O Que é a Bruxaria Tradicional?

O Caminho Tortuoso

Por Kelden, The Crooked Path. Tradução de Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares@conhecimentosproibidos e @magiasinistra.

PARTE IO QUE É BRUXARIA TRADICIONAL?

Aqui você está diante de um caminho de terra que se estende e serpenteia ao longe. De cada lado há dois muros baixos de pedra, ambos desgastados pelo tempo e cobertos de musgo verde. Ao redor deles crescem abundantes ramos de dedaleira, datura e beladona. Você percebe um bastão bifurcado encostado em uma das paredes e um grande caldeirão de ferro fundido apoiado no chão perto da outra. À medida que a aparente lua crescente rompe as nuvens, você ouve o uivo repentino de um coiote vindo de algum lugar distante. Você respira fundo, preparando-se para a longa jornada que está prestes a começar. Você sabe que será desafiador e exigirá muito trabalho, mas já pode sentir seu poder interior despertando para o chamado do que está por vir. Agarrando intuitivamente o cajado, você dá uma última olhada ao redor antes de entrar no Caminho Tortuoso da Bruxaria Tradicional.

CAPÍTULO 1 – DEFININDO A BRUXARIA TRADICIONAL

O que é Bruxaria Tradicional? Se você está lendo este livro, é provável que esteja procurando a resposta para essa mesma pergunta. A Bruxaria Tradicional é frequentemente descrita como um Caminho Tortuoso. O termo tortuoso aqui se refere a uma série de coisas. Primeiro, sugere a ambiguidade moral classicamente associada à Bruxaria. As bruxas tradicionais praticam magia de dois gumes, capaz de ajudar e prejudicar. Em segundo lugar, descreve a cosmovisão ligeiramente desequilibrada das Bruxas Tradicionais, que nos permite ver o reino oculto dos espíritos. Terceiro, ilustra os movimentos vacilantes das Bruxas Tradicionais enquanto serpenteamos entre a paisagem natural selvagem e o misterioso Outro Mundo. Finalmente, aponta para o fato de que a Bruxaria Tradicional é uma prática incrivelmente difícil de definir sucintamente. Existem muito poucas respostas diretas a serem dadas neste caminho, e aqueles que o percorrem devem estar preparados para procurar as suas próprias verdades. Dito isto, a Bruxaria Tradicional geralmente pode ser definida como um termo genérico que cobre uma série de formas de Bruxaria não-Wiccanianas que são influenciadas e inspiradas pelo folclore.

Nos últimos anos tem havido um interesse cada vez maior pela Bruxaria Tradicional, embora isso não signifique que as pessoas nunca tenham se interessado por ela antes ou que seja de alguma forma um fenômeno novo. Na verdade, a popularidade da Bruxaria Tradicional aumentava de vez em quando nas últimas décadas. É um caminho que sempre atraiu as pessoas – incluindo aquelas que são novas na Arte e aquelas que são praticantes experientes – que buscam formas mais viscerais e intuitivas de Bruxaria. São pessoas que estão sendo movidas para forjar uma prática enraizada no folclore e também focada no mundo natural e no trabalho íntimo com os espíritos. Hoje, porém, a Bruxaria Tradicional atingiu novos níveis, e mais livros e artigos sobre o tema foram escritos do que nunca. Você pode pesquisar na internet e certamente encontrará inúmeros sites dedicados à Bruxaria Tradicional. As redes sociais levaram isso a alturas ainda maiores, com o Instagram e o Tumblr sendo inundados com fotos e postagens sobre #TraditionalWitchcraft.

No entanto, apesar da riqueza de recursos informativos produzidos, parece que ainda nos falta uma definição coesa do que é a Bruxaria Tradicional e o que ela implica. Sem essa definição, os que estão de fora ficam frequentemente confusos e os que estão dentro ficam sem saber como descrever concisamente o seu próprio caminho para os outros. Na esperança de remediar esta ambiguidade, devemos criar uma definição nova e funcional da Bruxaria Tradicional. No entanto, para conseguir isso com sucesso, precisaremos examinar de perto as principais crenças e práticas comumente encontradas ao longo do Caminho Tortuoso. Mas primeiro, será muito útil para a nossa causa se examinarmos algumas das razões pelas quais tem sido tão difícil definir com precisão a Bruxaria Tradicional.

