
Por Coby Michael. Tradução de Ícaro Aron Soares, @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.
Tenho escrito e ensinado sobre minhas experiências como praticante da Bruxaria da Via Venenosa desde 2016. Tive a oportunidade de conhecer vários outros praticantes, cada um com sua forma de trabalhar; sua própria perspectiva a partir da qual eles abordam essa via. Poucas pessoas escolherão dedicar completamente suas atividades ocultas ao trabalho com venenos espirituais e físicos, por razões óbvias. O termo A Via Venenosa foi cunhado pelo autor Dale Pendell na década de 1970, em sua trilogia Pharmako. Foi usado para descrever a extração alquímica de substâncias enteogênicas de plantas potencialmente venenosas, especificamente para seu uso em práticas mágicas, rituais e espirituais. Pendell apresenta artisticamente as filosofias que enquadram esta via, bem como um sistema de categorização que mostra o amplo espectro da experiência enteógena.
A Via Venenosa é de natureza animista e reconhece as forças espirituais vivas dentro das plantas e fungos. Geralmente é integrada em uma estrutura espiritual existente e usada para complementar as próprias práticas únicas. Os praticantes da Via Venenosa são variedades de bruxas, alquimistas, ocultistas e espiritualistas baseados em plantas. Não existe uma maneira certa ou errada de explorar a Via Venenosa e chamá-la de Via faz com que pareça uma tradição fechada com limites claros. Não é. É uma “via”, na medida em que escolhemos seguir esta busca onde quer que ela nos leve. Não é a única via para o praticante verdejante, e você não pode compreender as plantas venenosas sem primeiro compreender suas contrapartes curativas.
Embora a Via Venenosa se concentre na natureza oculta das plantas venenosas, é uma via de equilíbrio. Há tanta ênfase no antídoto e na panaceia quanto na toxina. É por isso que é frequentemente chamada de Via Tortuosa. É preciso percorrer o caminho do bálsamo e da maldição, porque permanecer em ambos os lados por muito tempo tem seus efeitos prejudiciais. Para curar, devemos passar pelas nossas próprias provações, doenças e iniciações para transmutar os nossos próprios venenos espirituais em poder, para que possamos continuar a curar a nós mesmos e aos outros. O jardim venenoso também inclui outras ervas nocivas, que têm uma natureza sobrenatural, adversária ou perniciosa, mas não são psicoativas ou venenosas. As plantas do jardim do diabo e todas as formas de espinheiro e plantas espinhentas contêm sua própria sabedoria.
Os praticantes da Via Venenosa procuram aquelas plantas que foram condenadas ao ostracismo ou esquecidas pela maioria das pessoas. A Via Venenosa é o caminho do ocultista e da bruxa, e embora existam forças físicas poderosas em jogo, incluindo os efeitos tóxicos e visionários de uma planta, o foco da Via Venenosa está nas aplicações esotéricas dessas forças potentes. Em suma, é o estudo e a aplicação de plantas venenosas, nocivas, invasivas e demonizadas pelas suas virtudes ocultas e para se conectar com elas como espíritos familiares. Isto visa desenvolver uma compreensão mais profunda do toxikon ou pharmakon e do seu poder transmutador. É uma espécie de alquimia vegetal, que demonstra que estes espíritos mestres das plantas trabalham em vários níveis ao mesmo tempo, numa sinergia que permite os seus efeitos espirituais e mágicos.
“O veneno é um glifo para o próprio poder mágico.” – Daniel Schulke, Veneficium, 2017
Grande parte da preparação e estudo da Via Venenosa envolve o estudo da toxicologia e sua história. No mundo antigo, o mecanismo do veneno não era compreendido a nível químico. Isso não impedia as pessoas de usarem substâncias venenosas para fins medicinais, assassinatos e magia. Um grande corpo de conhecimento popular e discurso jurídico envolvendo a ideia de veneno nos mostra esse entendimento original. O veneno era uma força mortal e invisível para os povos antigos. Poderia viajar pelo ar, emanar do mau-olhado e contaminar qualquer coisa próxima. Acreditava-se que as plantas que continham essas substâncias maléficas retiravam sua natureza venenosa diretamente do submundo ou dos mortos. O veneno é o grande opositor. A antítese da força vital, mas às vezes também o seu salvador.
