O Despertar da Bruxa Satânica

Zeena LaVey

A Bruxa Satânica

Por Zeena LaVey. Tradução de Claudio Blanc. Revisão de Ícaro Aron Soares.

INTRODUÇÃO

Minha carreira como bruxa satânica começou quando eu tinha três anos de idade. No dia 23 de maio de 1967, aconteceu o primeiro batismo satânico legal da história, um ano depois da fundação da Igreja de Satã. Desde então, tenho participado de vários programas de entrevista, defendendo esse ritual, esclarecendo-o a pessoas que foram levadas a acreditar que os satanistas sacrificam bebês no altar, mutilam e matam animais, fazem de suas filhas prostitutas, entre outras acusações despropositadas e infundadas. Enraivece-me pensar que isso é tudo a que o público é exposto com relação ao satanismo.

Chegou a hora de os satanistas definirem o que é o real satanismo, sem serem interrompidos por jornalistas sensacionalistas e apresentadores de TV de “boca torta”. Meu batizado foi, de fato, o inverso de um batizado cristão. Em vez de eu ter sido mergulhada num banho frio por um estranho homem assexuado para ser limpa do “pecado original”, nós celebramos homem e natureza como realmente são.

Enquanto permanecia sentada, vestindo o robe vermelho que minha mãe tinha feito naquela manhã, eu brincava com o amuleto Bafomé pendurado no meu pescoço (esta imagem do bode satânico tinha sido feita à mão para mim pelo pioneiro sobrevivencialista Kurt Saxon, um membro-fundador da Igreja de Satã). Imperiosamente, estudei o mar de capuzes negros dos celebrantes. Levou alguns anos para eu perceber que alguns deles deviam estar mais fascinados com a mulher nua estirada no altar do que comigo. As distorções góticas de um órgão Hammond ecoaram nas paredes negras e vermelhas. Calmamente mascando um chiclete Trident sabor frutas, eu me deliciava em ser o ponto focal de toda aquela atividade.

Meu pai, o sumo sacerdote, ergueu sua espada cerimonial em sinal de bênção. Senti uma grande sensação de calor e respeito. Quantas pessoas podem honestamente dizer que já sentiram isso em suas vidas? “Tenho algo que eles não têm”, pensei orgulhosamente e, em harmonia, com a indulgente filosofia do satanismo.

Desde aquela noite, entendi o que significa ser uma bruxa satânica, uma mulher que faz uso total da sua astúcia feminina.

Por toda minha vida eu repetiria as palavras entoadas durante meu batizado:

Que os muitos andarilhos lhe deem a força, o poder de presas e garras vermelhas; que todos os demônios que dançam loucamente preencham-te com o conhecimento perdido dos antigos. Pequena feiticeira, de mágica tão natural e verdadeira, suas pequenas mãos têm o poder de derrubar o vivo céu e dos seus cacos construir um monumento à sua doce realização (…) E com esses outros no templo do diabo, você fará a cabeça dos homens girar e rodopiar, você os encherá de desejo. E assim dedicamos sua vida ao amor, à paixão e à realização, a Satã e ao caminho da escuridão, ao templo. Salve Zeena! Salve Satã!

No monte de publicidade que esse ritual acumulou, lembro-me de um artigo particularmente relevante para a mensagem latente da Bruxa Satânica. No ensaio sensacionalista sobre o satanismo “Evil Anyone”, publicado na revista Newsweek de 16 de agosto de 1971, aparecia uma foto do meu batizado com a legenda “Construindo uma Raça Melhor”. Essa legenda deu inspiração a um tema previamente proibido e que apenas agora pode ser totalmente explorado.

A Bruxa Satânica é, entre muitas outras coisas, um manual para a procriação seletiva, um manual para eugenia — a ciência perdida de se preservar os capazes de corpo e de mente enquanto se controla a população dos fracos e incompetentes.

Ironicamente, aquele mesmo número da Newsweek trazia a feminista Gloria Steinem na capa, exemplificando a “Nova Mulher”.