O QUE TORNA ESTA BRUXARIA “TRADICIONAL”?

Um dos principais desafios que enfrentamos em nossa busca para definir a Bruxaria Tradicional é primeiro receber a tarefa de definir o termo tradicional. O que exatamente constitui uma tradição ou torna algo tradicional? Pelas minhas próprias observações, parece que muitas pessoas tendem a definir tradicional como algo extremamente antigo e que permaneceu completamente inalterado ao longo do tempo. Contudo, na realidade esta definição é incrivelmente limitada e irrealista, particularmente quando se trata de Bruxaria.

Em primeiro lugar, as tradições não são inerentemente definidas pela sua idade. Sabemos que novas tradições estão sendo desenvolvidas o tempo todo. As tradições são simplesmente criadas quando decidimos repetir consciente e intencionalmente uma determinada ação, como sair para tomar um café com um amigo nas manhãs de domingo ou preparar um prato especial em um determinado feriado. Embora seja verdade que as tradições de longa data incorrem naturalmente num maior sentido de relevância devido ao maior tempo que tiveram para impactar a vida das pessoas, isso não nega o significado e o valor das tradições mais recentes. Em segundo lugar, as tradições não são estáticas, mas sim de natureza fluida. Elas são coisas vivas e respirantes que são adicionadas e subtraídas cada vez que passam de mãos, mudando e crescendo continuamente. É assim que as tradições são mantidas vivas. A mudança é importante porque se uma tradição ficar estagnada, mais cedo ou mais tarde ficará ultrapassada e acabará por desaparecer completamente. Além disso, as tradições não são criadas no vácuo. Em vez disso, quase sempre surgem da ou em resposta a outros costumes já estabelecidos. Quando se trata de Bruxaria, isso significa que não existe uma tradição “pura” que tenha se desenvolvido e permanecido não influenciada por outras fontes externas.

Dados os equívocos comuns sobre o que se qualifica como uma tradição, a Bruxaria Tradicional é muitas vezes erroneamente considerada como representando (ou tentando representar) uma tradição singular, unificada e inalterada que remonta às brumas do tempo. Mas este não é o caso. Em vez disso, o termo Bruxaria Tradicional refere-se a uma coleção de diferentes caminhos que são influenciados e inspirados pelas tradições encontradas no folclore. E, mais uma vez, estas tradições estão sujeitas a mudanças e crescimento para que tenham relevância e significado no mundo de hoje. As Bruxas Tradicionais fazem um balanço das tradições e costumes do folclore, particularmente dos nossos antepassados, mas não nos enganamos acreditando que vivemos no passado ou que essas tradições permaneceram intocadas pelas mãos do tempo. Em vez disso, encontramos formas de entrelaçar fios do passado na tapeçaria das nossas vidas modernas. É este processo que torna a Bruxaria Tradicional “tradicional”.

O USO DO FOLCLORE NA BRUXARIA TRADICIONAL

Embora reconheçam o papel significativo que o folclore desempenha na Bruxaria Tradicional, muitas pessoas ainda se perguntam sobre a validade de seu uso ao estabelecer uma prática mágica. O folclore é frequentemente associado à ficção e posteriormente considerado nada mais do que faz de conta ou fantasia. Consequentemente, é natural que surjam questões sobre a legitimidade das crenças e práticas que se baseiam na sua premissa. Mas considere por um momento que a própria Bruxaria é frequentemente associada ao faz-de-conta e à fantasia. Tal como o folclore, as Bruxas existem no espaço liminar entre o fato e a ficção, e faz parte do nosso conjunto único de habilidades pegar o fantástico e transmutá-lo em realidade. Além disso, o folclore muitas vezes contém lições valiosas sobre uma variedade de tópicos – incluindo a prática da Bruxaria – escondidas nas dobras da sua narrativa. Portanto, na Bruxaria Tradicional, recorremos às histórias do folclore como forma de aprender mais sobre o trabalho da magia e a conexão com o mundo dos espíritos. Essas lições são então destiladas em uma prática eficaz e viável. E assim, embora a tradição a partir da qual as nossas práticas são extraídas possa não representar verdades históricas completas, é, no entanto, valiosa na medida em que traz significado e magia às nossas vidas.

