõe com a semelhança frequentemente mencionada entre Ioga e Cabala, ou, em termos mais gerais, entre as tradições esotéricas orientais e ocidentais.
DISCURSO ESOTÉRICO, RESTRIÇÕES CULTURAIS E A HERMENÊUTICA INICIÁTICA
Dion Fortune inicia sua série de ensaios sobre o tema da força sutil e seu papel na prática oculta apontando a dificuldade inicial que um ocidental experimenta ao tentar penetrar em um código cultural diferente, neste caso, ao tentar compreender os princípios da Ioga e do Tantra. De modo geral, a dificuldade é de natureza hermenêutica: a literatura esotérica é formulada em um modo específico de discurso, de tal maneira que o significado pretendido não é detectável pelo simples ato de tradução, e o significado do dicionário é insuficiente para desvendar o verdadeiro significado oculto em tais textos (Fortune e Knight, 1998: 11). Esta é uma observação válida, particularmente à luz da presença comum da “fala crepuscular” (sandhya bhāsā) na literatura tântrica e iogue.4 A questão epistemológica mais ampla, a questão referente aos meios válidos de obtenção de conhecimento e a distinção relacionada entre abordagens êmicas e éticas em direção a esse objetivo, são igualmente inerentes ao problema que Fortune aponta com sua observação. Uma dificuldade adicional consiste nas diferenças culturais e sociais, que igualmente restringem os esforços de compreensão mútua, pois Fortune acredita firmemente que a atitude geral em relação à vida no Oriente e no Ocidente é “inteiramente diferente” (1998: 11).
Tendo assim esboçado brevemente o problema inicial, a solução que Fortune oferece reside na condição da iniciação: um iniciado imerso na tradição esotérica ocidental está singularmente equipado para superar a dificuldade acima mencionada, porque tal pessoa possui a chave que abre o portal para a compreensão de outra, isto é, de uma tradição esotérica estrangeira. Até certo ponto, essa sugestão implica que a abordagem êmica se sobrepõe à ética, mas, ainda mais importante, a implicação — explicitamente declarada posteriormente — é que o pensamento analógico ou correlativo, o estilo de pensamento que opera com base em correspondências presumidas entre fenômenos, fornece um meio válido de penetração em sistemas alienígenas de ideias e símbolos. O pensamento correlativo era muito mais apreciado e difundido na antiguidade clássica e, por essa razão, Fortune, profundamente impressionada pela obra de Jane Harrison (1850-1928), sugere que “os gregos e os hindus não teriam dificuldade em se entender” (1998: 12). Mais especificamente, ela afirma que aqueles que são iniciados na tradição esotérica ocidental “não terão dificuldade em compreender muito do pensamento oriental que seja obscuro ou mesmo obsceno para o estudante comum” (Fortune e Knight, 1998: 13), e argumenta que a chave para a unificação dos sistemas esotéricos orientais e ocidentais reside no modelo cabalístico da Árvore da Vida.
Antes de prosseguir com uma análise mais aprofundada da elaboração de Fortune sobre os métodos que empregam a Cabala hermética ocidental como ferramenta interpretativa, talvez seja oportuno questionar aqui as implicações de sua posição. Segundo Fortune, ser membro de uma tradição de mistérios facilita a compreensão do significado interno de outra tradição. Este é um pressuposto comum entre escritores esotéricos e está implicitamente presente no que Antoine Faivre chama de prática de concordância, e que Faivre e Voss definem como “uma tendência consistente a tentar estabelecer denominadores comuns entre duas ou mais tradições diferentes, ou mesmo entre todas as tradições, na esperança de obter uma gnose de qualidade superior” (1995: 61). Fortune insiste que seu treinamento em sistemas iniciáticos ocidentais a autoriza a comentar sobre Ioga (1998: 13) e a capacita a superar a cortina de fumaça da “linguagem crepuscular”: “Posso tomar ensinamentos e métodos orientais e, comparando-os com o que conheço dos métodos ocidentais, dizer: ‘Isto é o que você realmente quer dizer, independentemente do que você escolhe dizer’” (1998: 53).5 Essa perspectiva implica uma vantagem epistemológica do pensamento correlativo e pressupõe que existe uma semelhança familiar entre as tradições esotéricas orientais e ocidentais. E, finalmente, a implicação é que o engajamento pessoal em uma práxis é condição sine qua non do esoterismo comparativo. Crowley sugere, de forma semelhante, em seu comentário a A Voz do Silêncio, de Blavatsky (Crowley et al., 1996: 292-3), que o que é necessário para compreender o Oriente é a experiência prática.
