
A Fonte de Hécate
Por Kenneth Grant, Hecate’s Fountain, Parte Dois: O AL à Luz da Gnose do Necronomicon, Capítulo Cinco. Tradução de Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.
No clímax da possessão do sacerdote por Hadit, o último exclama: “A palavra está esgotada?” A pergunta é feita no verso 69 do capítulo de Hadit; é o verso 135 do AL como um todo. 69 é o número da palavra ‘Criança’, e de ABVS, ‘manjedoura’, onde uma típica ‘criança mágica’ foi dita ter nascido. É também o número da palavra grega DINH, que significa “o vórtice do sistema solar”. O número 69 pode ser ainda mais significativo como se referindo ao Aeon de Maat, e à(s) Criança(s) de Maat, porque 69 implica a Fórmula de Ipsos 1. 69 é 23 + 46. 23 é o Caminho de Ipsos, como vimos, e 4 é o número de Mu, uma forma de Maat como a devoradora. 2 Como se para confirmar essas noções, 135 é MPIH, ‘da boca dela’, e é o número da palavra ‘mago’.
O verso é importante na medida em que sugere que a Palavra do Aeon 3 foi abortada no segundo dia da redação do AL. Parece provável que a Palavra estivesse ‘esgotada’, porque o verso seguinte declara: “Há ajuda e esperança em outros feitiços”, e o restante do verso trata de vários requisitos rituais relativos à mágicka sexual.
A ênfase do refinamento em relação às atividades sensuais pode muito bem ser enfatizada. Embora endereçada à Besta, aconselha-o: “Não seja animal; refina seu êxtase! Se você beber, beba pelas oito e noventa regras da arte: se você ama, exceda pela delicadeza; e se você fizer algo alegre, que haja sutileza nisso!” “Mas exceda! exceda!” 98 (oito e noventa) é o número de ChMN, ‘a imagem oculta ou escondida’; pertence ao Sol (a Besta) e ao andrógino, ou ginandro, ou seja, lingam-yoni. Novamente ocorre a palavra ‘boca’, MHN (grego), que também tem este número, também ChSL, ‘consumir’, ‘devorar’, ‘comer’, mais indicativo da Gnose Maatiana. As três palavras que formam o verso 71 – “Mas exceda! exceda!” – sugerem a entidade LAM, de quem é este número, e não é improvável que o simbolismo do ovo seja literalmente indicado pela palavra exceda (ovo-semente), no sentido paranomasíaco característico de certas tradições ocultas. Crowley frequentemente se valia desta característica, e é particularmente evidente em conexão com a fórmula da mágicka sexual que acabamos de mencionar. 4
O sacerdote é instado a exceder: “Esforce-se cada vez mais! E se você é verdadeiramente meu – e não duvide, e se você estiver sempre feliz! A morte é a coroa de tudo”. Aqui, novamente, Daath, a ‘falsa’ sephira é considerada a coroa de tudo, 5 ou seja, tudo o que é manifestado, pois Yuggoth (Kether) está inteiramente além do universo manifesto. 6 A morte, ou Daath, é erroneamente considerada falsa porque é considerada um beco sem saída, um portal que se abre para lugar nenhum. Na verdade, porém, pode levar ao Universo ‘B’ através da Zona Malva e ao outro lado da Árvore. Mas para a consciência totalmente terrestre, o Portal de Daath não cede: “A morte é proibida, ó homem para ti”. Só o anseio intenso admite à Zona Malva: “Aquele que vive muito e deseja muito a morte é sempre o Rei entre os Reis”.
Após o panegírico da morte aparecem os enigmas do verso 76. Sugeri em escritos anteriores que os números e palavras da cifra se referem a essências e kalas específicos no complexo psicossomático humano, e não a personalidades históricas. Jogos de adivinhação dessa natureza constituem, certamente, a mais tola das atividades. Aqueles que acreditam que o número 666 se refere a Nero, a Napoleão ou a Aleister Crowley, provavelmente também acreditarão que Adão e Eva foram indivíduos reais. Tais mentalidades são impedidas de aceitar uma explicação impessoal, não histórica. O AL declara: “Vem alguém a seguir-te: ele deve expô-lo”. Crowley presumiu que Frater Achad era o “único”, mas quando eles romperam um com o outro Crowley supôs que alguma outra pessoa iria desvendar o mistério. Embora em sua correspondência privada com Handel e outros, Achad alegasse ter resolvido o enigma do verso 76, ele não o revelou a ninguém. Nem, depois de sua morte, houve qualquer coisa relevante encontrada entre seus papéis. Mas até agora, ninguém interpretou isso satisfatoriamente, embora um número crescente de grupos 7 esteja tentando. Até o momento, a perícia cabalística, a intuição mística, o uso de computadores, todos falharam em quebrar a noz. 8 Seja como for, é possível que os números e as palavras formem uma combinação-cifra denotando um complexo de essências e kalas que irão – quando chegar a hora e quando os “tempos forem adequados” – abrir a porta para o Universo ‘B’.
