Kenneth Grant.
Dois rituais delineados por Crowley envolvem o uso de sangue. Eles são a Missa da Fênix e um certo rito secreto da Gnose, ensinado no Soberano Santuário da Ordo Templi Orientis.
A Missa de Fênix foi publicada como Liber XLIV, tanto no Livro das Mentiras quanto no Magick. O número 44 é a palavra hebraica DM (Dam), que significa ‘sangue’. Ela significa a fonte vermelha da criação da qual o homem, isto é A-DM – Adam, foi criado. ChVL, a Fênix, soma também 44. O outro rito não foi publicado.
A Missa de Fênix ocorre com o magista cortando seu peito e absorvendo seu sangue oralmente. O Rito da Gnose ocorre com o magista se unindo à fonte da manifestação da Forma, Yoni, e consumindo a hóstia embebida em sangue. O ato é um sacramento embebido com a corrente mágica de sua própria energia, expressa em termos de Vontade Direcionada. Esta é a fórmula eletro-química.
O Sangue é o grande agente materializador tanto para os espíritos que encarnariam neste mundo, quanto para os espíritos que permanecendo em outro mundo, desejam assumir uma forma a fim de imprimir sua presença sobre os seres humanos. Homero e outros escritores da antiguidade descreveram ritos mágicos envolvendo o uso de sangue, que manifestaram as sombras dos que partiram em uma forma aparente. O sangue também forma a base física para a materialização de forças elementais e demoníacas.
A teoria subjacente aos ritos de sangue está baseada na identidade bíblica de que Sangue é Vida. A fonte seminal feminina é igualada à energia masculina. Assim o sangue é o veículo do Espírito, e o meio para manifestar espíritos. Os componentes duais, masculino e feminino, referem-se à alma da escuridão e à alma da luz, aos espíritos de Set e Hórus, respectivamente. Estes por sua vez, são Hoor-Paar-Kraat e Ra-Hoor-Khuit, as polaridades duais de Heru-Ra-Ha (Hórus), através dos quais o equilíbrio do universo é sustentado. Em termos morais, esta dualidade expressa-se como bem e mal. No simbolismo dos Gnósticos, a serpente e a pomba são os glifos típicos desta polaridade. Em O Livro da Lei é dito: “Existe a pompa, e existe a serpente. Escolhei bem! Ele, o meu profeta, escolheu, conhecendo a lei da fortaleza, e o grande mistério da Casa de Deus.”. Todo o corpo da doutrina de Crowley é um comentário sobre a interação equilibrada destas duas forças: o demoníaco puxão para baixo e a angélica ascensão.
A confusão do simbolismo surgiu por causa da transição das interpretações do feminino para o masculino da Energia Primeva. Isto foi causado pela evolução gradual das idéias e a troca da ênfase de uma para outro. Transições similares de símbolos para seus opostos são bem conhecidos com relação à cristianização de divindades pagãs. O processo é marcadamente aparente nos Mistérios do Voodoo (n.t. BR/Candomblé), onde os ‘santos’ conservam seus poderes obscuros originais juntamente com as novas ‘virtudes’ adquiridas.
As forças gêmeas no sistema de Crowley são Hoor-Paar-Kraat (Harpócrates) e Ra-Hoor-Khuit (Herakhty), os dois aspectos de Heru-Rá-Ha (Hórus). Sua significação como entidades espirituais pode ser entendida somente com referência aos mistérios básicos da fisiologia sobre a qual eles ultimamente repousam. Aplicados ao homem, estes gêmeos incorporam a ideia do espírito e da alma. A alma é a sombra astral, a luz estelar da escuridão, representada por Set e Sírius. O espírito é o corpo solar da luz, representado pelo Sol. Um (n.t. A alma) noturno, outro (n.t. espírito) diurno.
O determinativo egípcio para o duplo humano era a sombra do Sol, que combinava stas duas idéias em uma imagem. Ele era chamado de ‘khaibit’ e sobrevive na palavra inglesa ‘habit’, ou hábito (n.t. veste), como algo repetido ou duplicado, colocado ou retirado conforme a ocasião requeria. Todo indivíduo assume e abandona este ‘hábito’ ou sombra quando dorme e acorda. Durante o sono, os aspectos luminoso e escuro da sobra são unificados e parecem ser idênticos, a menos que o adormecido seja um iniciado, em cujo caso ele estará consciente desta distinção. Na morte – que é um sono mais longo – os dois se tornam distintos, a sombra escura pairando sobre o cadáver, o corpo de luz finalmente rompendo com seu gêmeo e elevando-se às alturas como um falcão dourado.