As considerações acima são resumidas na seguinte citação do ensaio sobre “A Ioga e a Árvore da Vida”:
Deve-se sempre ter em mente que a chave para todos esses Mistérios deve ser buscada na Árvore da Vida. Entenda o significado da Árvore; organize os símbolos com os quais você está trabalhando da maneira correta sobre ela, e tudo ficará claro e você poderá calcular sua soma. Compare o danda com o Pilar Central, e os Lótus com as Sefirot e as bissecções dos Caminhos nela contidos, e você terá o dicionário bilíngue necessário à sua disposição — se souber como usá-lo. (Fortune e Knight, 1998: 15)
Para esclarecer o trecho acima, o diagrama da Árvore da Vida consiste em dez “círculos” ou sefirot, associados a números decimais, conectados a vinte e dois “caminhos”, associados a letras do alfabeto hebraico. Estes são organizados em três “colunas”, a central das quais contém quatro sefirot, adicionalmente cruzadas por três caminhos horizontais, o que Fortune chama de “as bissecções dos Caminhos”. A sugestão é que este pilar central da Árvore corresponde ao danda, mais comumente conhecido como susumna nādi, o condutor de energia sutil localizado na coluna vertebral, e que as sefirot e as “bissecções” correspondem aos chakras. (A fonte de informação de Fortune sobre o sistema de chakras iogues foram os trabalhos de John Woodroffe, também conhecido como Arthur Avalon; ver Fortune e Knight, 1998: 53.) É significativo que a correlação entre esses dois modelos simbólicos, o iogue e o cabalístico, se estenda tanto a aspectos teóricos quanto práticos. O lado teórico da correlação está enraizado no pensamento analógico: a Árvore da Vida, como usada pelos ocultistas ocidentais, é, entre outras coisas, uma enciclopédia de correspondências, nas palavras de Fortune, um “dicionário”, e uma vez estabelecida a conexão básica entre quaisquer dois termos, os outros termos relacionados são igualmente introduzidos na cadeia associativa. Dessa maneira, o ocultista está equipado com “o dicionário bilíngue necessário”. O melhor exemplo de tal dicionário é, sem dúvida, o 777 de Crowley (1909).
A correlação teórica entre Ioga e a Cabala hermética estende-se ainda mais à sugestão de que existe até mesmo uma imagem simbólica formal na tradição oriental que é análoga ao diagrama ocidental da Árvore da Vida. Segundo Fortune,
O glifo abrangente no Oriente, correspondente à Árvore da Vida no Ocidente, é o de um homem sentado de pernas cruzadas em meditação, com os sete Lótus ou chakras dispostos um sobre o outro na linha central do corpo… concordando, portanto, inteiramente com a alocação do Pilar Central da Árvore da Vida, desde que as interseções dos Caminhos sejam adicionadas às Sefirot. (Fortune e Knight, 1998: 18)
As afirmações acima devem ser ampliadas, esclarecendo que não apenas os chakras são considerados correspondentes às sefirot e o pilar central da Árvore à susumna nādi, mas também que as duas colunas laterais da Árvore são igualmente consideradas correspondentes à pingala e à idā, os dois principais condutores de energia na Ioga, que estão à direita e à esquerda da nādi central, que percorre a coluna vertebral (ver Fortune e Knight, 1998: 59, e Fortune, 1935: 55). Isso é importante porque, dessa maneira, estabelece-se uma polaridade vertical e horizontal da força sutil dentro do corpo, cuja função adequada é de crucial importância tanto no Ioga (especialmente no tântrico) quanto nos ensinamentos de Fortune. Também se tornará evidente, com o tempo, que Fortune baseia sua exposição do assunto na experiência prática, o que lhe permite introduzir certas alternativas significativas ao que, em sua época, era considerado uma forma aceita de correlação entre os chakras iogues e as sefirot cabalísticas em relação à sua posição dentro do corpo humano.
O PRINCÍPIO DA POLARIDADE, O CORPO ETÉRICO E OS CENTROS TERRESTRE E LUNAR
Tanto o ocultismo ocidental, defendido por Fortune, quanto as tradições hatha iogue e tântrica indianas enfatizam a importância do corpo sutil e suas energias e centros de poder. O corpo sutil, ou astral, ou etérico, ou, para usar o termo sânscrito, o sūkma śarīra, é considerado coincidente com o corpo físico, do qual difere por ser mais poderoso e flexível. White resume eloquentemente a visão indiana sobre o assunto (especificamente, a posição dos iogues Nāth) da seguinte forma:
Este sistema projetava sobre o corpo humano grosseiro uma fisiologia notavelmente intrincada do corpo iogue ou sutil, composto por uma série de centros de energia, redes de canais e uma série de forças divinas masculinas e femininas. Era sobre esse corpo sutil que o praticante de ioga, por meio de uma elaborada combinação de posturas, técnicas de respiração, estados meditativos e dispositivos acústicos, canalizava à força todas as suas energias divinas internalizadas, respirações, fluidos corporais e estados mentais para um único ponto, no qual ele realizava, de uma vez por todas, a perfeição corporal e a imortalidade. (1995: 399–400)
Fortune demonstra uma clara compreensão da importância do que ela geralmente designa como o corpo “etérico”: “É com o duplo etérico que nos ocupamos no estudo da ioga”, afirma ela inequivocamente, acrescentando que “o corpo físico só entra em cena na medida em que suas posturas determinam a natureza do circuito em que seu magnetismo opera” (Fortune e Knight, 1998: 52). Como já mencionado, Fortune preocupa-se particularmente com a noção de polaridade e seu papel na prática oculta, considerando-a “um dos segredos perdidos do ocultismo ocidental” (vide supra). A seguir, deve ficar evidente que Fortune não apenas tenta unificar teoricamente os elementos acima indicados — o corpo etérico e o corpo físico, o glifo de um homem de pernas cruzadas sentado em āsana e sua imagem correspondente da Árvore da Vida — com seus conjuntos de atribuições comparáveis e centros de poderes do corpo sutil, mas também introduz algumas inovações baseadas na experiência prática, como já sugerido.