De todo o folclore existente, é aquele que vem dos registros sobreviventes dos Julgamentos de Bruxas Europeias e Americanas que tem uma influência particular sobre a Bruxaria Tradicional. Dito isto, é importante notar e reconhecer imediatamente que continua a ser altamente improvável que as perseguidas fossem bruxas praticantes. Embora existam alguns casos em que parece que as acusadas tinham algum conhecimento de trabalho com magia e espíritos, nunca saberemos com certeza se elas eram realmente praticantes de Bruxaria. As confissões prestadas pelas arguidas foram frequentemente obtidas sob tortura, quase certamente motivadas pelo desejo de escapar à dor e à morte. Portanto, sua veracidade histórica é, na melhor das hipóteses, questionável. No entanto, não é o mérito factual das confissões que interessa às Bruxas Tradicionais, mas sim o rico corpo de folclore que elas encapsularam e geraram ao longo do tempo.

Independentemente de alguma dos acusadas ser ou não bruxas genuínas, parece que os elementos de bruxaria contidos em suas confissões (por exemplo, uso de feitiços mágicos, propriedade de espíritos familiares, reuniões de bruxas conhecidas como Sabás, e pacto com o Diabo) originaram-se de algum folclore pré-existente. Estes elementos podem ser encontrados em inúmeras confissões individuais por toda a Europa e América, sugerindo um conjunto já bem desenvolvido de crenças sobre bruxaria e magia. Desta forma, parece mais do que provável que os materiais de confissão relativos a práticas específicas de Bruxaria não fossem meras invenções, mas sim produtos de um sistema previamente estabelecido de crenças e ideias folclóricas. Novamente, este folclore pode não ter peso em termos de precisão histórica, mas provou ser útil na sua capacidade de informar e inspirar a criação de práticas eficazes de Bruxaria moderna.

A AUTENTICIDADE E A BRUXA TRADICIONAL

Intimamente entrelaçadas com as noções preconcebidas sobre o que qualifica algo como tradicional estão as ideias sobre o que significa algo ser autêntico. Autenticidade é um tópico altamente controverso dentro da Bruxaria Tradicional, bem como na comunidade Pagã, na Bruxaria e na Wicca em geral. Sabe-se que as pessoas não medem esforços para estabelecer um senso de autenticidade dentro de si mesmas e em seu caminho. Algumas pessoas farão afirmações absurdas para respaldar sua Arte, como inventar membros fictícios da família para demonstrar uma suposta linhagem hereditária de Bruxas. Outras destruirão as práticas de colegas bruxas para se sentirem superiores ou mais poderosas. É claro que, como o clássico valentão da escola, esse comportamento geralmente mascara profundas inseguranças sobre seu próprio nível de conhecimento e habilidade mágica. Além disso, o seu comportamento é frequentemente exacerbado por ideias equivocadas sobre o que determina a autenticidade.

Autenticidade é muitas vezes mal interpretada como algo que se origina de fatores externos (por exemplo, dinheiro, popularidade, aparência/estética pessoal, etc.). No mundo da bruxaria e da magia, a autenticidade é mais comumente atribuída erroneamente à idade. Semelhante às crenças relativas às tradições, pensa-se que para que algo – neste caso uma tradição de Bruxaria – tenha autenticidade, deve ser significativamente antigo e ter permanecido inalterado ao longo do tempo. Infelizmente, o sentimento de que a autenticidade vem da idade – ou de qualquer outro fator externo – pode revelar-se bastante inútil e, em última análise, levar à decepção. Isto porque, na prática da Bruxaria Tradicional, a autenticidade vem de dois lugares, nenhum dos quais está inerentemente relacionado à idade. Primeiro, vem de dentro, de ter uma firme crença e confiança em si mesmo e na sua Arte. Em segundo lugar, a autenticidade vem da eficácia, ou da capacidade de trabalhar magia com sucesso e de se conectar com os espíritos. Se você se sente seguro de suas habilidades mágicas, se se sente intimamente ligado aos espíritos com quem trabalha e se sua prática traz realização e felicidade para sua vida, então ela é autêntica. Em suma, como disse a brilhante Bruxa e autora Laura Tempest Zakroff: “O caminho autêntico da Bruxaria é aquele que funciona”. [NOTA 2]