O “escolhido” é exortado a “seguir o amor de Nu no céu estrelado: olhar para os homens, dizer-lhes esta palavra de prazer”. Há uma dica de que essa “palavra de prazer” pode ser incluída na cifra. A frase “olhar para os homens” implica que pode haver outras entidades além dos homens que podem ouvir ou proferir a palavra. E onde está o “escolhido”, para que possa “olhar para os homens?” A resposta é – no céu estrelado. Em outras palavras, uma entidade olhando das estrelas.
O profeta é então elogiado em termos inequívocos: “pois não há ninguém semelhante a ti entre os homens ou entre os Deuses”. Essa passagem ocorre no verso 78, que é o número de Mezla, a influência do Alto ou do Além. 78 também é igual a ChILL a ‘Estrela da Manhã’, Lúcifer. É o verso 144 do AL como um todo, onde, e 144 é ‘o número perfeito, 9 no Zodíaco, na grande balança’. Daí o número no Apocalipse, 144.000, como uma figura da semente escolhida; não de Israel, mas dos Grandes Antigos. Como se para confirmar esta equação, o grego H EKLOGH, ‘a Escolha’, ou ‘Eleito’, também soma 144. 10 Isso demonstra a natureza extraterrestre da semente, ou influência do além.
O verso continua com “Levanta-te, ó meu profeta, a tua estatura ultrapassará as estrelas. Eles adorarão o teu nome, quadrangular, místico, maravilhoso, o número do homem; e o nome da tua casa 418”. A numeração total das letras que compõem o “homem” é 1146, que é composta pelos números de Nuit (11) e de Maat (46). 1146 é o número de TzNThRVTh, ‘jarros ou vasos globulares’, que será explicado oportunamente. Também pode ser lido como 496, a soma da série 1- 31 e, portanto, particularmente apropriado por AL, pois 31 é sua Chave. 496 é o número de LVIThN (Leviatã), ‘um dragão’, ‘monstro marinho’ ou ‘O Profundo’; e de ShQVTz, ‘abominação’, ‘imundo’, do egípcio Sek, ‘corrupto’, ‘maligno’, uma referência à Corrente Ofidiana em sua fase lunar. 496 é também o número de MLKVTh, Malkuth, a décima Zona de Poder Cósmico onde está situada a “Casa” da Besta e deste “homem”. Superar as estrelas é uma noção que sugere uma projeção além de Yuggoth (Kether) – as antípodas de Malkuth; uma projeção, talvez, para Nu-Ísis no céu estrelado. Isso é conjectural, mas mais do que provável tendo em vista o fato de que 78 (o número do verso) é o número de Mezla, a influência de cima, ou seja, acima do Abismo; além de Yuggoth.
O “nome da tua casa 418”, foi tomado por Crowley para se referir a Boleskine, a Casa em Foyers, Inverness, Escócia, onde ele executou a Magia Sagrada de Abramelin, o Mago. 11 Mas a suposição foi baseada em cálculos cabalísticos duvidosos. 418 é o número de ‘Lanalus’, um planeta envolvido no conhecimento de ÓVNIs. Seu outro número, 178, é uma metátese de 718 que é a da Estela da Revelação, e de Aossic Aiwass. Como 496 é a soma da série 1-31, então 418 12 é a soma da série 13-31, mostrando a fórmula da Sacerdotisa (LA) em vez da do Sacerdote (AL). 418 é também o número da cifra secreta RPSTOVAL que, como mostrado em Fora dos Círculos do Tempo contém o mistério do Ovo e de LAM, o Grande Antigo.
Como que para firmar a extraterrestrialidade desses conceitos, o “homem” invertido lê Nameth, o nome de um Antigo especificamente associado com a zona de poder trans-yuggothiana acessível através da morte (Daath). Isso se reflete do lado de cá da Árvore Sefirótica como “o homem” cujo número – 1146 – explica o significado dos vasos globulares já mencionados. A Casa de Nameth é, portanto, a casa do homem cuja “estatura ultrapassará as estrelas”; da entidade LAM oculta em RPSTOVAL, o ovo ou recipiente globular, a casa cujo número é 418. Note-se também que 418 é o número de ChITh, ou ChUTh, a ‘besta dos juncos’, o monstro marinho, que o equipara a Leviatã, e com os Profundos representados pelo Dragão: 418 + 371 (Shaitan) = 789, a Corrente Draconiana.