O cerne da questão diz respeito à questão da relação exata entre o chakra inferior, mūlādhāra, e sua sefira correspondente na Árvore da Vida. Em sua obra anterior, A Cabala Mística (1935), reconhecendo que, até onde ela sabia, apenas Crowley e seu antigo discípulo J. F. C. Fuller tentaram estabelecer a correlação entre os chakras iogues e a Árvore da Vida, Fortune atribui mūlādhāra a Malkuth, a sefira inferior da Árvore, tradicionalmente associada ao elemento Terra. Em outras palavras, ela se aliou a Fuller e discordou de Crowley, que em seu livro 777 (publicado pela primeira vez em 1909; veja a coluna CXVIII), correlacionou mūlādhāra com Yesod, a sefira na Árvore associada ao planeta Lua e ao conjunto relacionado de correspondências ocultas. No entanto, em um ensaio publicado em agosto de 1939, ela muda de ideia e afirma que
embora seja costume equiparar Malkuth ao Lótus Muladhara, e eu já tenha feito isso em meus escritos anteriores, cheguei, após experiência prática com ambos os métodos, a duvidar de sua correção. (Fortune e Knight, 1998: 67-8)
Isso pode parecer uma preocupação trivial, mas suas implicações são importantes, em particular porque o chakra mūlādhāra é o local do “poder da serpente” adormecido. Se partirmos do postulado de que o circuito da força é o que é necessário, que a energia sutil precisa se mover livremente por todo o corpo e ao longo da coluna vertebral e seus “lótus” de poder e, consequentemente, trazer benefícios espirituais, uma das questões práticas é: qual é a postura corporal mais adequada para a tarefa? Em consonância com as ideias iogues gerais sobre o assunto, Fortune também reconhece que o papel do corpo é tal que “suas posturas determinam a natureza do circuito em que seu magnetismo opera” (52). Na formulação de Fortune, o corpo humano deve desempenhar o papel do que pode ser chamado de uma “bateria de armazenamento” biológica, enquanto o circuito em questão é estabelecido principalmente com base na polaridade entre o centro de energia mais alto e o mais baixo. Ela argumenta que, no caso da prática iogue, em que o praticante normalmente se senta no chão (“um homem sentado de pernas cruzadas em meditação”, vide supra), para todos os efeitos práticos, os dois centros de energia opostos são aqueles na cabeça e nos órgãos sexuais. No caso de um praticante ocidental, no entanto, cuja postura principal — adequada para o ritual em oposição à meditação — é a posição em pé, o centro de energia mais baixo (correspondente à sefira Malkuth) está ao nível dos pés. Visto dessa perspectiva, há obviamente uma discrepância significativa entre os dois modelos.
Um aspecto adicional dessa situação diz respeito à sugestão de que a sefira Malkuth se relaciona com “a vitalidade magnética impessoal derivada da Terra”, enquanto a sefira Yesod, como já mencionado, representa o centro lunar, onde essa energia terrestre “é transformada em força sexual muito pessoal” (Fortune e Knight, 1998: 72). Para realizar essa transformação, o estudante ocidental de Cabala que deseja adaptar os métodos de Ioga “deve se lembrar de eliminar Malkuth e, assim, isolar seu contato com a Terra, tornar-se uma bateria de armazenamento” (Fortune e Knight, 1998: 74). Uma vez feito isso, um circuito de força é estabelecido com dois polos principais: o centro espiritual associado ao chakra sahāsrāra, que corresponde ao Kether cabalístico, e o centro sexual associado à sefira Yesod e ao chakra mūlādhāra. Fortune argumenta que a Rāja Ioga se concentra no primeiro centro (superior) e o Tantra no segundo (inferior). Não há nada de controverso nessa interpretação, exceto o fato de que Fortune opta por defender o Tantra de sua “extremamente má reputação” (Fortune e Knight, 1998: 75).