ELEMENTOS-CHAVE DA BRUXARIA TRADICIONAL

Agora que já trabalhamos nas questões iniciais da definição da Bruxaria Tradicional, é hora de explorar os fundamentos de sua prática. Resumindo ao mais básico dos ossos, existem três elementos-chave da Bruxaria Tradicional, todos eles infundidos com o folclore que acabamos de discutir. À primeira vista, esses elementos podem parecer simples demais, mas encorajo você a olhar mais a fundo (e faremos exatamente isso nos próximos capítulos). Cada elemento contém muitos fios adicionais que, quando entrelaçados, criam a entidade altamente diversificada que é a Bruxaria Tradicional. Para nossos propósitos de desenvolver uma definição prática de Bruxaria Tradicional, é pertinente que sigamos agora esses fios até o cerne que está em seu centro.

O TRABALHO COM MAGIA

A Bruxaria Tradicional é um caminho que envolve o uso da magia através de rituais e feitiços. Como membros de tradições como a Magia Cerimonial, Wicca e Hodu, recorremos a várias fontes de poder mágico para efetuar mudanças no mundo. A forma como a magia é empregada varia de um praticante para outro, mas muitas Bruxas Tradicionais fazem uso do que é conhecido como baixa magia ou magia popular – um tipo de magia que é altamente prática e realista. Da mesma forma, existem também Bruxas Tradicionais cujas práticas mágicas são de natureza mais cerimonial, caracterizadas pelo uso de rituais elaborados com uma série de ferramentas especiais e conjurações prolongadas. Embora as especificidades de como a magia é usada tendam a diferir, existem algumas práticas rituais importantes que são comumente usadas, incluindo a rodada da bússola (criando um espaço ritual liminar), pisar no moinho (criando um estado de transe e aumentando o poder mágico), e o housel (dar oferendas aos espíritos). Discutiremos esses rituais e a arte da feitiçaria na Parte II deste livro.

O TRABALHO COM O OUTRO MUNDO

A Bruxa Tradicional é aquela que visita o Outro Mundo e trabalha com os vários tipos de espíritos que ali residem. Esses espíritos incluem deuses e ancestrais, bem como espíritos familiares e fetch. Embora os espíritos desempenhem um papel proeminente na Bruxaria Tradicional, nem todos os praticantes trabalharão com cada tipo de espírito. Por exemplo, existem muitas Bruxas Tradicionais que não reconhecem qualquer tipo de divindade e, em vez disso, concentram-se exclusivamente nos seus antepassados. Para efeitos de simplicidade e inclusão, o termo genérico espíritos mserá utilizado neste livro para abranger todas as formas, salvo indicação específica em contrário. Independentemente do tipo de espírito, o relacionamento que temos com eles é vivido como uma parceria igualitária e não como uma adoração subjugada. Não nos curvamos aos nossos espíritos nem imploramos pela sua ajuda. Nós nos envolvemos ativamente com eles, realizando ofertas, fazendo pactos e conversando uns com os outros. Estabelecer relações de trabalho com os espíritos é importante na Bruxaria Tradicional, pois eles são guias e assistentes mágicos inestimáveis. A fim de desenvolver relacionamentos com os espíritos, as Bruxas Tradicionais visitam frequentemente o Outro Mundo através da prática de cruzamento de barreiras, que é cruzar livremente entre o nosso mundo e o dos espíritos. Discutiremos o Outro Mundo e como chegar lá, bem como os vários tipos de espíritos e como trabalhar com eles, na Parte III deste livro.

