
Manuscrito da ONA
Por Rachael Stirling. Tradução de Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.
Conforme apreendido por aqueles que se aventuraram ao longo do Caminho Setenário da Ordem dos Nove Ângulos (O9A, ONA) até pelo menos o estágio de Adepto Interno, e por aqueles que por causa de sua physis sentem a estética ‘sinistramente numinosa’, um dos problemas fundamentais do moderno Caminho da Mão Esquerda Ocidental em geral e do moderno ‘satanismo’ em particular é o do Homo Hubris. Conforme observado em um texto cuja leitura é recomendada para aspirantes a Adeptos, a espécie Homo Hubris é
“diferenciada por sua profana falta de equilíbrio numinoso, por uma falta de conhecimento e sentimento pelo numinoso; por uma arrogância pessoal, por falta de educação, e por essa falta de respeito por qualquer coisa que não seja força/poder e/ou sua própria gratificação”. {1}
Essa profana falta de equilíbrio numinoso é mais manifesta nos princípios adotados pelos modernos autodescritos ‘satanistas’ inspirados em Levey – de “poder é certo” e de “total satisfação do ego”.
Em contraste, um dos objetivos dos anados ocultos que é o Caminho Spetenário da O9A é que o iniciado experimente pessoalmente – através de atos exotéricos e esotéricos – tanto o que foi descrito como ‘o sinistro’ quanto o que foi descrito como ‘o numinoso’ e, por causa dessa experiência, fundi-los para transcender além deles. As experiências necessárias para isso incluem o Rito de Adepto Interno, onde o candidato vive sozinho – por três ou seis meses – em condições primitivas no ermo. Rito que tem como objetivo o desenvolvimento da empatia no indivíduo {2} e que a empatia é uma manifestação do muliebral e, portanto, em contraste direto com os princípios másculos adotados pelos modernos autodenominados ‘satanistas’ inspirados em Levey. {3}
Pois a O9A tem
“uma apreensão iniciada – esotérica – da razão de ser da alquimia: de nós mesmos como tendo, em essência, uma physis máscula e uma physis muliebral, e que inicialmente não se dividia physis (sans denotatum, e assim a divisão artificial, hubriática, entre másculo e muliebral) está agora, como no passado foi para a maioria, perdida; com a alquimia antigamente compreendida e praticada por muitos alquimistas como um meio pelo qual podemos redescobrir nossa física humana natural e equilibrada.” {4}
Essa apreensão esotérica é evidente em alguns textos antigos, como o texto ‘Pimandro’ do Corpus Hermeticum:
“Agora ouça o resto da explicação que você pediu para ouvir. Quando o ciclo foi cumprido, as conexões entre todas as coisas foram, pelas deliberações do theos, desfeitas. Os seres vivos – todos masculinos-femininos então – foram, incluindo os humanos, separados trazendo assim à existência porções que eram másculas com as outras muliebrais.” {5}
É por isso que – em contraste com o ethos patriarcal e másculo que dominou o mundo, Oriente e Ocidente, por milênios, do qual o ‘satanismo’ do tipo Levey é apenas uma manifestação recente – a tradição esotérica da O9A é de ἀρρενόθηλυς (arrenóthilys: masculino-feminino): de equilibrar o másculo com o muliebral através do pathei-mathos tanto esotérico quanto exotérico.
O MAL-ENTENDIDO SOBRE O FEMININO SINISTRO
Dada a visão geral anterior da teoria esotérica e práxis da O9A, não é surpreendente que os autodescritos ‘satanistas’ inspirados em Levey modernos estejam e tenham ficado chateados e irritados com – e continuem tentando desacreditar – a O9A, especialmente dada a alegação da O9A de que a O9A é satanista e que Howard Stanton Levey era um plagiador, um charlatão e um exemplo de Homo Hubris: isto é, na linguagem comum, ele era plebeu.