É seguro presumir que Fortune foi significativamente influenciada pelos escritos apologéticos de Avalon sobre o tema Tantra, mas seria incorreto supor que essa fosse a única razão para sua atitude positiva em relação ao assunto.6 Como já sugerido e explicitamente declarado em seus escritos, seus ensinamentos baseavam-se não apenas em estudos teóricos, mas também na prática. É um sinal de sua retidão moral declarar claramente o que ela descobriu — o que ela acreditava — ser a verdade do trabalho oculto, mesmo que isso conflitasse com a moralidade predominante e com as visões culturais e atitudes sociais estabelecidas. Os ensaios reunidos em O Circuito da Força evidenciam que ela estabeleceu um alinhamento significativo entre teoria e prática em relação à conexão entre Ioga e Cabala, à postura corporal e ao circuito da força, e à dinâmica entre sexualidade e espiritualidade. Este último assunto precisa de mais elaboração e esclarecimento.
CORPO SUTIL, SEXUALIDADE E TANTRA
Tornou-se comum associar a incompreensão ocidental do Tantra ao tema do sexo. Fortune enfatiza aqui novamente essa associação.7 No entanto, suas razões para fazer essa conexão merecem uma nova análise. O que está em jogo aqui não é apenas a “tradução” das teorias metafísicas indianas para o vocabulário ocultista e os padrões cognitivos ocidentais, mas também uma questão mais ampla sobre a natureza e o papel do corpo humano na prática religiosa. Meu argumento é que Dion Fortune e os ocultistas ocidentais tratados neste estudo, em geral, reconhecem a importância da relação entre sexualidade e busca espiritual, sem cair nos extremos do hedonismo sensual, por um lado, ou do ascetismo puritano, por outro. Permitam-me contextualizar essas observações, tomando os escritos de Fortune sobre o assunto como exemplo.
Como vimos, Fortune tenta estabelecer uma correspondência adequada entre o sistema de chakras, como empregado na Ioga, e a Árvore sefirótica, como usada na Cabala hermética. Em particular, a questão é o lugar apropriado do chakra mūlādhāra. Fortune sugere que este chakra corresponde à sefira Yesod, associada ao “planeta” Lua (no sentido astrológico, não astronômico, do termo). Mas Yesod também é o lugar da “força sexual muito pessoal” (vide supra). Isso significa, na prática, que, uma vez posta em movimento a corrente da força sutil — o “poder da serpente”, a polaridade que gera a energia da corrente dependerá da oposição dinâmica entre os centros mais elevado (sahasrāra chakra; sefira Kether) e o mais baixo (mūlādhāra chakra; sefira Yesod). Mas esta é uma consideração importante: essa oposição é funcional e não moral ou ontológica. Como oposição funcional, a relação entre o mais baixo e o mais alto — entre os órgãos sexuais e o cérebro, entre o erotismo e a espiritualidade — desempenha o papel necessário de um catalisador que põe a corrente em movimento. Mas a corrente é uma só.
Em termos práticos, Fortune sugere que, se a energia for posta em movimento no nível do “centro lunar”, isso resultará na estimulação de imagens sexuais. A diferença crucial entre uma pessoa comum e o mago (ou iogue) reside no fato de que o primeiro permanecerá habitualmente focado — ou distraído — no impulso sexual, enquanto o último tentará elevá-lo a um nível superior, sublimar a energia e transmutá-la em força espiritual. Fortune argumenta explicitamente:
A chave para todo o funcionamento prático reside, na verdade, no fato de que a força do Centro Lunar é transportada para os centros superiores e ali utilizada para os propósitos apropriados a esses centros; em outras palavras, temos um exemplo do princípio com o qual a psicologia ocidental está familiarizada, sob o nome de Sublimação. (Fortune e Knight, 1998: 73)
A afirmação acima está de acordo com a filosofia prática básica por trás dos princípios do Hatha Ioga, no qual o esforço é similarmente orientado para o redirecionamento da força sexual do chakra inferior (onde reside na forma de fluidos sexuais) para o chakra superior (onde se transforma em elixir e confere poderes mágicos ao praticante). Observe, no entanto, que Fortune argumenta que a chave para o sucesso nessa operação depende não apenas da capacidade de sublimar a energia sexual em seu equivalente espiritual, mas também de uma atitude saudável em relação ao sexo como tal. Ela afirma: “Habite a vida neste nível com uma atitude repressiva, e a kundalini não poderá se elevar; deixe a vida fluir livremente, e o caminho se abrirá para a sublimação da kundalini” (Fortune e Knight, 1998: 21). Isso é mais uma indicação de que ela entende a questão da sexualidade principalmente em termos funcionais, como uma forma de energia poderosa que precisa ser trabalhada, e não como um domínio de considerações morais. Nisso, ela está novamente em concordância implícita com a atitude geral por trás dos princípios da Ioga e do Tantra.8