O TRABALHO COM O MUNDO NATURAL

Nas comunidades de Bruxaria, Wicca e Pagã, a natureza é vista como incrivelmente sagrada e mágica. Isto é particularmente verdadeiro para a Bruxa Tradicional, pois as nossas práticas estão firmemente enraizadas no mundo natural, incluindo tanto a nossa própria paisagem local como os céus acima. Na Bruxaria Tradicional nos concentramos em trabalhar com as plantas, pedras e animais que estão presentes em nossa própria biorregião, juntamente com as mudanças das marés sazonais, os padrões climáticos e as influências planetárias. Vemos o mundo através de lentes animistas, o que significa que vemos o espírito em todas essas coisas. A própria terra é vivenciada como uma entidade viva e que respira, muitas vezes chamada de genius loci, ou espírito do lugar. Além disso, trabalhamos com os seres terrestres individuais, ou espíritos da natureza, que habitam a paisagem e coletivamente constituem esse espírito do lugar. Assim como acontece com o Outro Mundo e seus habitantes, quando estabelecemos um relacionamento com o mundo natural e os espíritos que vivem ao nosso lado, fazemos parceria com aliados e professores poderosos. Discutiremos o trabalho com o mundo natural na Parte IV deste livro.

Todos esses três elementos são reunidos e infundidos com inspiração folclórica. Este é o Caminho Tortuoso da Bruxa Tradicional, aquele que exerce as forças da magia, se aventura no reino dos espíritos do Outro Mundo e trabalha com os poderes do mundo natural. A Bruxa Tradicional é aquela que é informada e inspirada pelas histórias do passado, extraídas de fatos, ficção e todos os lugares intermediários. Somos alquimistas espirituais, coletando e transformando o que encontramos em algo que atenda às nossas necessidades e alimente a nossa alma. Discutiremos a união dos elementos da Bruxaria Tradicional para construir sua própria prática pessoal na Parte V deste livro.

RELIGIÃO OU PRÁTICA ESPIRITUAL?

Você deve ter notado que ainda não usei o termo religião ou espiritualidade para descrever a Bruxaria Tradicional. Isso porque ela é antes de tudo uma prática mágica. As bruxas trabalham de forma operativa, lançando feitiços e realizando rituais para efetuar mudanças em nossas vidas e nas vidas de outras pessoas. É na nossa prática mágica que podemos incorporar componentes religiosos ou espirituais. Isto significa que, em sua essência, a Bruxaria Tradicional não é denominacional. No entanto, as pessoas tendem a entrar em longos debates sobre se a Bruxaria Tradicional é uma religião ou espiritualidade (ou ambas, ou nenhuma!). Na verdade, não há lado certo ou errado neste debate. Em vez disso, é algo que, em última análise, cabe ao indivíduo determinar por si mesmo e será baseado em grande parte em como ele conceitua e diferencia entre religião e espiritualidade.

Para muitos, a palavra religião evoca imagens de grandes igrejas, sermões abafados e conjuntos rígidos de regras morais. A religião é normalmente pensada como algo organizado ou institucionalizado, com membros seguindo o mesmo sistema de crenças e práticas que giram em torno da adoração de uma divindade específica. Além disso, geralmente se pensa que a religião é vivenciada externamente, com a divindade estando em algum lugar distante da humanidade. Se seguirmos esse critério, a Bruxaria Tradicional não se enquadra muito bem na categoria religiosa. Na verdade, muitas pessoas protestam rotulando-a como uma religião porque, como afirmado anteriormente, não adoramos os nossos espíritos no sentido em que um cristão adoraria Jesus. Em vez disso, existe um sentimento de igualdade, sendo a relação uma parceria simbiótica em que todos beneficiam. Claro, isso está ao lado do fato de que nem todas as Bruxas Tradicionais trabalham com divindades. Além disso, excluindo alguns pontos em comum unificadores, há muito pouca organização dentro da Bruxaria Tradicional, com práticas variando amplamente entre diferentes culturas, regiões, indivíduos e tradições específicas.