“Como observou Paracelso, o veneno é onipresente e ausente na natureza.” – Daniel Schulke, Veneficium 2017.
Veneno e Bruxaria são sinônimos. É a transgressão original, a intoxicação da humanidade através da Maçã do Conhecimento. É a transmissão do conhecimento angélico aos seres humanos para criar algo totalmente diferente. O Veneno é aquilo que é o Outro, e é exatamente com isso que a bruxa busca se conectar. Contágio, miasma e peste são conceitos relacionados à Via Venenosa. Acusações feitas contra muitas bruxas acusadas. A Igreja vê a Bruxaria como um contágio espiritual, uma toxina, que infecta a sociedade com a sua maleficia. A Via Venenosa é uma via inerentemente rebelde de autodescoberta através de provações, morte iniciática e visões xamânicas.
A bruxa da Via Venenosa é aliada ao arquétipo de Prometeu, os portadores da luz lançados nas trevas por roubar o que foi designado como exclusivo para os deuses. Também podemos desempenhar este papel, subindo nos ramos da árvore do mundo ou descendo às suas raízes para descobrir conhecimento e interagir com inteligências não-humanas. O praticante da Via Venenosa consegue isso através de atos de oposição e experiência enteogênica, ambos meios de gerar estados alterados de consciência que resultam em experiências espirituais.
O SACRAMENTO ENTEOGÊNICO
Esses estados alterados são alcançados através do uso de enteógenos, plantas e fungos preparados ritualmente para seus efeitos psicoativos. Quando aprimorados por meio de ação ritual e propósito claro, esses estados enteógenos de consciência conferem estados de transe profundo, viagens para outros mundos e comunicação com o mundo espiritual. Esta é uma das muitas formas utilizadas em todo o mundo para alcançar a consciência alterada e, como todas as outras modalidades, é frequentemente combinada com mais de uma técnica.
O estudo dos enteógenos e como eles eram utilizados ao longo da história é o estudo da etnobotânica. Os etnobotânicos estudam como os povos indígenas usam as plantas nativas de suas terras para fins medicinais, rituais e magia. O uso de enteógenos na prática espiritual é uma grande parte do estudo envolvido na caminhada pela Via Venenosa, esta é a via da pharmakeía, um antigo termo grego para o conhecimento dos pharmaka. Pharmaka ou pharmakon eram preparações potentes à base de plantas que eram medicinais, intoxicantes e muitas vezes potencialmente venenosas.
Isto é um pouco diferente da abordagem da venefica ou bruxa venenosa. Veneficium é um termo latino que é sinônimo de envenenamento e Bruxaria. A bruxa venenosa busca se conectar com as mesmas forças mencionadas anteriormente. O foco aqui está mais na natureza nociva da planta do que em suas propriedades psicoativas, e pode ser alcançado sem a ingestão de qualquer material vegetal. Esta técnica de Bruxaria Tradicional é atávica, desta forma o veneno é usado na transgressão ritual ou oposição para se conectar com forças numinosas.
O CÁLICE ENVENENADO

O último ato de oposição, o envenenamento de si mesmo*, mesmo que de forma simbólica, cria uma agitação poderosa nas partes mais primitivas da nossa mente. É contra os nossos instintos de autopreservação entrar em contato com substâncias tóxicas. (*Não estou de forma alguma sugerindo que alguém ingira algo venenoso. Existem certas maneiras de conseguir isso e é exclusivo do praticante e do aliado da planta. Esta informação vem através do estudo, da experiência e da comunhão com o espírito da planta.) Fazer isso cria um ponto de liminaridade que podemos utilizar quando estamos em transe para viajar em espírito, comunicar-nos com outros seres, lançar feitiços poderosos e acessar o conhecimento através da adivinhação.
Isso pode ser algo tão inócuo quanto flutuar uma flor mortal de beladona (Atropa belladonna) em um cálice ritual cheio de água ou vinho, enquanto você não está em nenhum perigo real, isso envia uma onda poderosa para o mundo espiritual. Diz que essa pessoa está disposta a abordar a morte em seus próprios termos.