É baseando sua abordagem na atitude acima delineada que Fortune aborda o tema do Tantra, ou mais propriamente e em suas próprias palavras, “magia tântrica“. Ela reconhece que “isso pode, inquestionavelmente, levar aos mais grosseiros abusos morais”, mas que, apesar disso, “não devemos tomar o ponto de vista dos missionários, reforçado pelas revelações escabrosas de livros de viagens sensacionalistas, como uma representação imparcial do assunto como um todo” (Fortune e Knight, 1998: 75). Ela está aludindo ao fato de que, mesmo já na década de 1930, o tema do Tantra estava entrelaçado com noções relacionadas à sexualidade, embora seu ponto não seja que esses dois não estejam conectados, mas que não deveria haver nada de chocante nisso. Ela está, de fato, convencida de que uma atitude saudável em relação à sexualidade é “um corretivo muito necessário para a Europa neurótica” e, consequentemente, faz uma de suas declarações mais surpreendentes e explícitas sobre o assunto em consideração, argumentando: “O Tantra, a Cabala e a psicanálise freudiana formam uma trindade em unidade, que é a chave que não apenas admite o Templo do Mistério, mas também liberta do hospício” (Fortune e Knight, 1998: 76).9
Gostaria de sugerir que o programa de desenvolvimento espiritual “trindade em unidade” acima mencionado é melhor compreendido como uma forma de “cuidado de si” (Lat. cara sui; Gr. epimeleia heautou), conforme teorizado por Michel Foucault (1988), e que essa mesma forma de autodisciplina é igualmente aplicável ao ascetismo indiano, particularmente no contexto da Ioga e do Tantra (ver também Djurdjevic, 2008). De modo geral, a principal divergência entre esse tipo de ascetismo e aquele associado às suas formas cristãs reside na orientação para a sexualidade, que em ambos os tipos pode assumir a forma de celibato, mas que o cristianismo entende como uma questão ética (ou seja, a sexualidade é moralmente ambígua e seu controle é uma virtude moral). Ioga, Tantra e ocultismo ocidental, em contraste, em sua maioria, entendem o sexo pragmaticamente — como uma força a ser domada, trabalhada e empregada para fins espirituais (ou mágicos). A linha que separa essas duas orientações em relação ao sexo é ocasionalmente tênue, como pode ser evidente na seguinte passagem; no entanto, minha afirmação é que a palavra-chave na citação é “controle”. Fortune escreve:
Há mais um ponto de perigo que deve ser considerado em relação ao desenvolvimento dos poderes superiores, e é a falha em percebê-lo que é a causa de muitos incidentes angustiantes. Como já indiquei, a Kundalini, ou magnetismo pessoal, quando despertada, ascende da Terra, ou centro de vitalidade física, para a Lua, ou centro sexual. Deve então, se devidamente controlada, ascender ainda mais para o centro Solar, ou plexo solar, e é a partir deste ponto que o trabalho oculto se inicia. Se, no entanto, houver controle imperfeito do pensamento, ou se a vida sexual for inadequadamente regulada, é provável que ocorra vazamento de força neste nível, resultando em um estímulo extremamente perigoso para as paixões. (Fortune e Knight, 1998: 157)
Outro ponto intimamente relacionado que merece um comentário é a abordagem de Fortune à Kundalini como um tipo de força sexual. Seria incorreto descartar isso como mais um exemplo de incompreensão ocidental do Tantra e sua identificação com o sexo. Há uma diferença significativa entre a atitude segundo a qual o Tantra é uma técnica sexual que leva à “bem-aventurança orgástica” (ver, em particular, Urban, 2003c: 203–63) e a visão de que uma área específica da prática tântrica diz respeito à sublimação da energia sexual em seus aspectos espirituais. Os escritos de Fortune sobre o assunto ressoam com a descrição de Sanjukta Gupta (1979: 183) do iogue tântrico que “ao reter seu próprio orgasmo… direciona seu impulso sexual para despertar Kundalinī e despachá-la em sua jornada rumo ao sahasrāra”. Além disso, a localização da kundalini “adormecida” no chakra mūlādhāra, na área dos órgãos reprodutivos na base da coluna, está obviamente conectada a alguma faceta da sexualidade; o celibato dos iogues aparentemente tem algo a ver com a sexualidade; A tarefa de trazer o bindu da base da coluna até o topo da cabeça, como observado entre os iogues Nāth, aponta claramente para o esforço de transmutar a sexualidade em seu equivalente sutil. Visto dessa perspectiva, não há basicamente nada de fora na visão de Fortune sobre o assunto:
É um problema muito difícil, portanto, saber como abordar a tarefa de desenvolver a força magnética de pessoas cujas circunstâncias obrigam a lidar com sua vida sexual por meio da sublimação, pois, sem dúvida, o despertar da Kundalini é um tremendo estímulo sexual, como é perfeitamente compreendido no Oriente. (Fortune e Knight, 1998:158)
RITUAIS E O DESPERTAR DA “SERPENTE ADORMECIDA”
O postulado básico da comparação de Fortune entre o esoterismo indiano e o ocidental diz respeito à reciprocidade entre o sistema dos chakras no primeiro e a Árvore da Vida na segunda corrente de pensamento e prática. A base dessa reciprocidade reside nas presumidas propriedades compartilhadas do corpo sutil e seus centros de energia. Se reconhecermos e aceitarmos a validade de suas afirmações sobre o assunto, a base adicional da correlação mútua entre os dois sistemas é estabelecida experimental e experiencialmente: Fortune afirma ter estudado ambos os métodos e que sua exposição do assunto se baseia em sua capacidade de contornar o duplo sentido das fontes escritas e na capacidade relacionada de alinhar as noções díspares, aproveitando o pensamento correlativo e o sistema de correspondências baseado no modelo da Árvore da Vida. Resta ainda um elemento importante nesta questão que merece mais comentários, e este se refere à “tradução” das meditações orientais para os rituais ocidentais e sua correspondência mútua.