Por estas razões, muitas pessoas sentem que a Bruxaria Tradicional, no mínimo, é mais uma espiritualidade do que uma religião. A espiritualidade é frequentemente definida como um caminho que inclui o trabalho com espíritos, mas de forma mais autônoma. As relações com os espíritos parecem mais pessoais, sendo o indivíduo capaz de explorar e envolver-se de uma forma que se alinhe mais com as suas necessidades e preferências específicas. Além disso, a espiritualidade não é organizada ou vinculada por uma doutrina universal, deixando ao critério do indivíduo descobrir o que é verdadeiro para ele. Desta forma, a espiritualidade, em oposição à religião, é vivenciada num nível mais interno. Quer você veja a Bruxaria Tradicional como uma religião ou espiritualidade, é pertinente ter em mente que o que é verdade para você pode não ser verdade para todos os outros. Portanto, embora você possa vivenciar a Bruxaria Tradicional como uma espiritualidade, outra pessoa pode experimentá-la como uma religião. Todos nós temos crenças e origens diversas, e o respeito por essas diferenças individuais é muito importante no mundo da Bruxaria.

A ideia de que a Bruxaria Tradicional não é denominacional, ou de que não está inerentemente ligada a nenhuma religião ou espiritualidade, pode ser controversa na medida em que quase sempre associamos a Bruxaria exclusivamente ao Paganismo. No entanto, a Bruxaria Tradicional faz uso da magia popular, que historicamente tem sido de dupla fé. Por exemplo, as bruxas tradicionais recorrem frequentemente aos feitiços e encantos do povo astuto (os primeiros praticantes de magia nas Ilhas Britânicas), que contêm peças de imagens cristãs misturadas com pedaços de crenças populares pagãs. Um exemplo fascinante dessa mistura de crenças é preservado em um encanto popular para prevenir a febre, no qual três ferraduras são pregadas aos pés da cama enquanto se recita o seguinte encanto:

Pai, Filho e Espírito Santo,

Pregue o diabo neste poste.

Três vezes eu golpeio com o cajado sagrado, um para Deus e um para Wod e um para Lok. [NOTA 3]

Neste caso, a Bruxa está invocando ativamente tanto as figuras cristãs quanto as divindades nórdicas Woden e Loki. Hoje, você encontrará Bruxas Tradicionais que continuam a prática da observância da dupla fé. Por exemplo, muitos praticantes não hesitarão em invocar os santos católicos e usar salmos em seus feitiços. Se você deseja temperar seu caminho pessoal com partes de uma religião ou espiritualidade específica, a escolha é sua.

UMA DEFINIÇÃO PRÁTICA

Até agora estabelecemos o que significa ser tradicional e autêntico, o porquê do folclore ser uma fonte válida e importante de informação, quais são os elementos-chave da prática da Bruxaria Tradicional e que ela pode ser uma religião ou espiritualidade. Neste ponto, é hora de usar o que aprendemos para criar nossa definição prática de Bruxaria Tradicional:

Bruxaria Tradicional é um termo abrangente que cobre uma vasta gama de práticas não-wiccanianas inspiradas no folclore. Essas práticas podem ser vistas como religiosas ou espirituais, dependendo do grupo ou do praticante individual. As Bruxas Tradicionais concentram-se no uso da magia, conectando-se com a paisagem natural e trabalhando com vários espíritos tanto no reino físico quanto no Outro Mundo.

EXERCÍCIO 1: Definindo Pessoalmente a Bruxaria Tradicional

Objetivo: Considerar como, dado o que você aprendeu até agora, você define pessoalmente a Bruxaria Tradicional.

Localização: Um espaço tranquilo onde você pode pensar e escrever.

Horário: a qualquer hora.

Ferramentas: Seu diário e uma caneta. Em seu diário, responda à seguinte pergunta:

Você concorda com a definição de Bruxaria Tradicional fornecida no final deste capítulo? Se sim, de que forma isso repercute em suas próprias experiências, sentimentos ou ideias? Se não, como você definiria pessoalmente a Bruxaria Tradicional?

[conteúdo]

2. Laura Tempest Zakroff, Weave the Liminal: Living Modern Traditional Witchcraft (Woodbury, MN: Llewellyn Publications, 2019), 48.

3. Christina Hole, Witchcraft in England (Londres: BTBatsford, 1947), 134.

SOBRE O TRADUTOR

Ícaro Aron Soares, é colaborador fixo do PanDaemonAeon e administrador da Conhecimentos Proibidos e da Magia Sinistra. Siga ele no Instagram em @icaroaronsoares@conhecimentosproibidos e @magiasinistra.

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