Também não é surpreendente que os autodenominados ‘satanistas’ inspirados em Levey modernos e outros ocultistas modernos – desmamados na magiana, inspiração cabalística, ‘feitiçaria’ – tenham entendido mal o que a O9A quer dizer com ‘feminino sinistro’, uma emanação do qual é aquele arquétipo {6} associado com as três esferas inferiores (nexions) na Árvore de Wyrd de sete partes da O9A e, portanto, impregnado como é do pathei-mathos esotérico e exotérico dessas três esferas inferiores. Isto é, impregnado e expressando o que, para o iniciado individual, é alguns anos antes do Rito do Adepto Interno e muito antes (geralmente pelo menos uma década antes) do Rito do Abismo com seu mês lunar de vida ctônica solitária. {7}
Pois, no sistema da O9A, ‘o feminino sinistro’ é jumelle (gêmeo) e, portanto, pode ser presente (manifestar-se no causal) de duas maneiras: (i) no e através do Caminho Setenário e (ii) no modo de vida esotérico da Rounwytha rural.
(i) No Caminho Setenário.
Um arquétipo a ser vivido, experiencialmente por uma mulher, ou experimentado experimentalmente por um homem, como um noviço pathei-mathos; assim como o Satanismo da O9A (como manifestado em textos como O Livro Negro de Satã e nos arquétipos da O9A de Satã e Baphomet) é um noviciado pathei-mathos necessário, a ser vivido, experimentado, aprendido de: um começo de décadas anados que é o Caminho Setenário da O9A.
É por isso que as representações arquetípicas desse aspecto do feminino sinistro – sejam elas ficcionais ou artísticas (como nas imagens do Tarô) ou representadas por meio de ritos e cerimônias de feitiçaria, ou vividas ou experimentadas por meio de “papéis de insight” – são apenas representações arquetípicas pertinentes a essas três esferas inferiores e, assim, para o pathei-mathos individual. Elas não são, e nunca foram, a razão de ser da própria ONA, pois essa razão de ser é o Caminho Setenário e, portanto, os indivíduos que, através da realização desses anados, fundem o sinistro com o numinoso (o másculo com o muliebral) e assim desenvolver seu próprio weltanschauung (visão de mundo).
(ii) O Caminho de Rounwytha.
Um modo de vida raro e rural, desprovido de ritos, cerimônias e escritos, e historicamente da alçada das mulheres. Um Rounwytha tem uma sensibilidade particular e natural para os seres humanos, para a Natureza (e especialmente para a terra, o clima), para os seres vivos (especialmente animais) e para o céu/Cosmos. Um sentimento sem palavras e sem conceitos de conexões, do equilíbrio natural e da sabedoria de uma propiciação natural para ajudar ou restaurar esse equilíbrio e, assim, (a) ajudar a boa sorte, a boa saúde e as boas colheitas e gado saudável de alguns, ou (b) para, para outros, trazer infortúnio, má saúde (aos indivíduos e ao gado) e más colheitas. {8}
Claro, nós não esperamos – em relação ao Caminho Setenário – que a maioria dos autodescritos ‘satanistas’ inspirados em Levey – desmamados em gratificar seu ego – nem a maioria dos Ocultistas modernos – desmamados na ‘feitiçaria’ magiana – apreenda (a) a Intenção aeônica por trás de tais arquétipos da O9A, ou (b) a diferença, esotericamente e exotericamente, entre (i) a presença arquetípica – o nexion – que é a O9A com seu Sete Caminhos, e (ii) as presenças arquetípicas – os nexions – que formam as esferas particulares que são englobadas pelo nexion que é o Caminho Setenário.
Tampouco esperamos – em relação ao Caminho de Rounwytha – que esses mesmos ‘satanistas’ ou ‘ocultistas’ compreendam como e por que tal modo de vida rural é pertinente ao nexion que é a O9A.
Mas, como sabemos por nossa própria experiência, um ou dois podem, ao longo dos anos, apreendê-lo para talvez começar sua própria busca ao longo do Caminho Setenário ou talvez se dedicar a viver esse modo de vida Rouwythiano agora ameaçado.