Mais uma vez, para avaliar e compreender adequadamente a posição de Fortune, é necessário enfatizar que ela privilegia o corpo sutil ou “etérico” como o veículo apropriado da prática oculta e que o desenvolvimento desse corpo e de seus poderes depende do princípio da polaridade e do circuito da “força”. Nesse sentido, ela concorda, em geral, com a essência dos ensinamentos tântricos e iogues relacionados. Fortune argumenta que os métodos ocidentais de engajamento com esses temas são predominantemente cerimoniais e, como precedente e exemplo histórico, sugere “os ritos de Mistério de centros como Elêusis e Mênfis”, aos quais acrescenta, à primeira vista de forma um tanto inesperada, que “os mesmos fatores, não reconhecidos e imperfeitamente percebidos, se manifestam na dança de salão moderna” (Fortune e Knight, 1998: 22). Outra afirmação um tanto inesperada, à luz da frequente opinião negativa sobre o fenômeno entre os ocultistas, é a referência de Fortune ao “método espiritualista de sentar-se em círculo para o desenvolvimento e a manifestação [do corpo sutil]” (Fortune e Knight, 1998: 205).
Quanto à afirmação sobre a dança de salão, como um método ocidental contemporâneo para despertar o equivalente ao “poder da serpente”, é útil situá-la no contexto mais amplo da relação mútua entre religião e dança. Em termos mais simples, a dança conduz ao êxtase. Crowley (1913: 17-46) fez algumas observações convincentes sobre o assunto em seu ensaio sobre “Entusiasmo Energizado”. Recentemente, diversos estudos se concentraram no fenômeno da dança rave e sua relação com estados alterados de consciência e a experiência do sagrado. Como observa Tim Olaveson (2004: 90): “Os ravers descrevem ‘a vibração’ como um tipo de energia ou pulsação… que só pode ser vivenciada fisicamente. Como um sentimento amplificado ou estado emocional, a ‘vibe’ rave espelha a ‘exaltação’ e o ‘entusiasmo’ descritos por [Émile] Durkheim.” Ainda mais pertinente à presente discussão, Erik Davis (2004: 262) observa, em relação às experiências dos dançarinos no popular local de Goa, na Índia, que seu objetivo “gira em torno de ‘elevar a energia da serpente kundalini no sistema de chakras do corpo’” e que, na música, “essas vibrações altamente direcionadas servem como análogos imediatos e funcionais para a vida secreta de shakti”.
As razões mais prováveis para a sugestão da Fortune de que a dança de salão representa um análogo ocidental aos métodos indianos de elevar as energias da “serpente adormecida” residem nos dois elementos a seguir. Como observa M. Carole Pistole (2003: 235), “na dança de salão, as posições dos parceiros são inerentemente de gênero”, e essa observação se encaixa perfeitamente com a insistência de Fortune na importância da “polaridade magnética” para o propósito de ativar as energias sutis do corpo. Outra razão, sugiro, diz respeito ao estado emocional e erótico “carregado” em que os dançarinos inevitavelmente entram. Isso está de acordo com a observação de Fortune de que, enquanto os métodos de Ioga lidam diretamente com as energias do corpo sutil, “o método oculto usa o cerimonial para energizar a imaginação a fim de despertar as emoções, fazendo com que as energias e os controles subconscientes entrem em ação” (Fortune e Knight, 1998: 107). E embora a dança de salão não seja exatamente cerimonial, embora tenha sua estrutura “ritual”, o importante a ser enfatizado é o papel da imaginação energizada e das emoções envolvidas no processo.10
Como mencionado acima, outro método ocidental que, na opinião de Fortune, se assemelha às técnicas indianas de despertar os chakras e as energias relacionadas do corpo sutil é o do círculo dos espiritualistas. Para ser mais preciso, ela acredita que existem três vertentes que compõem o modelo efetivo de engajamento com o assunto em discussão: Hatha Ioga, espiritualismo e magia cerimonial. Já estamos familiarizados com a afirmação de que “Hatha Ioga e espiritualismo, juntos, revelam os segredos perdidos do ocultismo ocidental” (Fortune e Knight, 1998: 205). A razão para essa avaliação um tanto inesperada do espiritualismo é, novamente, de natureza primariamente pragmática: Fortune não está sugerindo que o espiritualismo forneça uma posição metafísica válida em relação à natureza da realidade, mas que seu método funciona. E o método funciona, de acordo com a tese geral de Fortune, porque os espiritualistas se sentam em círculo, tipicamente em um arranjo de gênero, alternando entre os sexos, de mãos dadas: em outras palavras, gerando um circuito de força. Essa disposição dos assentos, aliás, também é típica do círculo ritual tântrico, fato que Fortune não menciona explicitamente, embora se possa presumir com segurança que ela o conhecia através dos escritos de Avalon.