Hadit é, portanto, a essência, ou semente, da inteligência extraterrestre que Nuit está transmitindo à terra através das estrelas. O capítulo de Hadit, portanto, conclui com as palavras “bênção e adoração ao profeta da adorável Estrela!” A adorável Estrela é – de todas as estrelas de Nuit – a oitava, pois como Set ou Shaitan é Aquele além das Sete Estrelas, Ele representa sua altura ou cume. Ele é aquele que vem depois.
O terceiro e último capítulo de AL abre com a palavra Abrahadabra, que significa literalmente a ‘palavra do Grande Vidente’. Seu número é 418. É atribuído a Rá-Hoor-Khuit. No primeiro verso, o ‘yod‘ 13 é omitido de ‘Khuit’ porque a visão pura ocorre apenas quando o sacerdote está adormecido, o que significa que a sacerdotisa é primordial (em seu sono mágico) porque o Khu-t sozinho é receptivo de imagens invocadas pelo Grande Vidente.
Set ot Had é o coração, ou essência, da palavra Abrahadabra. Este é o verso 146 do Livro como um todo. 146 é o número de BBA QMA, ‘o Primeiro Portal’, e, pela cabala grega, de Panagia, um epíteto para a Virgem. É também o número de SVP, para destruir’, ‘acabar com’, do egípcio seft, ‘colocar na espada’. Essas noções dão o tom para o capítulo de Rá-Hoor-Khuit, pois ele é um “deus da guerra e da vingança”.
A espada, zain, é emblemática do Aeon Sem Palavras e da Corrente Gêmea ou Dupla, Set-Hórus (Hoor-paar-Kraat e Rá-Hoor-Khuit). No segundo verso há uma alusão a “uma palavra desconhecida”. O lançamento de feitiços errados ou inadequados parece ser responsável por este estado de coisas, então o verso “Levante o feitiço de Ra-Hoor-Khuit” (com o yod in situ) segue logicamente sua ausência no verso 1. É como dizer que a vibração da Palavra do Grande Vidente (Abrahadabra), que é descrita como a “recompensa de Rá Hoor Khut”, criou uma grande divisão 14 na qual a Palavra foi perdida. O sacerdote é, portanto, exortado a “Levantar o feitiço de Ra Hoor Khuit” para que a Corrente 93 possa ser estabelecida pelo uso do Yod, como na mágicka sexual.
As instruções então dadas revelam um viés a favor do elemento marcial (Hórus), com seu acompanhamento característico de fanfarronice e intimidação. O fato claro é que nenhuma Palavra foi proclamada, e nenhum sacerdote digno desse nome apareceu para legitimar as afirmações bombásticas feitas para e em nome do chamado profeta. Onde, por exemplo, está “a única prova” que justificaria Crowley na questão da Estela da Revelação, que ele deveria “obter” e colocar em seu “templo secreto”? Em algum momento nos anos 20, Crowley imaginou J. F. C. Fuller levando a estela do Museu Boulak, mas nessa época Fuller havia transferido sua lealdade de Aleister Crowley para Adolf Hitler. 15 Fuller não descobriu, até anos após a morte de Crowley, que ele tinha sido destinado a ‘abstruir’ a Estela. No fraseado do verso sobre ele há uma referência oblíqua aos kalas, que até agora escapou ao conhecimento dos comentaristas: “Não se desvanecerá, mas a cor milagrosa voltará a ele dia após dia. Feche-o em vidro trancado para uma prova para o mundo”. Isso aparece no décimo verso do terceiro livro. É o verso 155 do livro como um todo. 155 se reduz a 11 e depois a 7. 155 é um a menos que o número de Babalon, que é tanto o Portal duplo quanto a Estrela de onze raios, e cujos kalas são escarlates. Aqui se encontra o verdadeiro significado do yod ausente (I) que é o falo da Besta (sacerdote). A sacerdotisa, Tanith (como 475), ao usar a corrente da Mulher Escarlate (156), invoca 631. 16 Este é um número de LAM, de Thanatos (Morte), e de DTzNIOVThA, o ‘Mistério Oculto’. O Mistério é revelado da seguinte forma: O cipo ou Estela, é um significado de TzIVN 17 (Zion, Sião), que simboliza a Corrente Ofidiana em sua fase lunar, diminuindo à escuridão. No entanto, “Não se desvanecerá, mas a cor milagrosa retornará a ela dia após dia: porque esta é a maneira de ascensão lunar à quinzena de relâmpagos, de clareamento. 18 Zion deriva do egípcio senn, ‘fundar’, ‘erigir’, ‘estabelecer’, ‘levantar’ como um cipo ou estela. O sen-hru é o nome da 14ª epiphi, a culminação dos 14 dias da quinzena brilhante que equivale ao dia da festividade de verão, quando o ‘olho’ estava cheio e o ano completo. A estela é, portanto, a epítome dos kalas estelares. É a Pedra de CTHLH, ou Cthulhu, que se chama IXAXAAR (333), na qual brilha a Estrela do Seis (ou Sexo), a Pedra dos Sessenta. 19