Rachael Stirling
2017 ev
v. 1.05
NOTAS
{1} O Mito de Vindex.
{2} Este objetivo foi explicitado no início – dos anos 1970 a 1980 – em textos da ONA, um dos quais foi publicado no zine ocultista Nox dos anos 1980 e posteriormente incluído no livro The Infernal Texts: Nox & Liber Koth (Os Textos Infernais: Nox & Liber Koth, Falcon Publications, 1997).
{3} As diferenças são descritas no livro The Joy Of The Sinister (A Alegria do Sinistro). Em particular nos três capítulos intitulados (i) The De-Evolutionary Nature of Might is Right (A Natureza De-Evolucionária do Poder é Correto), e (ii) The Gentleman’s – and Noble Ladies – Breve Guide to The Dark Arts (O Breve Guia para as Artes Obscuras do Cavalheiro e das Damas Nobres), e (iii) Concerning Culling as Art (Sobre o Abate como Arte).
{4} Veja o texto O9A Alchemy And The Sinisterly-Numinous Tradition (A Alquimia da O9A e a Tradição do Numinoso-Sinistro.
{5} Poemandres, traduzido por DW Myatt. Másculo foi descrito como referindo-se:
“às habilidades e qualidades convencionais e historicamente associadas aos homens, como a competitividade, a agressividade, uma certa dureza, o desejo de organizar/controlar e o desejo de aventura e/ou de conflito/guerra/violência/competição sobre e acima do amor e da cultura pessoal.”
Muliebral foi descrito como referindo-se:
“àquelas características, habilidades e qualidades positivas que são convencionalmente e historicamente associadas às mulheres, como empatia, sensibilidade, gentileza, compaixão e um desejo de amar e ser amada acima de um desejo de conflito/aventura/guerra.”
{6} No esoterismo da O9A, um arquétipo é definido como “uma presença causal particular de uma certa energia acausal e é, portanto, semelhante a um tipo de ser vivo acausal no causal e, portanto, na psique; nasce (ou pode ser criado, por meios mágicos), vive, e então ele ‘morre’ (deixa de estar presente, presente) no causal (ou seja, sua energia no causal cessa).”
{7} O texto de 2017 The Seven Fold Way Of The Order Of Nine Angles: A Modern Practical Guide (O Caminho Setenário da Ordem dos Nove Ângulos: Um Guia Prático Moderno) fornece um resumo de ambos os ritos.
{8} O caminho de Rounwytha é descrito em vários textos da O9A, incluindo (a) The Rounwytha Way In History and Modern Context (O Caminho Rounwytha na História e no Contexto Moderno), de autoria de ‘A Camlad Rounerer’ e publicado em 2011, e (b) Some Notes On The Rounwytha Way (Algumas Notas sobre o Caminho Rounwytha) publicado em 2014.
Um resumo útil do caminho de Rounwytha é dado no capítulo VI (The Rounwytha Option, A Opção Rounwytha) do texto The Seven Fold Way Of The Order Of Nine Angles: A Modern Practical Guide (O Caminho Setenário da Ordem dos Nove Ângulos: Um Guia Prático Moderno).
Ainda não existe uma obra ficcional totalmente preocupada e descrevendo em detalhes o modo de vida dos Rounwytha, embora dois romances do Quarteto Deofel descrevam alguns aspectos tradicionais dele: (a) a relação sáfica entre Rachael e Diane e a intuição de Diane sobre Long Mynd e outros lugares rurais, em Breaking The Silence Down (Quebrando o Silêncio), e (b) a vida na aldeia em Stredbow, e a tradição sacrificial, descrita em The Giving (A Doação).
SOBRE O TRADUTOR
Ícaro Aron Soares, é colaborador fixo do PanDaemonAeon e administrador da Conhecimentos Proibidos e da Magia Sinistra. Siga ele no Instagram em @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.
ORIGINAL
Masculous And Muliebral: The Sinister Feminine And Homo Hubris, por Rachael Stirling.