CONCLUSÕES: MÉTODOS ORIENTAIS E CULTURA OCIDENTAL
A posição de Fortune no contexto da tradição esotérica ocidental está bem estabelecida, e seus livros continuam a ser reimpressos. A Sociedade da Luz Interior ainda está ativa. Uma das posições ideológicas dominantes que Fortune subscreveu e que ela consistentemente promoveu foi a de que, embora várias tradições locais possam ter o mesmo valor, elas não devem se misturar e, como consequência, ela argumentou que os métodos orientais são fundamentalmente inadequados para os ocidentais. Este pode ser um momento apropriado para dedicar atenção adicional a essa questão e questionar algumas de suas implicações.
À primeira vista, a posição de Fortune é problemática por vários motivos. O leitor contemporâneo é imediatamente e inquieto, alertado para o que parece ser um forte essencialismo cultural e até mesmo preconceito racial em seus escritos. Fortune vincula cultura, raça e religião de forma tão forte que sua codependência mútua parece determinada. Vale lembrar, no entanto, que a presença e a frequência de argumentos raciais faziam muito mais parte do discurso cotidiano na época em que ela escreveu do que agora. A insistência de Fortune em permanecer fiel à própria cultura reflete considerações semelhantes frequentemente expressas em estudos culturais, onde o argumento é que a compreensão das normas culturais é localmente contingente. Assim, o estilo de pensamento da Nova Era é frequentemente criticado precisamente por sua tendência a obscurecer, de forma acrítica, identidades regionais específicas de noções e práticas espirituais e a agrupar sistemas diversos de forma incongruente. Mas mesmo que se concorde com certa validade do argumento de Fortune, parece, ainda assim, que ela está errada ao sugerir que a Ioga é inadequada para ocidentais, dada sua ampla popularidade atual na América do Norte e na Europa.
Em seu livro O Que É Ocultismo? (2001b; publicado originalmente em 1929 como Ocultismo Sensato), Fortune tenta fornecer uma explicação científica para suas visões exclusivistas. Aqui, ela expõe a mesma atitude básica que adotará posteriormente em O Circuito da Força, elogiando a sabedoria oriental como tal e recomendando o engajamento teórico com suas tradições, mas desaconselhando a aplicação prática de seus métodos. No que diz respeito à prática, Fortune está convencida de que “é melhor para um homem seguir a linha de sua própria evolução racial. É muito raro que um europeu, vivendo na Europa, seja treinado com sucesso por métodos orientais” (161). A razão para isso está relacionada à noção principal de que as práticas ocultas afetam o funcionamento dos chakras, que Fortune correlaciona aqui com as glândulas endócrinas e seu papel no organismo (163).11 Ela argumenta, portanto, que a teoria oriental é confirmada pela anatomia ocidental, mas o problema, segundo Fortune, reside no fato de que “o equilíbrio endócrino em diferentes raças difere profundamente” (164).12 Para remediar essa situação, “a Grande Loja Branca dá a cada raça a religião adequada às suas necessidades” (166).
Seria relativamente fácil acusar Fortune de promover ideologia racial, mas seus argumentos não privilegiam nenhuma raça ou credo em particular em detrimento de outro. Pode ser interessante observar, ainda neste assunto, que ela aborda a questão da diversidade entre sistemas religiosos e iniciáticos de uma maneira exatamente oposta às visões de Crowley sobre o assunto. Ela essencializa a diversidade ao argumentar a conexão fundamental entre localidade e sua respectiva cultura: uma determina a outra. Crowley relativiza a diversidade, vendo-a apenas como algo acidental, como sombras produzidas por condições locais que se projetam sobre a unidade fundamental. Considere, por exemplo, sua declaração em Oito Palestras sobre Ioga: “Os métodos em todo o mundo eram idênticos; isso era mascarado por preconceito religioso e costumes locais. Mas em sua quididade — idênticos!” (Crowley, 1991a: 24). No entanto, a questão é mais complexa porque, como vimos, a própria Fortune reconhece a unidade fundamental subjacente a sistemas diversos. Ela escreve em O Treinamento e o Trabalho de um Iniciado: “Se tivermos a chave para um sistema simbólico, podemos facilmente equipará-lo a todos os outros, pois fundamentalmente são os mesmos” (92). Assim, ela aceita a validade do conhecimento teórico de diferentes sistemas, mas argumenta que, em termos de prática, é preciso permanecer fiel à tradição e à cultura locais.