Foi nessa época de confusão de gêneros e de queima de sutiãs como lema que A Bruxa Satânica foi publicado pela primeira vez (sob o título de A Bruxa Completa). Um livro diabólico reforçando papéis sexuais tradicionais e atitudes “machistas” foi atacado de forma ferina naquela atmosfera andrógina, de militância estridente.

Lembro-me de criança perceber essa época como sendo completamente retrógrada. Os homens estavam ficando emasculados, as mulheres mais feias e os adultos em geral estavam tornando-se um sexo indeterminado em nome da liberação. Aqueles-que-queriam-ser-como Jimi Hendrix se juntavam com aquelas-que-gostariam-de-ser Janis Joplin.

O Unissex e o Flower Power borraram a distinção entre o homem e a mulher criando um composto sintético que representava o pior de ambos os gêneros. Foi, provavelmente, a pior época e lugar na História para ser uma Bruxa Satânica em desenvolvimento.

Outros grupos de bruxaria, menos corajosos, trilhando o caminho pavimentado pela Igreja de Satã, apareceram sob os holofotes e moldaram a percepção do público sobre aquilo que constituía uma bruxa. Os que buscavam algo não autêntico, bruxaria do tipo piquenique de domingo, juntavam-se aos montes à grupos de magia branca e wiccanos. Por outro lado, as oficinas para bruxas da Igreja de Satã encorajavam as mulheres a explorar seus recursos próprios, os mais poderosos e naturais, para conquistarem suas metas pessoais. Com a nova pressão de se conformar à não-conformidade, uma bruxa satânica tinha o seu trabalho moldado para ela. O que meu pai ensinava em suas oficinas criava mulheres verdadeiramente não-conformadas e encantadoras que se pareciam mais com Tina Louise e Kim Novak do que Margaret Hamilton (que teria sido considerada uma tremenda mulher em 1969).

A Bruxa Satânica foi elaborado para mulheres que queriam ter mais controle de suas vidas. Uma mulher podia pegar algumas dicas de bruxa satânica, colocá-las em prática, e ter resultados imediatos. O livro encorajava as mulheres a trabalhar com sua feminilidade em vez de contra ela. Mas para usar todas as suas suaves qualidades femininas, devia-se arriscar ser julgada como fraca e traidora do seu sexo. Para manipular-se, sem reservas, uma nova espécie de homens domesticados, masoquistas, tinha-se de ser considerada baixa e suja. Mesmo assim, aquelas que fizeram isso foram as mulheres mais fortes, mais determinadas e interessantes que conheci.

Muito cedo descobri que havia facetas do comportamento humano que não podiam ser alteradas por novidades e tendências. Como bruxinha, eu era a única garota no primeiro ano que usava vestido. Se um dos meninos havia conseguido ter um vislumbre da minha calcinha, ou da falta dela, como foi o caso acidental num dia de maio (a celebração da primavera, o “mastro de maio” da fertilidade), o boato se espalhava, e lá na hora do intervalo eu tinha uma horda de meninos marchando atrás de mim no pátio da escola. Quando voltava para a classe, era saudada pelos olhares sujos das minhas colegas que ostentavam as calças e botas que mais estavam na moda. Perseverantemente, adquiri minhas habilidades de manipulação pelo exemplo e por osmose, já que os padrões da bruxa satânica sempre estiveram presentes na minha casa.

Sempre me orgulhava da minha mãe na noite em que os pais visitavam a escola. Ela ostentava abertamente suas atribuições de bruxa, e podia sentir a inveja dos meus amigos quando suas cabeças viravam-se quando ela entrava na classe. Se naquele ano o professor fosse um homem, ela era tratada com o maior respeito. Se minha professora fosse uma mulher, porém, e se acontecia de seu marido estar presente, eu era repentinamente punida por coisas que não tinha feito. Comecei a apreender o poder do sexo como uma ferramenta.