Era para a sombra escura que as oferendas eram deixadas nas vizinhanças da múmia. Esta (n.t. a sombra) é retratada nos hieróglifos como um peixe, que identifica com as águas ou sangue do nascimento. Num sentido mágico, o peixe significa o nascimento do ‘ka’, ou a alma da Luz, no mundo dos espíritos. À semelhança de um falcão, o ‘ka’ eleva-se além das bases materiais de suas atividades mundanas. Isto não significa que o espírito ascendente tenha algum dia se parecido com um falcão, que é meramente um glifo determinativo simbolizando os atributos de ‘ka’.
Muito do que era obscuro na magia Egípcia, senão realmente negro, era praticado por sinistros sacerdotes que perverteram estes Mistérios para fins pessoais. Uma destas perversões envolvia a escravidão de uma sombra prestes a partir, para que pudesse ser usada como um espírito familiar a serviço do magista.
Uma fome anormal era engendrada na consciência da sombra escura (n.t. a alma) pela falta de alimentação póstuma. Em todas as idades e em todos os lugares era tomado um cuidado muito grande pelos parentes do falecido, para assegurar que o espírito que partiu pudesse refazer sua vitalidade evanescente pela maneira ortodoxa, isto é, através da contraparte sutil das oferendas de alimento deixadas na sua tumba.
A múmia era usada como um meio físico através do qual a energia era absorvida. Isto quer dizer que a múmia, a carne ou o sangue congelado, formava a base material para a manifestação da sombra durante seu banquete.
Inúmeros contos de terror têm elaborado o tema da malévola múmia, que ao ser desembrulhada exibia sinais de recente alimentação, embora estando morta por séculos. A sombra magicamente aprisionada usava a múmia como uma base para suas atividades, uma situação, na verdade, não impossível. Se os víveres não fossem periodicamente fornecidos por parentes ou amigos do falecido, o cadáver voltaria sua atenção para as pessoas vivas. Ritos póstumos e oferendas de comida eram originalmente de uma espécie propícia, destinada a compensar as assombrações horrendas que abundam a literatura do ocultismo. É neste nível de mitologia que a lenda do vampiro tem suas raízes. A fórmula mágica de rejuvenescimento envolve um processo análogo com a significante diferença que o vampiro está vivo e não morto.
Embora Crowley somente uma vez tenha recorrido à feitiçaria desta espécie, ele sabia de certos Adeptos que fizeram dela um hábito, e ele esteve, em uma ocasião, envolvido em um combate mortal com um deles. O incidente é remontado nas ‘Confissões’. Nos comentários do Liber Agape, que contém as instruções secretas de magia sexual dadas aos membros do Soberano Santuário da O.T.O., aparece o seguinte parágrafo pertinente:
“O Vampiro seleciona sua vítima, forte e vigorosa tanto quanto possível, e com a intenção mágica de transferir toda aquela força para si próprio, exaure a caça pelo uso adequado do corpo, muito comumente pela boca, sem que ele mesmo entre no assunto de nenhum modo. Alguns acham que isto faz parte da natureza da Magia Negra. A Exaustão deve ser completa, e se o trabalho for competentemente executado, uns poucos minutos serão suficientes para levar a um estado que é muito semelhante ao coma. Os ‘experts’ podem levar esta prática ao ponto da morte da vítima, assim obtendo não somente a força física, mas aprisionando e escravizando a alma. Esta alma, então, serve com um espírito familiar. A prática é considerada perigosa. Ela foi usado pelo falecido Oscar Wilde, e também pelo Sr. e Sra. Horos, e, numa forma modificada, por Sammuel L. Mathers e sua esposa, e por E.W.Berridge. A ineficácia dos três últimos salvou-os do destino dos três primeiros.”
A Missa de Fênix é com efeito a Missa do Vampiro. O Magista, como a Fênix, após atravessar os Ciclos do Tempo, ou entrar nas Cavernas do Sangue, combina sua própria essência com estes e absorve-a dentro de si mesmo com as palavras: ‘Eu adentrei com aflição, com alegria Eu agora parto, dando graças, Para tomar meu prazer sobre a terra Entre as legiões dos vivos.’
O próprio Crowley praticava uma forma de magia da Lua com objetivo de restabelecer suas energias sexais após elas terem sido exauridas por prolongadas cerimônias mágicas, mas em nenhuma ocasião ele levou a prática ao ponto da morte. É absolutamente Magia Negra, e completamente contrário à Lei de Thelema, interferir com a Vontade de outros indivíduos, menos ainda roubar-lhes a vida. Os parceiros de Crowley estavam sempre predispostos a participar dos atos, que não eram jamais da natureza de um assalto e tampouco lhes causava nada mais além do prazer, como mostra repetidamente o seu Diário Mágico. Pelo contrário, no caso de mulheres excepcionalmente vigorosas e robustas ele considerava essencial ao bem-estar delas drenar a energia supérflua.”
Tradução: Pássaro da Noite
Edição: AShTarot Cognatus