Também pode ser interessante comparar a postura de Fortune, em relação ao engajamento ocidental com as práticas orientais, com a atitude de Carl Gustav Jung em relação à mesma questão. Como é bem sabido, Jung também aconselha os ocidentais a não praticarem Ioga. Ele alerta em termos inequívocos (Jung, 1996: xxx): “O europeu que pratica ioga não sabe o que está fazendo. Isso tem um efeito negativo sobre ele. Cedo ou tarde, ele fica com medo e, às vezes, isso até o leva à beira da loucura.” E enquanto Fortune tenta fundamentar seus argumentos no discurso médico sobre as glândulas endócrinas, Jung aborda a diferença na estrutura psicológica. Em uma palestra proferida em 1932, ele propõe que “se você entrar na mentalidade hindu, estará de cabeça para baixo, estará completamente errado. Eles têm o inconsciente acima, nós o temos abaixo. Tudo é exatamente o oposto” (1996: 16).
A popularidade recente da Ioga e de outras formas de espiritualidade oriental aparentemente contradiz tanto Fortune quanto Jung, bem como aqueles que, como eles, argumentaram contra a possibilidade de adotar e seguir práticas religiosas e culturais estrangeiras. Mas o assunto permanece controverso. Os críticos frequentemente apontam a natureza incongruente do sincretismo, composto por noções mal compreendidas e insuficientemente definidas que, por exemplo, acabam descontextualizadas no caldeirão da espiritualidade da Nova Era. Tais empréstimos acríticos de outras culturas muitas vezes equivalem a apenas mais uma forma de exploração, a um tipo contemporâneo de neocolonialismo. A mentalidade binária subjacente observada em tais casos, a prevalência dada à oposição entre o Ocidente materialista e o Oriente espiritual, é igualmente criticada como simplista, incorreta e apoiadora do status quo. E talvez a contradição mais flagrante se refira ao fato de que o engajamento na cultura espiritual do Oriente se torna mais uma posse, uma espécie de “materialismo espiritual”, em sua forma ocidental. A Ioga, com sua origem na cultura de renunciantes e ascetas do mundo, torna-se a técnica de condicionamento físico e saúde e um símbolo de status. E quando os śramanas se transformam em yuppies, a questão passa a ser: isso ainda é Ioga?
Esta questão deve permanecer em aberto. A questão subjacente, a questão da semelhança e da diferença entre diversos sistemas culturais de pensamento e prática, é volátil. Sociedades, culturas, ideias e práticas mudam continuamente. Três religiões mundiais, Budismo, Cristianismo e Islamismo, se espalharam e se desenvolveram pela migração e, no processo, interagiram e frequentemente adotaram, em graus variados, elementos de práticas culturais indígenas e, consequentemente, também mudaram. Esse processo talvez seja mais claramente observado no budismo, onde há o maior contraste entre suas variedades regionais. Ioga e tantra diferem um pouco dessas religiões por serem frequentemente considerados técnicas, em vez de ideologias definidas e fechadas, e, como tal, são ainda mais propensos à adoção por ambientes denominacionais mais amplos. Jung acreditava que o Ocidente eventualmente desenvolveria sua própria forma de ioga, baseada no cristianismo (ver Jung, 1996: xxx). Fortune e outros ocultistas tratados neste estudo, muitas vezes implícita e às vezes explicitamente, argumentaram que o modelo adequado para a adoção da espiritualidade oriental reside na tradição esotérica ocidental, que, em sua opinião, representa a ioga do Ocidente.
Antes de encerrar este capítulo, cabe uma breve menção ao fato de Fortune também ter escrito obras de ficção sobre temas ocultos. Ela considerava isso um assunto sério e uma forma de disseminar seus ensinamentos. De grande interesse é sua admissão de que “[a] ‘Cabala Mística’ [isto é, sua obra não ficcional] apresenta a teoria, mas os romances apresentam a prática” (Fortune, 2003: xiii). Grant sugere que seus romances, que tipicamente apresentam personagens femininas fortes que desempenham o papel de iniciadoras de parceiros masculinos anteriormente frustrados sexualmente e de outras formas, divergem de seus textos doutrinários que dão preferência à tradição esotérica ocidental (ver Grant, 1993: ix). Ele argumenta: “Em seus romances… obtemos vislumbres frequentes de uma ocultista surpreendentemente heterodoxa e habilidosa que conseguiu obter acesso a outros mundos, outras dimensões, por meio de uma adaptação de técnicas orientais geralmente associadas à ioga tântrica” (ix). Katon Shual (também conhecido como Mogg Morgan) afirma de forma semelhante (1995: 26) que “Uma corrente oculta de magia sexual e tantra permeia toda a carreira mágica de Dion Fortune, cujos melhores exemplos são encontrados em seus romances”. A declaração mais contundente sobre o assunto está contida na carta de Grant ao biógrafo americano de Fortune, na qual ele declara:
Era óbvio para mim então, e a convicção se fortalece cada vez que leio algo dela, que Dion se via como a shakti mágica do Novo Aeon. Aleister chamava esses avatares de shakti de mulheres escarlates, e embora Dion estivesse longe de desempenhar esse papel da mesma forma que a maioria das shaktis de Aleister o desempenhavam, ela estava, acredito eu, plenamente consciente de suas habilidades mágicas nessa direção. (Grant, em Chapman, 1993: 41)