O objetivo aqui não é a morte real, mas a morte do ego. A Morte do Ser liberta a pessoa das restrições do seu atual estado de espírito, situação e personalidade, para que poços mais profundos de consciência possam ser acessados. Este é o reino do Sabá das Bruxas, da Caçada Selvagem e da nova perspectiva obtida ao se enforcar na árvore do mundo. Existem também outras tradições que trabalham com as energias da morte, da toxina e do contágio para a sua alquimia espiritual. O exemplo mais comumente usado são os Aghori, devotos do deus Shiva Vishpana, o bebedor de veneno. Suas práticas incluem a ingestão de plantas tóxicas como Aconitum ferox e Datura metel com Cannabis spp. Sua maneira de trabalhar com o mundo espiritual é semelhante ao pensamento por trás da Via Venenosa.
Existem conceitos de veneno espiritual, ar maligno e veneno volante que também aparecem em outras culturas. O veneno é tanto uma força espiritual quanto um composto físico, e é aqui que reside a sabedoria oculta na Via Venenosa. Está na intersecção da medicina e do assassinato. Em algum lugar entre a morte e o sonho, e saber que o veneno está em toda parte e em lugar nenhum. A Via Venenosa, como via de exploração, toma muitas direções diferentes.
PALAVRAS FINAIS
Não pretendo definir a via de ninguém para eles, nem tenho a impressão de ter encontrado tudo o que a Via Venenosa tem a me ensinar. Tudo o que posso fazer é compartilhar o que vejo de onde estou e esperar que outros façam o mesmo. Resumindo, a Via Venenosa trata da conexão com a Alteridade que todos nós buscamos como praticantes de magia. As plantas que povoam a Via Venenosa são intermediárias dessa alteridade, atuando como suas representantes neste mundo. A via do envenenador é procurar esses espíritos para saber o que eles podem nos ensinar.
O veneno é uma força alquímica e através da sua contemplação nos tornamos recipientes para o néctar venenoso, o fruto proibido do conhecimento. Através da arte da intoxicação, quebramos as correntes que nos prendem aos nossos corpos físicos e descemos às profundezas misteriosas da Terra, bem como às profundezas de nós mesmos. É na nossa própria escuridão que encontramos iluminação. É através da transmutação dos nossos próprios venenos pessoais que podemos reivindicar soberania.
As pessoas costumam alertar sobre as implicações espirituais de trabalhar com plantas venenosas e nocivas. A preocupação é que o praticante esteja de alguma forma contaminado ou infectado. Elas temem a escuridão e que, se o Sol se pôr, ele não retornará. Muitos de nós descobrimos essa prática como curadores de feridos, já carregando nossas próprias toxinas sombrias. É a nossa afinidade com estas forças que nos chama para este trabalho.
“O que é alimento para um, é um veneno amargo para outro.” – Lucrécio.
Para obter mais informações sobre a Via Venenosa, verifique estes recursos.
Veneficium: Magic, Witchcraft and the Poison Path (Veneficium: Magia, Bruxaria e a Via Venenosa), de Daniel Schulke, Three Hands Press.
Pharmako Dynamis, Pharmako Poeia, and Pharmako Gnosis, de Dale Pendell, North Atlantic Books.
The Poison Path Herbal: Baneful Herbs, Medicinal Nightshades, & Ritual Entheogens (A Via Venenosa Herbal: Ervas Nefastas, Nightshades Medicinais e Enteógenos Rituais), de Coby Michael, Park Street Press.
Psychedelic Mystery Traditions: Spirit Plants, Magical Practices and Ecstatic States (Tradições de Mistério Psicodélico: Plantas Espirituais, Práticas Mágicas e Estados de Êxtase), de Thomas Hatsis, Park Street Press.
The Witching Herbs: 13 Magickal Herbs from the Witches Garden (As Ervas Bruxas: 13 Ervas Mágicas do Jardim das Bruxas), de Harold Roth, Weiser Books.
SOBRE O TRADUTOR
Ícaro Aron Soares, é colaborador fixo do PanDaemonAeon e administrador da Conhecimentos Proibidos e da Magia Sinistra. Siga ele no Instagram em @icaroaronsoares, @conhecimentosproibidos e @magiasinistra.
ORIGINAL
https://www.thepoisonersapothecary.com/blog/philosophia-toxicum-a-discourse-on-the-poison-path