Babalon é a “Rainha Vitoriosa” e sua “Cidade Vitoriosa” mencionada no verso que segue o de acima. O profeta foi instruído a pegar a estela e “fechá-la em vidro trancado para uma prova ao mundo”. O verso 11 começa então com as palavras: Esta será a sua única prova”. Os detratores de Crowley apontam para este verso como prova de que sua “única prova” não estava disponível. Interpretado em um sentido literal, sem dúvida, é assim, mas não é esse o sentido em que escritos como Dzyan, Thoth, Al Azif e o AL devem ser entendidos.
A Estela da Revelação é a Pedra-Estrela 718 que reflete, dia a dia, os kalas ou cores que lhe são conferidas por sua imagem no templo secreto da Sabedoria Estelar (Chokmah). Isso reflete de Yuggoth (Kether) os kalas de Nu Ísis, que é o Um além de Dez, ou seja, a décimo primeira, Daath. O ritual, exigido daqueles que reabastecem a estrela desbotada e distante com os kalas vívidos do culto diário, envolve fogo e água, 20 “espadas” e “lanças”. A Espada é forjada no fogo (luz) a Lança pinga com sangue. “Que a mulher seja cingida de espada diante de mim”. A Espada – zain – tipifica aqui a corrente gêmea ou dupla formada pelos kalas que brilham de sua vulva. Zain é a fórmula do Aeon Sem Palavras. “Deixe o sangue fluir para o meu nome”. Essas palavras ocorrem no verso 156 do AL (como um todo) e é evidente que se destina à Mulher Escarlate. Como uma recompensa, aos adoradores são prometidos a carne do “Pagão”. Esta palavra é equivalente a GVIM, e seu número é 59 que também é o número de NDH, ‘menstruata’. O pagão é o morador da Terra Desolada, que é um símbolo da zona malva. A implicação é que a cena dessas atividades está localizada do outro lado da Árvore.
O adorador também é exortado a “Sacrificar o gado, pequeno e grande: depois uma criança”. Não há necessidade aqui de discutir as fantasias mórbidas de escritores como Vallée, que lêem relatos de sequestros em massa e mutilações de gado no Velho Oeste, como obra de magos negros: extra-terrestres (ou meros terrestres!) inclinados à destruição. 21 O significado do verso deve ser buscado na zona malva, onde tais fenômenos podem ser interpretados como banquetes mortuários (como celebravam os antigos), ou como refeições necromânticas, 22 e não como patologias sugestivas do “povo de Innsmouth”.
O verso foi lido como uma licença para o sacrifício, animal e humano, mas um pouco de reflexão revela a falácia de tal interpretação. A onda de vida evolucionária avança, e ninguém hoje ignora o fato de que o sacrifício animal (e humano) foi substituído por formas menos drásticas. Mesmo assim, o derramamento de sangue pode ser sacrificial sem terminar a vida, humana ou não; e ‘crianças’ são simbolicamente sacrificadas sem perda de vida, como os leitores de Magick estão bem cientes. 23
O “gado, pequeno e grande” refere-se à dupla lunação na fêmea humana, que os egípcios simbolizavam como a vaca vermelha sagrada à Hathor. Se a “vaca” é sacrificada depois da “criança”, então a Vontade Mágica é encarnada em carne e reificada. Seguindo o comando de sacrificar gado depois de uma criança vem o comando adicional: “Mas não agora”. Estas três palavras constituem o verso 13, sendo 13 o número do ciclo lunar feminino. A implicação é óbvia. A hora certa, o momento próprio ou ‘rito’, será dada a conhecer à Besta e à Mulher Escarlate, a Vaca Vermelha. Eles são avisados, no entanto, que eles “se entristecerão”, pois o rito envolve não apenas o cumprimento de promessas, mas também a realização de maldições, como poderia ser esperado em relação a um rito da Zona Malva. 24
Segue-se então outra passagem que distingue a Besta e a Mulher Escarlate, o sacerdote e a sacerdotisa, de “homens”, “Fados” e “deuses”, todos os quais não devem ser temidos. Nem devem ser temidos os poderes do dinheiro, ou o riso zombeteiro dos tolos, “nem qualquer outro poder no céu, ou na terra ou debaixo da terra”. 24 Estas frases lembram os Grimórios Goéticos e suas fórmulas para alcançar a união com o próprio Daemon, 25 que novamente, confirmam a tese de que o Livro da Lei é dirigido a Inteligências que não são totalmente terrestres.
Em seguida, vem uma passagem surpreendente: “Misericórdia, que desapareça: malditos os que se compadecem! Matem e torturem; não poupem; caia sobre eles!” Esta parece ser uma licença inequívoca para a violência e a crueldade, mas estes são apenas os termos de uma operação alquímica. Os termos “misericórdia”, “matar”, “torturar”, aqui designam ‘purgação’, ‘cauterização’ e ‘purificação’, como aplicadas à Pedra-Estrela ou a Estela da Imortalidade. 26
A “pedra” é chamada de Estela, que comporta associações estelares; o termo Pedra-Estrela resume todo o conceito. Quando esta pedra emerge da purificação, matança e tortura, ela é conhecida como “a Abominação da Desolação”, e somos intimados a “contar bem seu nome, e será para você como 718. Por quê? Por causa da queda de Porque, que ele não está ali novamente.” A estela é descrita como desolada porque o Deserto de Set é desprovido de imagens; a razão foi abolida; “ele” não está ali novamente. 27
A ideia do Deserto de Set, latente na mente da Inteligência ditando o AL, informa o verso seguinte, que começa com o nome daquele deus: “Instala minha imagem no Oriente”. 28 O Oriente é o lugar do nascer do sol emblemático do Templo do Oriente 29 que é dedicado à magia sexual solar-fálica. O Oriente é o Lugar específico de Ascensão aplicado ao falo de Set. Set significa ‘uma pedra em pé’, ‘cipo‘ ou falo. Ele é a Estrela Estelafálica; a Estrela do Oriente; a Estrela do templo secreto da O.T.O.
Há aqui um eco dos procedimentos tântricos orientais, pois: “As outras imagens se reúnem ao meu redor para me apoiar. 30 que todos sejam adorados, pois se agruparão para me exaltar”. 31 Set é o “objeto visível de adoração porque, como o falo, ele se destaca; os outros são secretos; 32 para a Besta e sua Noiva são eles; e para os vencedores da Ordália X. O que é isso? Tu saberás.”
A Ordália X é a Ordália da Cruz, o cruzamento, ou travessia do Abismo, o Deserto de Set. Aqueles que conseguem esta travessia são os conhecedores, ou gnósticos: “Tu 33 conhecerás”, ou Set conhecerá.
O verso 23 traz o número da Chave do Tarô intitulada O Enforcado ou Crucificado, símbolo do mortal que alcança a travessia. O verso dá uma receita para fazer os “bolos de luz” que só podem ser cozinhados por uma sacerdotisa na sua fase escarlate. “O melhor sangue é o da lua, mensalmente: então o sangue fresco de uma criança, ou caindo do exército do céu: então de inimigos; então do sacerdote ou do adorador: por último de alguma besta, não importa a qual.” Esses ingredientes são particularizados no verso 24 como: 1) o sangue da lua cheia, 2) o primeiro florescimento da fêmea pubescente, ou kalas das estrelas, 34 3) “inimigos” = pensamentos; o que implica a necessidade de controle da mente e a direção dos pensamentos para fins mágicos, 4) o sêmen produzido pelo IXo+ 35 5) o sêmen produzido pelo XIo+ 36, O caldo infernal resultante deve ser queimado (cozido) e transformado em bolos de luz. 37 Os bolos são para serem magicamente mastigados. 38 Este é o rito secreto do Vinho do Sangraal e do Vinum Sabbati que não é engolido, mas retido sob a língua até ser absorvido pelo sistema. Ou, alternativamente, os bolos podem ser colocados diante da imagem de Set e “guardados com os perfumes 39 de sua oração”, ou seja, constantemente untados, ungidos ou nutridos, por meio do rito do VIIIo+. 40 A substância então
“ficará cheia de besouros e coisas rastejantes sagradas para mim. Estes matam, nomeando seus inimigos, e eles cairão diante de ti. Também estes produzirão luxúria e poder da luxúria em você ao comê-los. Também vós sereis fortes na guerra. Além disso, se forem guardados por muito tempo, é melhor, pois aumentam com minha força. Tudo diante de mim.”
O besouro é um dos zootipos do Santo Graal, o vaso daquele excremento supremo que é o sangue de Babalon, a Mulher Escarlate da Prostituição em cuja vulva ferve o esperma dos Santos. 41 As coisas rastejantes são emblemáticas da Corrente Ofidiana. Elas se manifestam na aura da sacerdotisa e parecem enxamear como vermes sobre seu corpo, que representa os bolos de luz. Se os vermes são mortos magicamente, ‘os ‘inimigos’ (isto é, os pensamentos perturbadores do mago) são destruídos, e a pura bem-aventurança permanece.
Ao devorar esses “vermes”, 42 o poder de alguém para realizar trabalhos de magia sexual é aumentado; ou, se os vermes forem mantidos por muito tempo, eles incham com a força e o fogo de Ra-Hoor-Khuit.
Um curioso episódio, registrado nos anais da Loja Nova Ísis, envolveu a imagem do besouro e uma aquarela de Aleister Crowley. O último foi pintado na época em que Crowley recomeçou a usar o Yî King para adivinhações regulares na década de 1930. 43 É vividamente colorido e retrata um sábio em amarelo pálido sentado entre dois pilares diante de um terreno montanhoso. Acima dele, no azul, pairam dois pássaros carniceiros. Ele está sentado de pernas cruzadas à beira de uma poça de onde rasteja um grande besouro. De cada lado do inseto, e também emergindo da água, erguem-se dois falos vermelhos grosseiramente desenhados. A imagem é infantil, mas não infantilesca, pois o rosto do Sábio 44 está impregnado de bem-aventurança e sua expressão sugere uma grande força interior.
“O Sábio Chinês” estava pendurado no corredor estreito ao lado do salão da loja. Não era a única exposição e não atraía atenção especial, mas aqueles que participavam de eventos no salão da loja tinham automaticamente que passar pela pintura. Na noite em questão, Nerik, a sacerdotisa, deveria presidir um rito de Khephra e, ao contrário de sua rotina habitual, ela não havia deixado tempo suficiente para se preparar. Ela correu para a vestuário sagrado com apenas dez minutos na mão. Rodi, o sacerdote, ficou consequentemente agitado. Nerik também estava agitada, um pouco perturbada: “Quem é aquela criatura lá fora?”, foram suas primeiras palavras. Rodi abriu a porta pela qual ela havia entrado e espiou. “Quem?”, ele perguntou, sarcástico, “não vejo ninguém”. “Ali!” Nerik exclamou, e apontou. “Ali!”, ela repetiu. “Você não pode vê-lo – olhando para a pintura na moldura amarela?” Rodi, que não via ninguém, fechou a porta. Ele achou que Nerik não estava em condições de atuar como sacerdotisa, mas tudo o que disse foi: “Calma, é só o calor”. Ela se virou para ele com raiva: “Então, não há ninguém ali! Então quem é aquela monstruosidade gorda e de aparência repugnante que tentou me impedir de sobreviver?” Rodi olhou impaciente para o relógio; a hora se aproximava das onze.
Estava quente e abafado e uma atmosfera de tensão prevalecia no salão da loja, o que não era surpreendente por causa que este episódio ocorreu durante um dos verões mais quentes de Londres. Todos sentiram isso, mas, sendo praticantes altamente qualificados da Suma Arte, todos estavam determinados a transmutar a energia hipertensa em uma realização bem-sucedida dos procedimentos da noite.
Os acordes de um violino criaram uma atmosfera adequada para o introito. Nerik fez uma entrada surpreendentemente graciosa. Suas vestes eram de tecido fino, brilhantemente negro e salpicado com flashes de malva. Um zumbido quase inaudível saía de vários instrumentos de sopro de madeira. Misturavam-se suavemente com o gemido enjoativo do violino, que caía como pétalas de violeta numa noite verde; pois a iluminação era predominantemente assim.
A voz de Nerik envolveu seu timbre estridente, mas sonoro, com a teia de som. Sua intensidade hipnótica combinada com o feitiço visual exercido por acólitos de máscaras negras que fizeram uma entrada com a imagem de um besouro forjado em ônix. A imagem foi instalada no altar, e Nerik – levantando-se do trono – apareceu gentilmente para acariciar as mandíbulas do inseto. Mas suas mãos não as tocaram de fato, elas acariciaram com intenção astral as antenas da criatura, excitando com seus voluptuosos passes os instrumentos através dos quais a Corrente de um aeon distante poderia ser “evocada com sucesso”.
Naquele momento, Rodi sentiu a reação de emoções recentemente reprimidas. Elas formulavam em sua mente como conceitos inteligíveis: O Aeon de Hórus, o Aeon de Maat – e então, o Aeon que – de acordo com um certo “livro indizível” – será caracterizado pela consciência assumindo a forma de um besouro. 45 Ele percebeu que o quadro antes do qual Nerik havia encontrado a anormalidade repulsiva havia sido pintado por Aleister Crowley, que havia se retratado de forma sábia e taoísta. Pode ter sido sua verdadeira forma. Mas Rodi também se lembrou do que emergiu das águas…
As manipulações mágicas de Nerik despertaram as forças daquele Aeon pós-maatiano alienígena enquanto o gongo acima do altar soava suas reverberações da meia-noite. Naquele momento, também, os acólitos mascarados de preto começaram a cantar a bela oração adaptada por Crowley 46 da antiga invocação egípcia do Khephra com cabeça de besouro. À medida que o hino ascendia para um crescendo, Nerik se lembrou – então ela gritou! Incapaz de resistir à corrente que subitamente se apoderou de ambos, Rodi lutou bravamente pelo controle. Mas a porta se abriu. Uma figura pesada, obesa e repulsiva dominou o salão da loja. Quando Rodi deixou cair o incensário que um acólito havia colocado em sua mão, ele viu a tulpa que Nerik tinha visto; uma entidade branca semelhante a uma lesma apontando com uma garra manchada para a imagem brilhando negra sob os dedos de Nerik. Então seu corpo pareceu ferver, enquanto absorvia a luz escura que emanava do altar. Ele inchou com sombra até preencher a porta com intensidade ameaçadora, e estranhas excrescências – como mandíbulas – brotaram de sua cabeça.
Este episódio teve resultados tangenciais surpreendentes. Pouco depois, Nerik experimentou um pesadelo constantemente recorrente no qual ela era a receptora de uma transmissão alienígena. Começou a escrever fragmentos desconexos que, ao serem organizados, revelavam um relato coerente, embora fantástico, da vida nas profundezas da terra. Ela descreveu a entidade comunicante como um “besouro escavador com barbatanas brancas doentias”.
Paralelamente à sua obsessão pelo escavador, cresceu dentro dela a convicção de que Aleister Crowley era o profeta de uma época futurista, e que o Aeon de Hórus era uma preparação para a destruição total da humanidade. Isso resultaria, ou assim ela pensou, na liberação do interior da terra de um enxame de escavadores e outras “coisas rastejantes”, que rapidamente alcançariam o domínio do planeta.
Pode-se notar, neste contexto, que há um relato detalhado no Necronomicon de um banimento e encarceramento dentro da terra, de uma raça de entidades coleópteras. Há também indícios disso no AL, e no sinistro Grimório conhecido como Liber Carcerorum vel Oliphoth, 47 que Crowley publicou no The Equinox. Os selos sobre as celas desta cidade enterrada e em túneis foram abertos por Crowley, 48 e foi um habitante deste reino que transmitiu a Nerik os fragmentos que finalmente a levaram à loucura.
NOTAS
1 IPSOS significa ‘pela mesma boca’; sua conexão com o número 69, soixante-neuf, é óbvia.
2 Ou seja, o Abutre.
3 A qual, de acordo com Frater Achad, Crowley falhou em proferir. (Ver Cultos das Sombras, cap. 8).
4 Ver Liber 333 (O Livro das Mentiras – Crowley), capítulo 69 intitulado “O caminho para ter sucesso – e o caminho para chupar ovos!”,
5 All (Todos) = 61 = Ain = Nothing (Nada), etc.
6 Veja o Diagrama da Árvore.
7 Estes são designados Focos de Pestilência, por razões que surgirão em breve.
8 Aqui está uma fórmula alquímica oculta é provável; que pode se relacionar com a física da Zona Malva ainda mais provável, em vista do número do verso.
9 O número perfeito é 12. Em grande escala, ou seja, 12 x 12, lê-se como 144.
10 Romanos XI.17.
11 Veja As Confissões de Aleister Crowley para um relato completo desta operação, uma das mais importantes que Crowley
12 418 é também o número de ChTATh, a mulher ‘má’ (Lilith)
13 A letra ‘i’.
14 O Abismo.
15 Veja The Star in the West pelo Cap. (mais tarde Major-General) J. F. C. Fuller. Este foi um fervoroso panegírico, publicado em 1907, celebrando Crowley como o verdadeiro salvador do mundo. Ele escreveu (p.211): “Levou 100 milhões de anos para produzir Aleister Crowley. O mundo realmente trabalhou, e finalmente deu à luz um homem”.
16 Ou seja, 475 +156 = 631.
17 TzIVN = 156.
18 A dupla lunação consiste em uma quinzena clara e uma escura que juntas compõem o ciclo lunar.
19 Na antiguidade, os mistérios do sexo eram velados no simbolismo erótico terreno que ocultava o intercurso com seres cósmicos, um intercurso essencialmente sobrenatural e não-terrestre.
20 A água tipifica o mago, fluido mágico, ou seja, o sangue da corrente lunar manifesto na Mulher Escarlate.
21 Veja Messengers of Deception (Vallée) Parte III.
22 Cf. Os feiticeiros de Lêng.
23 Magick, p.219, nota de rodapé 5, onde Crowley se gaba de ter sacrificado 150 crianças por ano, durante 16 anos!
24 Os itálicos são meus. Uma referência aos servos da Pedra dos Sessenta, e outras forças ctonianas.
25 Ver em particular o Liber Samekh (Congressus cum Daemone). Este livro, que é projetado para conectar o mago com forças alienígenas por meio de seu Demônio ou Anjo, contém os ‘nomes bárbaros’ para evocar os servos da Pedra dos Sessenta. Samekh = 60.
26 Veja as passagens sobre a Pedra Chintamani em Fora dos Círculos do Tempo.
27 Ou seja, como imagem ou fata morgana no deserto da ilusão.
28 e 29 A Ordo Templi Orientis (O.T.O.), é o Templo do Oriente.
30 Cf. as divindades avarana do Círculo Kaula usadas nos ritos tântricos hindus.
31 Observe que esta expressão é geralmente aplicada às estrelas; neste contexto, tipificando os kalas.
32 Ou seja, os processos ocultos da mulher; as secreções do aspecto feminino de Set.
33 Tu = Tau = Set. A Cruz de Set.
34 A expressão “anfitrião do céu” = Tzaba = a corrente lunar aplicada ao feminino.
35 Veja O Lado Noturno do Éden para uma explicação destas fórmulas da mágicka sexual.
36 Veja a nota prévia.
37 Luz = Fogo = Pyramis. Cf. a Pirâmide Brilhante que evoca Ixaxaar, a Pedra-Estrela, a estela, 718.
38 Esta é uma técnica familiar aos praticantes da Lambika Yoga e é praticada da mesma maneira.
39 Ou seja, os kalas.
40 Ver The Magical Record of The Beast 666 (Duckworth, 1972), p.151
41 Os Santos são aqueles que são dedicados à Grande Obra. Os antigos egípcios ocultaram este Mistério sob a imagem do “Comedor de esterco no Dia de Esteja-Conosco”. Que este excremento é menstrual, não anal, foi demonstrado em O Lado Noturno do Éden.
42 Como no banquete mortuário de Lêng.
43 Crowley continuou seu uso diário até sua morte em 1947. Na capa de sua edição OUP do Yî King (na tradução de Legge) ele havia pintado a óleo o retrato de um sábio chinês.
44 Obviamente, um autorretrato de Crowley em idade avançada.
45 De acordo com a tradição oculta, o besouro representa um tipo de personificação da consciência que caracterizará os habitantes da Terra durante a fase de evolução imediatamente pós-humana. Essa tradição foi tecida em um conto sinistro por H. P. Lovecraft, em The Shadow Out of Time.
46 Isto aparece em Magick, p.489.
47 Este grimório forma a base, ou a estrutura esquelética, dos Túneis de Set descritos em O Lado Noturno do Éden (Parte 2).
48 Não se tem certeza exatamente quando ou como isso ocorreu. Poderia ter sido o resultado de a) a execução da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago, que ele abandonou antes de sua conclusão em 1899; b) a terrível evocação de Choronzon, no deserto de Bou Saada, em 1909; c) uma invocação casual mas potente de Belial, por volta de 1924.
SOBRE O TRADUTOR
Ícaro Aron Soares, é colaborador fixo do PanDaemonAeon e administrador da Conhecimentos Proibidos e da Magia Sinistra. Siga ele no Instagram em @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.
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