Tinha 11 anos de idade quando li A Bruxa Satânica pela primeira vez. Os bazares do Exército da Salvação, do Coração Púrpuro e da Boa Vontade eram os únicos lugares onde era possível encontrar um belo vestido ou saia apertados, e assim esses eram os lugares onde fazia minhas compras. Passava horas sem fim assistindo a velhos filmes ou trancada no meu quarto enterrada em revistas das décadas de 1930, 1940 e 1950 que eu pegava emprestadas do meu pai. Estava ansiosa por testar algumas das teorias as quais conhecia melhor agora.

Desenvolvi-me cedo e já era peituda para a minha idade, então era fácil exercitar um dos “segredos da exposição indecente” simplesmente esquecendo-me do botão que periodicamente se abria se minha blusa fosse apertada demais. O irmão da minha melhor amiga e seus amigos ficaram condicionados, como os cães de Pavlov, a pôr os olhos no meu peito sempre que eu entrava no quarto. Minha amiga sempre me enchia, e eu, é claro, dizia ser inocente.

Dei mais importância a escolher uma imagem. Era naturalmente influenciada por modelos cinematográficas famosas como Mae West, Marilyn Monroe e Lauren Bacall, mas a mulher cuja imagem não conseguia tirar da minha cabeça era a da rainha da excentricidade da década de 1940, Betty Page. Tinha quatro anos quando a vi pela primeira vez numa das revistas masculinas do meu pai, de pé, sozinha, vestindo traje de dominadora completo. Ela tinha um rosto bonito, travesso, que não parecia muito apropriado à sua fantasia, mas, como diz o ditado, “as primeiras impressões são as que ficam”.

Meu pai me ensinou a estalar um chicote quando eu tinha nove anos; assim, lá pela época que eu tinha 11 anos, já estava atraindo garotos que precisavam que lhes dissessem o que fazer (um tema recorrente por toda minha vida).

Parecendo muito mais velha do que era e saindo com caras ainda mais velhos, não foi surpresa quando fiquei grávida aos 13 e dei à luz meu filho, Stanton, aos 14. Via o estilo de vida dos outros adolescentes com desencanto; consequentemente, com a responsabilidade de criar meu filho, veio uma liberdade que meus amigos não tinham acesso. Eu era agora uma mulher. Fui aconselhada por parentes distantes que se eu mantivesse o bebê, a vida seria dura. Ninguém iria querer namorar comigo por medo de se tornarem padrastos por coerção. Mas como “filha do diabo”, uma adolescente com prova viva do seu conhecimento carnal, fiz bom uso das fórmulas de A Bruxa Satânica. Tornei-me versátil o suficiente para atrair pessoas diferentes para propósitos diferentes. Tudo, desde advogados casados e policiais 20 anos mais velhos que eu, até delinquentes juvenis e motoqueiros que matariam voluntariamente qualquer um que me aborrecesse.

Nos anos de 1970, quando tinha 16, 17 anos, percebi totalmente os resultados destrutivos do “movimento feminista”. As ruínas manifestaram-se em tudo, desde estilos de roupas que encorajavam a assexualidade ou bissexualidade, exemplificadas por artistas como David Bowie e Cher. Quase vomitava a cada vez que ouvia falar sobre as horríveis representações da bruxaria moderna como “Evil Woman”, de E.L. O’s, “Witchy Woman”, dos Eagles, ou “(Gotta) Black Magic Woman”, do Santana. Pela época em que tudo se deteriorou ao mais baixo denominador comum, A Bruxa Satânica foi arrancado das livrarias, e nunca mais reimpresso, até agora.

Como consultora satânica, tive de reeducar muitos novatos sobre o significado real da bruxaria, um significado oposto à difusa síndrome wiccana da “boa bruxa”. Comecei até mesmo a não gostar da palavra “bruxa” depois de anos tendo de tolerar seu mau emprego por tantos hipócritas em cima do muro, presos entre o etos cristão de temor a Deus e sua satãnofobia.

As mulheres, como em todo momento crítico da nossa história, estão à frente da tempestade cultural que está a desabar. A mulher que apreender e entender totalmente a ter a maestria do mundo inerente aos ensinamentos satânicos neste livro adentrará num feminismo real: a liberação do demoníaco em cada mulher.

Zeena LaVey

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *